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‘Destrói qualquer perspectiva de aprimoramento do ensino fundamental no campo’

Educadores exigem suspensão total do Termo de Ajuste de Gestão proposto pelo TCE ao Estado e aos municípios

TCE

Uma nova onda de fechamento de escolas do campo se forma no horizonte da Educação capixaba, desta vez – e não é a primeira vez – estimulada pelo Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES), por meio de um Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) apresentado – imposto, afirmam educadores – como forma de “reordenar” as redes municipais e estadual de ensino. 

Juridicamente frágil; carente de dados oficiais verificados; desconectado dos planos nacional e estadual de Educação, de Resoluções e Leis federais já publicadas sobre gestão em Educação; contraditório em relação ao conhecimento acadêmico, pedagógico e político acumulado nos últimos 50 anos sobre o assunto.

Essas são algumas das precariedades do documento, elencadas por educadores do campo ouvidos por Século Diário que integram algumas das mais de 30 organizações e entidades que assinam a Nota de Repúdio ao TAG do TCE/ES, publicada nesta quinta-feira (12) pelo Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces). 

Em síntese, a reordenação das redes de ensino, proposta pelo TAG, visa transferir para os municípios todos os anos iniciais do Ensino Fundamental e parte dos anos finais, com a justificativa de “eliminar a concorrência” entre Estado e Município na oferta dessas matrículas. 

A régua generalizada, alertam os educadores do campo, é um golpe fatal sobre as escolas multisseriadas que resistem nas pequenas comunidades rurais capixabas, visto que a maioria delas está sob gestão do governo do Estado. Transferidas para a responsabilidade dos escassos cofres municipais, essas unidades escolares estão fadadas ao fechamento, como já ocorreu em outras manobras semelhantes do passado. 

“O TAG destrói qualquer perspectiva de aprimoramento do ensino fundamental, particularmente no campo”, repudia Maria do Carmo Paolielo,  assessora do Comeces. Aprimoramento, ressalta, que deveria visar ofertar à população um ensino fundamental como “um bloco contínuo articulado de nove anos de escolaridade”, sem a ultrapassada divisão entre “primário e ginásio”, superada em 1971, pela Lei 5.692/71, sancionada com o propósito “de garantir à população um tempo de escolaridade sem interrupções”.

Essa separação, reforça, só vem consolidar um prejuízo de garantia de continuidade do ensino fundamental. “É uma medida antiga que alguns governos insistem em manter”, critica. “As redes que conseguem fazer o fundamental inteiro deveriam ser um bom exemplo a ser seguido e não ameaçadas de destruição”. 

A Nota de Repúdio afirma que a alegada “eliminação da concorrência entre municípios e Estado” não tem qualquer conexão com o regramento já estabelecido no país, “uma vez que não é sequer referenciada a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) 2/2021 que trata do tema”, tampouco pelos planos Nacional e Estadual de Educação, ambos vigorando, “onde são traçadas metas de implementação gradual de um regime de colaboração”.

Entre as dezenas de outras inconsistências do TAG, o manifesto do Comeces e entidades de apoio salientam ainda que “o sucesso de qualquer política educacional depende de um cuidadoso processo de avaliação durante e após sua realização”. O TAG, no entanto, “exige que os compromissários renunciem a todo e qualquer direito de questionar os termos ajustados”.
Após a ampla exposição de precariedades, as entidades reivindicam “a suspensão do Termo de Ajustamento de Gestão em sua totalidade”. 

Unanimidade 

O TAG teve sua minuta apresentada pelo conselheiro Rodrigo Coelho ao plenário do TCE no dia oito de março, tendo sido aprovada por unanimidade, com previsão de que, em trinta dias, o Estado e os 78 municípios pudessem apresentar suas contrapropostas para futuras assinaturas, previstas para ocorrer em meados deste mês de maio. 

Rodrigo Coelho também é o autor do Relatório de Levantamento nº 12/2019-5 (processo nº 03330/2019-2), feito em todos os municípios capixabas, com avaliação da capacidade e efetivação de matrículas em todas as escolas das redes municipais e estadual, das distâncias entre as unidades escolares, entre outros quesitos, e que foi apresentado há dois anos

Dados irreais 

Ocorre que, segundo o próprio voto do relator (nº 06460/2019-6), apresentado por Rodrigo Coelho aos colegas conselheiros, o levantamento apresenta várias “limitações” para a garantia da veracidade dos dados arrolados no relatório. “O conselheiro lista nove limitações. São questões muito sérias e com base nessas limitações, o levantamento deveria ser refeito”, afirma Alex Nepel, membro da coordenação colegiada do Comeces como representante da Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do ES (Raceffaes). 

Como exemplos, cita escolas do campo de Nova Venécia, noroeste do Estado, onde o TCE-ES diz estarem próximas entre si, cerca de três quilômetros, quando, na verdade, considerando o percurso a ser percorrido em chão, chega a ser superior a 10km. “Sendo que a distância que o estudante percorre dentro do transporte é ainda maior”, sublinha. 

A apontada ociosidade de muitas escolas também não é verificada, denuncia o educador da Raceffaes. Em Barra de São Francisco, conta, há escolas multisseriadas com uma ou duas salas no máximo, que no relatório do TCE-ES aparecem com capacidade para mais de 100 alunos. 

“É até difícil de acreditar que um relatório desse possa amparar alguma política pública. Um relatório mal estruturado, com dados extremamente frágeis, que desconsideram a realidade. Por que ninguém vem conversar com essas escolas, com as comunidades?”, concorda Cassiano Fávero, membro do Comitê Municipal de Educação do Campo de São Gabriel da Palha.

Quando os gestores e conselheiros se dispuserem a realizar um trabalho democrático e participativo, indo até as comunidades e ouvindo suas reais necessidades, afirma o educador, irão verificar que a reordenação necessária passa muito longe de fragmentar o ensino fundamental e transferir escolas para municípios que reiteradas vezes já demostraram que não têm condições financeiras de assumi-las. 

“Todo ano é uma luta para não fechar escola. Nunca chega para a gente uma proposta de fortalecimento. E são escolas que apresentam índices de qualidade melhores do que as nucleadas. Mesmo com todas as limitações desses índices, até eles mostram que o fechamento de escolas multisseriadas do campo não é a solução para a melhoria da qualidade do ensino”. 

Composição do Comitê de Educação do Campo do ES 

Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do ES (Raceffaes); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/ES); Movimento de Pequenos Agricultores (MPA/ES); Fórum de Educação de Jovens e Adultos -ES; Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da Ufes; Movimento de Educação Promocional do ES (Mepes); Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Coordenação Estadual Quilombola Zacimba Gaba; Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Espírito Santo (Fetaes); Comitês de Educação do Campo dos Municípios de São Mateus, Vila Valério, Pinheiros, Colatina, Jaguaré, São Gabriel da Palha, Boa Esperança e Sooretama; Licenciatura em Educação do Campo/Ufes-Vitória e São Mateus; Centros Estaduais Integrados de Educação Rural (Ceier) de Boa Esperança, Vila Pavão e Águia Branca.

Entidades de Apoio

Fórum Nacional de Educação do Campo; Associação de Pais e Alunos do Estado do Espírito Santo (Assopaes); Associação dos Docentes da Ufes (Adufes); Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae/ES); Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação; Centro de Estudos Bíblicos (CE/ES); Coletivo Educação Pela Base; Comitê Capixaba da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Corrente Sindical e Popular Resistência e Luta Educação ES; Fórum Estadual Popular da Educação do ES; Frente Capixaba pela Escola Democrática; Núcleo de Estudos e Pesquisa na Educação do Campo, da Cidade e da Pedagogia Social; Sindicato dos(as) Trabalhadores(as) em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes).


‘Não há orientação do TCE para nucleação de escolas do campo’

Municípios devem considerar aspectos pedagógicos para além dos financeiros apontados pelo Tribunal de Contas, adverte Rodrigo Coelho


https://www.seculodiario.com.br/educacao/nao-ha-orientacao-do-tribunal-de-contas-para-nucleacao-de-escolas-do-campo

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