Sindsaúde entende tratar-se de disputa eleitoral ao governo entre Casagrande e ex-prefeito de Linhares Guerino Zanon
A estadualização do Hospital Geral de Linhares (HGL), no norte do Espírito Santo, que vinha sendo negociada de forma mais intensa nos últimos três anos, sob liderança da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), foi cancelada, devido a divergências entre a prefeitura e o governo Renato Casagrande (PSB).
Nesta quarta-feira (1), em comunicado oficial, a Sesa acusa o município de “adotar postura recalcitrante”, ao se negar a transferir a gestão, conforme estabelece o artigo 2º da Lei Municipal nº 3.769/2018, justamente “no momento em que [a mudança] se tornava imprescindível”.
“Esse comportamento compromete todo o esforço empreendido até o momento, na medida em que a doação do imóvel e demais bens do hospital, sem a transferência de sua gestão, impede o Estado de efetivamente assumir o serviço, tornando inócua a própria lei aprovada pelos representantes da população do legislativo municipal”, ressalta o comunicado.
A Sesa informa ainda que, “em meio à pandemia de Covid-19, foram investidos R$ 5,8 milhões para a abertura/adequação de 65 leitos, sendo 30 leitos de UTI e 25 leitos de enfermaria, na unidade”.
Além disso, “formalizou um contrato de gestão com a Fundação iNOVA Capixaba, que previa um investimento anual de R$ 80 milhões”, valor que seria utilizado para a prestação de serviços de saúde no HGL, referentes ao primeiro ano de gerenciamento por parte da iNOVA Capixaba, com a realização de um quantitativo de 6,2 mil saídas hospitalares/internações, 17,8 mil consultas (divididas entre consultas médicas e não médicas) e 38 mil atendimentos de Urgência e Emergência.
“Diante deste cenário e ante a falta de consentimento da gestão municipal, resta à Secretaria da Saúde esclarecer à população que o hospital continuará sob responsabilidade do município, não sendo juridicamente possível firmar o contrato de gestão que resultaria em investimentos significativos na promoção da saúde da população local”.
Perfil assistencial
Em resposta, a Prefeitura de Linhares afirma que, nos últimos três anos, na tentativa de viabilizar a estadualização, “o custeio do Hospital foi mantido pelo município de Linhares, garantindo assistência aos cidadãos, principalmente na pandemia da Covid, com implantação de 70 leitos de internação, sendo 34 de UTI e 36 de enfermaria”, além de ter disponibilizado “assistência integral à população com a implantação da Unidade Sentinela Covid-19, anexo ao pronto-socorro”.
Nesse período, prossegue, “diversas reuniões foram realizadas entre a Secretaria de Estado da Saúde e a gestão municipal”, e “vários questionamentos foram apresentados pelo município, sempre com objetivo de assegurar a continuidade dos serviços existentes e ampliação de novos leitos e serviços, dada a capacidade operacional instalada que possui o HGL”.
A divergência principal, assinala a prefeitura, está na definição do perfil assistencial do hospital. “Apesar de todas as solicitações e demandas apresentadas pelo município ao governo do Espírito Santo, fomos surpreendidos, no mês de abril, com a assinatura de contrato sem que fosse assegurado ao município o atendimento e assistência propostos e necessários aos pacientes, prejudicando a população local e da região e com redução de serviços”.
O contrato que seria assinado, sublinha, “não contempla nenhum serviço de alta complexidade, assim como, pela grade de referência da rede de urgência e emergência da Secretaria de Estado da Saúde, os serviços de média complexidade também seriam referenciados para outros municípios da Região Central Norte”. Ausências que foram questionadas ao Estado e que “o município, de forma incansável, buscou solucionar (…) seja no pronto socorro ou leitos de internação de UTI e enfermarias clínicas e cirúrgicas”, com o intuito também de evitar “deslocamentos desnecessários para hospitais de outras regiões, garantindo assistência integral no próprio HGL”.
Disputa eleitoral
Na avaliação do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde Pública do Espírito Santo (Sindsaúde-ES), a notícia tem uma motivação muito bem definida e que não é técnica ou contratual. “A não estadualização do HGL se dá por questões políticas do município de Linhares, pois o ex-prefeito [Guerino Zanon (PSD)] é candidato ao governo, disputando com a reeleição de Casagrande [PSB]”, afirma Geiza Pinheiro, presidente da entidade.
A estadualização é um processo de longa data, lembra a sindicalista, desde antes do último governo de Paulo Hartung, e foi provocada pelo município, que solicitou ao Estado que assumisse a unidade hospitalar, por não conseguir manter seu funcionamento a contento.
A construção do hospital é ainda mais antiga. “Vi o hospital sendo construído, pelo Estado, durante vinte anos, era uma obra sem fim. Depois o município fez investimentos também. Virou HGL por volta de 2010”, conta.
No primeiro momento em que a estadualização começou a ser discutida, o sindicato se colocou contrariamente, devido principalmente ao direcionamento que era feito para que a gestão fosse assumida por uma Organização Social (OS). “IGH, Pró Saúde…eram OSs que deixaram rombos nos cofres do Estado. Fomos contra a estadualização daquela forma”, reafirma. “De lá para cá, as conversas ficaram entre as secretarias municipal e estadual, o Conselho Estadual de Saúde não foi chamado, nem o sindicato”, acentua.
O que se viu nesse período, conta Geiza Pinheiro, foi a queda na qualidade do atendimento e uma falta persistente de insumos. “O município de Linhares em muita coisa abandonou o HGL. Não é o mesmo hospital de anos atrás em atendimento, insumos, está pecando muito nisso. Quem está sendo prejudicado é a população”.
Além dessa precarização pelo município, outra importante razão para o Sindicato passar a apoiar a estadualização é a mudança do formato de gestão: ao invés de uma OS, a contratualização da Fundação iNOVA Capixaba.
Esta, argumenta Geiza, oferece condições superiores de funcionamento quando comparada às OSs, devido especialmente “ao quantitativo maior de servidores, aos contratos de trabalho não precários e à perspectiva de concurso público em breve”.
O aporte de servidores concursados, afirma, consta em uma recomendação do Ministério Público “e na própria lei que criou a Fundação”. Segundo o sindicato pôde tomar conhecimento, “a previsão é de um concurso público ainda este ano pela iNOVA”, que já estaria tomando as medidas para realizar o certame.
“Se o município dizia lá atrás, sempre disse, que tinha que estadualizar, porque ele não tinha recurso para manter o hospital, por que não concluiu a estadualização? Qual foi o motivo?”, questiona a presidente do Sindsaúde. O atual prefeito de Linhares é o vice eleito, Bruno Marianelli (Republicanos), aliado antigo de Guerino Zanon.