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‘Rios voadores da Amazônia podem deixar o ES’, alerta meteorologista do Incaper

Seis municípios capixabas entraram para o semiárido em 2022. “Solução passa pela agroecologia”, orienta

Antes mesmo de serem bem conhecidos no Espírito Santo, os chamados rios voadores da Amazônia podem deixar de serem atraídos para o Espírito Santo, caso o padrão insustentável de uso do solo se mantenha. Monoculturas – pasto, eucalipto e café, principalmente – estão na raiz desse terrível fenômeno; e a Agroecologia e agricultura familiar partes indispensáveis da solução.

A avaliação e orientações são do meteorologista do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) Hugo Ramos. “Se nós não falarmos sobre os rios voadores, eles podem deixar de passar por aqui. É preciso que a sociedade conheça o assunto, cobre soluções. A dinâmica de ocupação do solo altera as massas de ar. O padrão de monoculturas, principalmente no norte do Estado, atua de forma negativa. Já estamos afastando os rios voadores”, explana, citando a Resolução nº 150 da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), de 13 de dezembro de 2021.

Arquivo Pessoal

Essa revisão da região que compõe o semiárido brasileiro – a anterior era de 2017 – acrescentou, pela primeira vez, municípios capixabas como integrantes da região mais seca e vulnerável à desertificação/savanização no Brasil. São seis: Baixo Guandu, Ecoporanga, Itaguaçu, Itarana, Mantenópolis e Montanha. Pontos de aridez mais acentuada dentro da vasta região acima do Rio Doce, onde 28 municípios já integram a região de influência da Sudene há algumas décadas. “O que mostra que a inclusão na Sudene, por si só, não tem resolvido o problema da aridez, da falta de chuva. Traz incentivos fiscais que favorecem alguns setores da economia, mas que não necessariamente atuam para reduzir a escassez de água”, acentua o meteorologista. 

Os principais critérios que definem a classificação como semiárido no Brasil são um acumulado de chuvas anual abaixo de 800mm e um índice de aridez de 0,6, o que significa que, ao longo do ano, em mais de 60% dos dias, a quantidade de água que evapora é superior à que vem da chuva, caracterizando regiões onde pelo menos 220 dias do ano são sem chuva. 

O fato de que municípios capixabas têm se tornado mais áridos e vulneráveis precisa ser melhor debatida, ressalta Hugo, pois demonstra a gravidade do processo de erosão do solo e perda de fertilidade e de água, que geram um microclima capaz de afastar a umidade que vem da Amazônia pelos ares. Não fossem esses chamados rios voadores, muito provavelmente o Sudeste brasileiro, parte do Centro-Oeste e até do Sul do país poderiam ser um deserto, como ocorre em outras partes do globo situadas nessa latitude, de 20 a 22 graus, a exemplo da Austrália e na África. 

Divulgação

A dinâmica dos rios voadores

Nessa latitude em torno de 20 graus, localiza-se em todo o planeta, o “cinturão das altas subtropicais”, explica Hugo. “É uma região de bastante subsidência, ou seja, de maior dificuldade de formação de nuvens de chuva. A maioria dos desertos está nessa latitude”. 

O privilégio do Brasil, explica, está no processo de transporte de umidade que vem da Amazônia. “A água que evapora dos rios da Amazônia são transportadas até os Andes e, quando encontram as massas de ar de origem polar, organiza canais de umidade, que tecnicamente são conhecidas como Zona de Convergência do Atlântico Sul, principal sistema causador de chuva nessa época do ano”, explica. 

Essa dinâmica, porém, sofre influência de ventos do nordeste, secos, que, se estacionarem sobre o continente, afastam os rios voadores. E é o que tem acontecido com o norte do Espírito Santo, à medida que o semiárido avança. 

Mudanças climáticas

Em paralelo ao que ocorre no território capixaba, Hugo destaca, obviamente, os efeitos do desmatamento da Amazônia, que tem interferido também drasticamente na quantidade de umidade que a região emana para os Andes e o sul do Brasil. Além dos efeitos das mudanças climáticas, que têm produzido eventos de secas e cheias severas. 

“Desde o começo do século XXI, temos registrado episódios de seca severa no Espírito Santo: 2003, 2007, 2011 e, mais intenso e prolongado, de 2014 a 2017. Entre eles, ocorreram eventos chuvosos intensos também”. 

Diversificar é o caminho

“O que se tem que reforçar é o aumento da participação popular nas decisões sobre uso do solo e mudanças climáticas. Mesmo que as instâncias deliberativas estejam mais nas mãos dos órgãos públicos, todas elas têm a representação da sociedade. Nem tudo o que é decidido num gabinete retrata a realidade. Os processos de implantação de políticas públicas a esse respeito têm que ter pesquisa de campo e participação popular”, roga, com base em sua experiência no órgão de apoio ao agricultor familiar por excelência no Estado, o Incaper.

“A conservação do solo é o principal elemento de ciclagem de nutrientes e armazenamento de água e quem tem levado isso à frente são os pequenos. Os pequenos agricultores trabalham no meio do deserto pra minimizar esses efeitos. São eles que demandam e implementam a agroecologia, os sistemas agroflorestais, os sistemas sintrópicos, a lavoura-pecuária-floresta, a revitalização de nascentes, a diversificação da paisagem”, afirma.

No outro polo, contrapõe, estão as grandes empresas do agronegócio, que continuam investindo e forçando uma expansão dos monocutivos. “Estão implementando um modelo que está próximo de esgotar os recursos naturais. Sustentabilidade não combina com monocultura”, adverte.

“A agricultura é um parceiro da solução, desde que feita com esse objetivo”, salienta. O Programa Reflorestar também atua nesse sentido, porém numa escala ainda muito tímida diante dos desafios, e ainda em áreas que não são as mais afetadas pela desertificação/savanização.

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