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O ano do tigre ou da tigresa

Tudo isso a gente vê na telona, com a naturalidade de quem já viu de tudo

O carro parou em frente da porta. Suavemente. Faróis desligados. Espreito por trás da cortina – Morreu o motor com um zumbido doloroso. Não buzinou, nenhuma porta se abriu, o vidro de nenhuma janela deslizou de alto a baixo. Ficou lá parado – esperando. Talvez apenas terminar a música no áudio, ou a notícia no rádio – Mais uma chacina no morro do Tigre. Nenhuma novidade, ninguém se espanta mais, ninguém para ou quer ouvir os detalhes da macabra notícia.

*

O tigre está solto! Diziam os mais velhos quando as coisas complicavam. Já a turma do bairro chinês comemora – 2022 é o ano do tigre – bicho bravo, não queira deparar com um na esquina. O que esperar quando um animal tão nobre e feroz influencia nosso monótono dia a dia? Grandes emoções, pois tudo muda quando a fera entra em cena – paixões desenfreadas, movidas pelo impulso, aventuras levadas mais pelo coração que pela razão, disputas acirradas pelo sucesso e pelo poder, a todo custo. Escolhas feitas sem qualquer critério. A bruxa está solta.

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Peraí, estamos falando de um símbolo do zodíaco ou de um novo seriado na Netflix? Pois tudo isso a gente vê na telona todo dia, com a naturalidade de quem já viu de tudo. É incrível a capacidade desse povo de inventar novas tramas e maneiras mais sutis de se safarem das piores mazelas. Peraí, estamos falando dos seriados de TV ou dos políticos? Como se acontecesse na vida de qualquer cidadão ou cidadã comum. Dessa água não bebo, não cuspa no prato que comeu, dor de barriga não acontece uma vez só. Se cuida, não é à toa que o bicho tem o pelo listrado.

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Enquanto me distraio com essas elucubrações filosóficas, o carro continua parado em frente da porta – nenhuma fumaça de cigarro escapando pelas frestas invisíveis – mas que existem, ah, existem. Nenhum som do rádio ou do áudio. Nenhuma conversa ao celular – fechando um grande negócio ou encerrando uma grande paixão. Adeus, até nunca mais. Qualquer das duas opções são viáveis no ano do tigre. Tem certeza que está fazendo a coisa certa? De pensar morreu um burro, não um tigre.

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O tigre é feroz mas dorme tranquilo. Me arrumo com calma, escolho os sapatos com o mesmo cuidado que escolho o prato no restaurante – Sal marinho ou do Himalaia? A soma dos detalhes forma o todo. Corro à janela, volto ao espelho. De todas as escolhas, o brinco é talvez o mais complexo. Um aparato insignificante, mas emoldura o rosto – combina com o batom ou com a roupa? A noite é uma criança. O perfume Flor de Lotus, para combinar com a data. Misterioso, provocante.

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Última conferida no espelho do elevador, mais claro que os do banheiro. Volto para pegar a bolsa e trancar a porta. Volto para apagar a luz que ficou acesa. Vou – paixão desenfreada, movida pelo impulso, a razão que se dane. Aventuras levadas pela emoção, a disputa acirrada pelo domínio no relacionamento, a todo custo. Atitudes inesperadas, escolhas feitas sem critério. A tigresa ataca!

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