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PL de posseiros: ‘Derrota da classe trabalhadora e da transparência’

Projeto aprovado na Assembleia tem 13 grandes fazendas. Marcelo Santos rejeitou emendas que propunham transparência e coerência

PDT

Faltou transparência e coerência na aprovação do Projeto de Lei nº 625/2021, do governo do Estado, realizada na sessão desta terça-feira (31) na Assembleia Legislativa. O reclame foi feito durante a votação em plenário, pelos deputados Sergio Majeski (PSDB) e Iriny Lopes (PT). Mas sequer as emendas propostas pela petista, exatamente para tentar sanar esses problemas, foram levadas à votação, tendo sido rejeitadas por Marcelo Santos (Podemos), que presidiu e relatou o trabalho da comissão especial criada em novembro para analisar o projeto, encaminhado pelo governador Renato Casagrande (PSB) junto a vários outros relacionados ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) em outubro.

“A Lei de Terras nacional fala sobre regulamentar posseiros quando são pequenas propriedades, mas não é o caso. Há terrenos de mil hectares! Quando esse projeto foi protocolado, eu falei ao líder do governo, Dary Pagung (PSB), que faltavam informações muito importantes, e ele disse que seriam providenciadas. Mas isso não aconteceu. De que forma essas terras são exploradas? Por quem são exploradas? Por que nunca foram legalizadas antes? Não tenho informações suficientes de como essas terras são efetivamente utilizadas para serem enquadradas como terras de posseiros”, pontuou Majeski. 

Na mesma linha, Iriny Lopes afirmou que “faltam informações para termos tranquilidade e segurança do que estamos votando. Até para que os processos não sejam judicializados. Tem que ter a observância dos documentos comprobatórios que alguns artigos da própria lei fazem menção. Não basta fazer menção, tem que comprovar, com documento. Algumas emendas minhas são no sentido de dar segurança jurídica tanto ao governo quanto a quem está sendo titularizado”, ponderou. 

Majeski reforçou a necessidade de transparência. “Não duvido dos deputados que defenderam o PL, mas nós não votamos de acordo com o que se fala, mas de acordo com o que está no papel. Eu não estou me referindo aos minifúndios e pequenas propriedades, estou me referindo às grandes propriedades. Não seria oneroso nem trabalhoso para o governo apresentar o histórico dessas grandes propriedades. Faltaram, sim, as informações. Não basta o discurso que são posses há 50 anos. Isso deveria constar no papel”. 

Latifúndios 

De fato, no Anexo Único do PL, são listados 65 imóveis a serem beneficiados em uma tabela que informa apenas a matrícula cartorial dos imóveis, o distrito onde estão localizados e o tamanho, em hectares, não havendo qualquer menção sobre o nome das fazendas ou dos posseiros. As matrículas listadas estão com numeração entre 12.649 e 12.713. Entre esses 65, treze são maiores que 250 hectares, tamanho que é estabelecido, na própria lei, como o limite. 

Desses treze, cinco têm entre 280 ha e 500 ha e estão localizados nos distritos de Lagoa do Lima (314 ha), Suruaca (281 ha), Zacarias (309 ha) e Degredo (454 ha e 457 ha); quatro têm mais de 500 hectares e estão em Lagoa do Martins, Lagoa Nova, Brejo Grande e Barra do Ipiranga; um tem 862 ha (Suruaca); um tem 903 ha (Degredo); e dois possuem mais de mil hectares, sendo um em Degredo (1,2 mil ha) e um em Ipiranga (1,7 mil ha). 

Em seu artigo primeiro, o PL autoriza o Poder Executivo “a vender, nos termos desta lei, diretamente aos atuais ocupantes, os terrenos rurais patrimoniais estaduais decorrentes de arrecadação em procedimento administrativo de discriminatória ou por ascensão de companhias territoriais, integrantes das matrículas específicas listadas no Anexo Único desta lei”.

No artigo segundo, o projeto estabelece que a venda dos terrenos “depende do cumprimento cumulativo” de três requisitos, sendo o primeiro “estar inserido em glebas abrangidas pelo art. 1º desta Lei, limitada a 250 hectares, mediante manifestação do Idaf”. 

Os valores de compra são definidos no artigo quinto, onde primeiro são definidos os preços da “terra nua” para “os posseiros que se enquadrem como agricultor familiar”, tendo como base o Valor de Referência do Tesouro Estadual (VRTE), que hoje está em R$ 4. 

O escalonamento é o seguinte: dois VRTEs por hectare, para os terrenos com limite de 100 hectares; 30 VRTEs por hectare que exceder 100 hectares até o limite de 150 hectares; e 60 VRTEs por hectare que exceder aos 150 hectares.

Para os posseiros que não são agricultores familiares, “o valor atribuído à venda do terreno corresponderá a 10% do valor da terra nua apurado na homologação, pela Comissão de Avaliação de Imóveis Rurais (CAI/Seag)”, complementa o artigo. 

Estrutura fundiária injusta

Ainda em sua contestação à aprovação do PL, Iriny Lopes lembrou que “mais de 800 famílias estão acampadas no Espírito Santo, aguardando programa governamental para assentamento rural e produção”, cobrando dos colegas e do Executivo que se mobilizem em favor da reforma agrária. 

“É uma derrota muito grande para a classe trabalhadora. Temos 800 famílias acampadas, muitas há mais de dez anos, e não temos nenhum posicionamento do governo sobre como e quando assentá-las. Enquanto os fazendeiros conseguem essa conquista na Assembleia Legislativa, os trabalhadores continuam com esse problema, e sem nenhuma segurança em plena pandemia, já que a decisão do STF [Supremo Tribunal Federal], que proíbe despejos, se encerra em 30 de junho. A maioria dessas famílias não tem moradia, não tem onde ficar”, rogou Ednalva Moreira Gomes, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Espírito Santo (MST/ES). 

“A gente sempre lutou pela mudança na estrutura fundiária no Estado, para haver uma transparência no Idaf e outros órgãos de governo, mas nunca há transparência nessas ações. As áreas patrimoniais e devolutas ficam numa caixa-preta e, a partir dos interesses dos fazendeiros, são regularizadas. A gente quer que os governos tomem posição em relação às comunidades quilombolas, que têm vários hectares de seu território sob posse da Suzano [ex-Fibria, ex-Aracruz]. Há ainda vários patrimônios que poderiam ser destinados para famílias urbanas, mas a gente só vê despejos. Precisa mudar essa estrutura fundiária”, reivindica.

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