sábado, novembro 23, 2024
21 C
Vitória
sábado, novembro 23, 2024
sábado, novembro 23, 2024

Leia Também:

Ato expõe necessidade de fortalecer a Rede de Atendimento Psicossocial

Mobilização em frente à Assembleia Legislativa marcou o Dia Nacional da Luta Antimanicomial

Ao chegar no ato cultural do Dia Nacional da Luta Antimanicomial, realizado nesta quarta-feira (18), em frente à Assembleia Legislativa, chamou atenção, em meio ao intenso barulho do trânsito, a marchinha Mamãe eu quero, ao som do violino. Quem tocava o instrumento era o músico Iesu, que também dançava em uma roda formada por profissionais da saúde, usuários da Rede de Atendimento Psicossocial (Raps) e seus familiares, provando que pessoas com transtorno ou em sofrimento mental podem, sim, interagir socialmente, tem talentos, muito a ensinar, e disposição para aprender.

Leonardo Sá

Tem tanto a ensinar e a aprender, que quando a repórter de Século Diário se aproximou, não precisou dizer uma palavra para que ele começasse a dissertar alegremente sobre algo que tinha acabado de aprender. “Eu não sabia que Mamãe eu Quero e o congo têm ritmos parceiros, são gêmeos, vim descobrir aqui. Descobri por causa da percussão. Quando toquei Mamãe Eu Quero, com a percussão em congo, foi feita a simbiose do clássico violinista com o ritmo do congo. Descobri isso aqui, foi fantástico!”, comemorou.

Iesu morava na periferia, em São Pedro, Vitória, na infância. Seu pai o colocou para estudar música aos sete anos. Aos 13, ingressou na Orquestra Filarmônica do Espírito Santo. Já adulto, fez parte da Orquestra Petrobras, no Rio de Janeiro. Aos 31 anos, foi diagnosticado com esquizofrenia após um surto na rua, quando quebrou o violino, começou a ouvir vozes e foi internado no Hospital Philippe Pinel, no Rio de Janeiro. Este ano, um novo diagnóstico: autismo. Mesmo constatada a esquizofrenia, concluiu faculdade de música na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói.

Leonardo Sá

Hoje, Iesu faz tratamento no Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) Mestre Álvaro, na Serra. Trata-se de um equipamento que integra a Raps, oferecendo atendimento individual ou coletivo, com equipe multidisciplinar. Como todas as pessoas que estavam no ato cultural em frente à Assembleia, o violinista é defensor do tratamento humano para pessoas com transtorno ou em sofrimento mental por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Manicômio é o extremo da falta de inclusão social. Quando alguém pode ter acesso psicológico, acesso aos remédios, e voltar para casa, a gente vê como o trabalho do Caps é sério. Amo, gosto, respeito, admiro o Caps. Pagaria se fosse preciso. Na verdade, pagaria para não deixar de existir, pois tem que ser público para todos”, defende, mostrando que o ato cultural atingiu um de seus propósitos, que é externar “a alegria de um tratamento sem estar preso e a necessidade de sua continuidade”, conforme explica Camila Mariani Silva, integrante do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial, entidade que organizou a mobilização juntamente com o Fórum Metropolitano Sobre Drogas. 

Leonardo Sá

Iesu compareceu acompanhado de sua irmã, a policial militar Lucanza Paulo Lobato. “As pessoas com transtornos mentais têm algumas limitações, mas interagem muito bem. É trabalhado dentro do Caps a independência deles, por mais que em algum ponto tenham alguma limitação. O atendimento é fundamental, tem profissionais como terapeuta ocupacional, enfermeiro, mas psiquiatra, por exemplo, está em falta”, afirma Lucanza.

A falta de profissionais foi uma das denúncias feitas durante o ato, pois prejudica a prestação do serviço. Além disso, segundo Camila, nenhum município tem a quantidade necessária de Caps. Em Vitória, aponta, seria necessário ter dois Caps III 24h, para álcool e drogas, e dois para transtornos mentais, mas há somente um de cada.

Leonardo Sá

Ela destaca ainda que faltam alguns serviços da Raps no Espírito Santo. Um deles é o Grupo de Geração de Renda, que tem como um dos objetivos o incentivo à economia solidária. Também não há um Centro de Convivência e Cultura.

Uma iniciativa com foco na população em situação de rua que ainda não foi implementada é o acolhimento para pessoas desse grupo “que estão em uso prejudicial de álcool e outras drogas” e estejam fazendo tratamento no Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS). “Não se trata de um abrigo, a pessoa permanece lá temporariamente, até conseguir moradia”, explica Camila.

Leonardo Sá

Um dos entraves para investimento na Raps, de acordo com ela, é a Emenda Complementar 95, aprovada no Governo Temer (PMDB), que congela aplicação de recursos financeiros em políticas públicas, inclusive as de saúde, durante 20 anos. Outra situação que prejudica o acesso dos usuários aos serviços é o fato de que em alguns municípios não fornecem o Vale Social, que é o custeio da passagem ida e volta para consultas.

A integrante do Núcleo aponta como um dos avanços da luta antimanicomial a Lei Federal 10.216/01, que define os direitos das pessoas com transtornos mentais e orienta tratamento em espaço comunitário. Assim, a internação “deve ser a última estratégia, e não a primeira”. Entretanto, Camila destaca alguns retrocessos ocorridos nos últimos anos. Um deles é a Portaria 3588/17, do Governo Temer, que possibilita a internação de crianças e adolescentes com eletroconvulsoterapia.  

Mais Lidas