Lideranças temem mais impactos para as comunidades tradicionais, vizinhas à área afetada pelas mudanças
O Projeto de Lei 062/2021, que tramita na Câmara de Aracruz, norte do Estado, tem sido mais uma preocupação para as comunidades tradicionais do município. A matéria altera o Plano Diretor Municipal (PDM), atendendo aos interesses de grandes empresários, que olham com ambição para as áreas vizinhas ao Território Indígena (TI), sem incluir no processo os principais impactados pelas mudanças.
“Não adianta os vereadores aprovarem, o prefeito sancionar e, depois (se não ouvirem os indígenas os pescadores, a comunidade ribeirinha) ter um grande conflito, porque não foram ouvidos”, enfatiza o cacique Toninho Tupinikim, da aldeia de Comboios.
O projeto foi encaminhado pela gestão de Dr. Coutinho (Cidadania), em dezembro do ano passado. O foco é a chamada “Macrozona de Desenvolvimento Econômica e Socioambiental”, área estratégica do município, instituída pela Lei 4.317/2020, que rodeia o norte e sudoeste das terras indígenas de Aracruz.
“Recebemos com muita surpresa essa inclusão de uma nova área que circunda terras indígenas, sem nos consultar. Ficamos muito assustados”, conta o vereador e ex-cacique Vilson Jaguareté (PT).
A área fica às margens das principais rodovias que cortam Aracruz. Com o novo projeto, seria permitida a instalação de indústrias de médio e grande porte e loteamentos empresariais no perímetro, bem como o incentivo a atividades de escoamento de mercadorias para a zona de exportação.
O estopim alegado para as mudanças foi a integração de Aracruz à área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), no ano passado. O município afirmou que estava “preocupado em organizar o território municipal para adequar os novos empreendimentos à infraestrutura existente”, como diz o projeto de lei.
A ideia era colocar a matéria em votação na semana passada, apenas com o parecer da Comissão de Constituição, Legislação, Justiça e Redação, sem passar pelos demais colegiados temáticos da Câmara, nem consultar as comunidades indígenas, direito que é garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A pressa é para atender empresários que estão batendo na porta da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. O próprio projeto admite que as alterações atendem a demandas “de empresários que têm demonstrado interesse de instalar-se em nossa região devido à vocação para atração de novos investimentos e a logística favorecida pela aproximação portuária existente em nosso município”.
O texto enviado pelo Executivo Municipal também não conta com nenhum instrumento de controle dos impactos ambientais dessas mudanças para os povos indígenas. Um desses instrumentos é o Estudo de Componente Indígena (ECI), etapa de licenciamento que tem o objetivo de resguardar os direitos dos povos tradicionais.
Na última semana, representantes de comunidades indígenas estiveram na Câmara de Aracruz e, juntamente com o vereador Vilson Jaguareté, apontaram os problemas, destacando, ainda, a falta de consulta a órgãos como o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Um encaminhamento apresentado por Vilson Jaguareté garantiu que a matéria passasse, pelo menos, pelas demais comissões da Casa de Leis. Até essa quinta-feira (19), o projeto estava na Comissão de Finanças e vai passar também pela Comissão Permanente de Defesa do Cidadão e Honrarias, da qual Vilson faz parte.
Para ele, uma das principais medidas que precisam ser garantidas é a consulta aos povos indígenas. “Não só para ouvir, mas também para dar ciência a essas lideranças e comunidades sobre essa alteração”, aponta o vereador.
Vilson, que é autor de um projeto de Política Indigenista que tramita na Câmara, se preocupa com a preservação dos direitos das comunidades que lutaram intensamente pelo seu território. “Sabemos da importância do desenvolvimento econômico para nosso município, mas pretendemos auxiliar na compatibilização desse desenvolvimento com a manutenção do nosso território, cultura e meio ambiente”, disse o vereador.
Área cobiçada
As mudanças na ocupação da Macrozona de Desenvolvimento Econômica e Socioambiental mostram a pressão do empresariado, que visa os últimos pedaços de terra disponíveis em Aracruz. Cacique Toninho Tupinikim se preocupa, principalmente, com o impacto no Rio Comboios, após a instalação dos empreendimentos nas proximidades de outros rios da região. “No projeto, eles falam do Rio Riacho, mas esse rio deságua no Rio Comboios. Tudo o que fizerem lá, se tiver empreendimento poluidor ou não, vai impactar o rio aqui”, aponta.
A liderança indígena conta que está acostumada a ver a visita de grandes empresários nos territórios indígenas, que são cobiçados por ocuparem uma área próxima ao litoral, e teme os impactos. “Pode ser que não impacte amanhã, mas daqui a dez, 15 anos, pode trazer um grande transtorno para a nossa comunidade, principalmente para a nossa cultura”, enfatiza.
Com 48 anos, o cacique, que acompanhou as intensas lutas indígenas pela demarcação de terras com a Aracruz Celulose e a Fibria [atual Suzano], defende o direito de participação das comunidades nas decisões que são tomadas no município.
“Nós não somos contra o progresso, mas tem que conversar, porque tudo o que se faz no território vizinho tem impacto direto e indireto nas comunidades indígenas (…) Não se pode fazer nada sem levar em consideração a consulta prévia, ouvir as lideranças, a comunidade, fazer assembleia para discutir os pontos positivos e negativos”, reitera.