Embora a instalação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura (Mepet) esteja prevista na Lei Estadual 10.006, de 2013, sancionada no primeiro mandato do governador Renato Casagrande (PSB), a medida, até hoje, não saiu do papel. Essa situação tem sido questionada há anos por diversas entidades da sociedade civil ligadas à defesa dos direitos humanos.
Na prática, o Mepet seria um órgão independente e formado por técnicos com autorização para visitar as unidades prisionais, inclusive sem aviso prévio e em qualquer horário, com o objetivo de realizar perícias e elaborar relatórios, documentos que serviriam de subsídio inclusive para a Justiça. A explicação para o não funcionamento do Mecanismo no Espírito Santo, segundo um dos integrantes do Desencarcera ES, Fernando Colombi, é o fato de a lei não prever remuneração para os peritos.
“Só que o Mepet, aqui no Estado, nunca existiu, nunca foi implementado justamente por causa do não pagamento aos peritos. Por isso, queremos trazer a discussão à tona. O Brasil é signatário de normas internacionais, se comprometendo a implementar mecanismos de prevenção e erradicação da tortura. A não remuneração para os peritos esvazia o sentido da norma, e esvaziando, ela não é cumprida”, diz.
A mesma lei que prevê a implementação do Mepet também prevê a do Cepet/ES, instituído em novembro de 2013, estando em exercício até o momento. Fernando destaca que a atuação do Mepet não se resume ao sistema penitenciário, mas a todo e qualquer espaço de privação de liberdade, inclusive comunidades terapêuticas e manicômios.
O debate sobre o assunto será reacendido no evento “Implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura [Mepet] no Espírito Santo”, no próximo dia 22, no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), campus de Goiabeiras. A iniciativa é da Frente Estadual pelo Desencarceramento do Espírito Santo (Desencarcera ES), Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo (Cepet) e o Grupo Fênix, do Departamento de Serviço Social da Ufes.
Histórico
A Campanha Nacional Permanente de Combate à Tortura e à Impunidade, desenvolvida no período de 2001 a 2003, foi o resultado da luta histórica contra as violações aos Direitos Humanos e a prática de Tortura no Brasil. Ela surgiu em decorrência do Pacto Nacional Contra a Tortura, firmado em 2000, que conseguiu estabelecer um compromisso de ação conjunta entre o Estado e a sociedade civil em prol da erradicação da tortura e da impunidade.
No Espírito Santo, esses organismos se comprometeram, através da assinatura do Pacto Estadual pela Erradicação da Tortura e outros, a dar continuidade à campanha em nível local e a promover ações conjuntas, com o intuito de erradicar e prevenir essa prática.
Sistema prisional
Gilmar Ferreira explica que o Mepet fiscaliza casos de “tortura, maus-tratos, tratamento cruel e degradante”, portanto, a precarização da alimentação servida nas unidades prisionais,
como tem sido denunciado pelo Desencarcera ES, se enquadra na questão do tratamento degradante. “Os relatórios podem apontar a necessidade de melhoria na alimentação, pois o que está acontecendo é uma forma de violência”, analisa.
Em março deste ano, a Desencarcera ES denunciou a empresa Alimentares Refeições, uma das terceirizadas contratadas pelo Governo do Estado para servir a alimentação aos internos, devido à má qualidade da comida. Em 2018, a empresa já havia sido investigada pela Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), que identificou estoques de alimentos vencidos e prestes a vencer, além de carnes impróprias para consumo. Outra empresa denunciada foi a Serv-Food Alimentação.
Os problemas com a alimentação oferecida nas unidades prisionais também chegaram à seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES). Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da entidade, assinado em abril de 2021, relata uma série de irregularidades apresentadas pelos presos à Comissão durante as inspeções prisionais. Uma das informações que chamam atenção é o valor diário pago para alimentar os detentos, de aproximadamente R$ 18 por dia.
Os problemas listados envolvem água em excesso no feijão, trigo em excesso na omelete, carne sem identificação de procedência, além do baixo valor nutricional dos sucos artificiais que são distribuídos nas unidades prisionais. “Ainda pior, reconheceu-se que muitas são as denúncias recebidas sobre marmitas fornecidas abaixo do peso adequado, assim como alimentação estragada ou com alteração do cardápio, o que gera, segundo a Gefap [Gerência de Controle, Monitoramento e Avaliação da Gestão Penitenciária], preocupação”, diz o relatório.
O magistrado estabeleceu uma indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil e o valor de 2/3 de R$ 1.175,00 para a genitora até a data em que a vítima completaria 25 anos e de 1/3 desse mesmo montante até a data em que completaria 76 anos ou até a morte da beneficiária. Em sua decisão, o juiz destacou que, na época do assassinato, o estabelecimento penal contava com 1,4 mil apenados, mas sua estrutura era projetada para 672, “fator prejudicial à vigilância e ao tratamento penal adequado”.
Também salientou que, conforme relatos dos envolvidos, a vítima foi espancada por outros detentos “por, possivelmente, estar devendo marmita, ou então, por ter determinada orientação sexual”. Diz ainda que, em um contexto de encarceramento, podem surgir “situações onde haja conflitos entre os presos, dando azo a ataques de uns contra a vida de outros”.
Assim, segundo a decisão judicial, é importante a atuação do Estado, “pois sem os cuidados necessários, visando garantir a integridade física desses presos, a incidência de determinados atos pode ensejar consequências extremas, como a do caso em decomposição”. No homicídio em questão, destaca, “a história dos autos revela que o Estado não foi capaz de garantir a integridade do preso Leonardo Silva Gonçalves, dever que lhe competia”.
Seminário
O seminário “Implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura [Mepet] no Espírito Santo” será realizado das 13h às 17h, no auditório Manoel Vereza, localizado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) da Ufes, com atrações culturais e palestras. O evento é aberto ao público e faz referência ao Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, celebrado em 26 de junho.
O evento conta ainda com apoio da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), da Organização Mundial Contra a Tortura e da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes).
Programação
13h00 – 13h30: credenciamento
13h30 – 13h40: apresentação cultural e abertura do seminário
13h40 – 14h55: Palestra: sistema estadual de prevenção e combate à tortura, com representantes do Governo do Estado
13h55 – 15h20: 1ª Mesa, com mediação da Prof. Fabíola Xavier (Grupo de Estudos Fênix/Ufes)
Tema: tortura no Brasil, com representante da Justiça Global
Tema: relatos de vida, com sobreviventes do cárcere e sistema manicomial
Tema: realidade do sistema prisional e socioeducativo capixaba, com representante da Frente Desencarcera
Debate, com perguntas ou comentários vindos do público
15h20 – 15h35: intervalo, com apresentação cultural
15h35 – 17h: 2ª Mesa, com mediação de Galdene Conceição dos Santos Nascimento Miranda (Movimento Nacional de Direitos Humanos e CEDH)
Tema: Histórico do Cepet e do Mepet, com Gilmar Ferreira, do MNDH e do Cepet
Tema: Sistema Nacional de Prevenção e Combate e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Rogério Guedes, do Mecanismo Nacional
Tema: ADPF 607 e sua importância para a implementado do Mepet-ES, Hugo Fernandes Matias, representante da Defensoria Pública do Espírito Santo
Debate, com perguntas ou comentários vindos do público
17h00 – 17h30: propostas de encaminhamento, e encerramento.