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Carta Registrada

As cartas não mentem, diz o ditado. Verdade, mente é quem as escreve

No tempo em que as pessoas se comunicavam por cartas, pagava-se mais pelas registradas – uma garantia de que chegariam ao destino e ao destinatário. O que nos causa algum espanto: se pagávamos o valor estipulado para enviar uma correspondência, confiando nas boas intenções e credibilidade dos Correios e Telégrafos, por que pagar mais daria mais segurança ao que fosse remetido?

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A destinatária, no caso, era Maria Agostina Remoldis. Ou Agostina, apenas, que Marias tem muitas por aí. Não gostava do nome, mas tinha suas vantagens – nunca seria confundida com mais ninguém. Certo? O mundo é vasto para nossas curtas pernas, a vida insegura, o destino cheio de surpresas, principalmente para uma destinatária. A missiva, de alta importância para as partes envolvidas, não chegou às mãos da destinatária, apesar do valor dobrado pago para tal fim.

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As cartas não mentem, diz o ditado. Verdade, quem mente é quem as escreve. Jesus Armando, desta vez, não mentia. Em outras cartas, sim, jurou amor eterno a umas tantas outras, mas a paixão por Agostina foi irreversível, irrevogável, irresistível – Hei de amar-te até morrer, jurou logo no primeiro parágrafo. No segundo marcou o encontro, no dia tal, em tal lugar, a tal hora. Devia ter usado os telégrafos, mas era tímido – quantas pessoas iam ler o pequeno texto revelando a grande paixão? Coisa de cidade pequena.

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Telefone? Teria que ligar para a central telefônica local, mandar chamar, esperar chegar para marcarem o encontro – com as telefonistas dos dois lados da ligação escutando. E se Agostina dissesse não? Estaria desmoralizado em duas cidades. As pessoas hoje grudadas em celulares não entendem, mas os relacionamentos eram complicados nos tempos do telefone com fio – que nem todos tinham em casa: era comprado, e as ligações pagas por minuto falado.

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A carta, mesmo registrada, não chegou às mãos da destinatária. Sem resposta, desesperado de amor, Jesus pegou o trem da Leopoldina – pegou quer dizer que embarcou, não que tenha sido o infame personagem que roubou o trem pagador. Leopoldina também não é a dona do referido trem – é o nome da estrada de ferro que corria por nossas terras. Leopoldina Railway era o nome da empresa, e Railway não era o sobrenome da infeliz Dona Leopoldina, em mal momento se casando com Pedro I. Rainhas e princesas naqueles tempos não exibiam sobrenomes.

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Nos tempos antanhos, muitos romances morreram por causa de desvio das cartas, mesmo registradas. Jesus não queria correr esse risco – foi em pessoa dar o recado. Os anos correram, as roletas da sorte não deram o número certo, e Agostina se casou com outro. A primeira neta recebeu o nome da avó. Pois não é que, ao completar quinze anos, a jovem Agostina, provida de celular e computador, recebe pelos Correios uma carta registrada, endereçada à sua pessoa? Enviada por um certo Jesus, jurando amor eterno. Twiter para as amigas: Jesus me ama!

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