Um Boletim de Ocorrência (BO) registrado na Polícia Civil nessa segunda-feira (6), enviado ao Século Diário, aponta denúncia de “injúria” cometida contra um estudante da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Elza Lemos Andreatta, na Ilha das Caieiras, em Vitória, dentro da unidade de ensino. Conforme consta no documento, a avó do aluno comunicou que “seu neto foi injuriado” por uma colega de classe. Pessoas que souberam do caso, mas preferem não se identificar, afirmam que o menino sofreu racismo.
Os relatos são de que uma colega disse que “a escola não é lugar de preto”. Diante disso, outros estudantes e um professor teriam amenizado a situação, afirmando que se tratava “apenas de uma brincadeira”. Após o registro do BO, a escola acionou a Polícia Militar (PM) para conduzir a situação. A partir daí, prosseguem as informações, “a mesma, de forma intimidatória, fala com a vítima para parar com essas conversas”. A escola, então, teria informado à família da possível transferência do aluno de turno e que deveria ser assinado um termo de concordância, o que foi recusado, gerando na sequência uma ameaça de expulsão.
A Secretaria Estadual de Educação (Sedu), de acordo com as fontes ouvidas por Século Diário, foi procurada pela família da vítima, que obteve como resposta que seria feita investigação sobre o caso e que, para o aluno permanecer no turno no qual deseja, é preciso “comprovar que está fazendo cursos e outros por meio de declaração”. “Essa situação tem colocado a vida da vítima em risco, pois o adolescente passou a ser ameaçado por alunos da escola. O Conselho Tutelar foi comunicado sobre o ocorrido, mas tememos a segurança da vítima”, dizem.
Procurada por Século Diário, a Sedu afirma que “tem ciência dos fatos e acolheu, nesta semana, as famílias e os alunos na sede da secretaria, em Vitória, e ouviu atentamente todo o relato tanto dos alunos quanto dos seus responsáveis. A equipe, posteriormente, também dialogou com a direção da escola, para ouvir os demais que foram citados pelos alunos e seus familiares”.
A pasta acrescenta que “avalia, agora, administrativamente, todos os relatos, para que a situação seja resolvida da melhor maneira possível e dados os devidos encaminhamentos. Esclarece, ainda, que a equidade racial é um tema que tem sido trabalhado nas escolas da Rede Estadual, com formações para as equipes escolares, no intuito de minimizar esse tipo de situação e orientar o trabalho pedagógico nesse sentido dentro das unidades de ensino”.
Um mês
A mãe da moça, a advogada popular quilombola Josi Santos, contou que a filha foi insultada por um rapaz no momento em que estava no pátio com outros colegas, todos muito alegres e entusiasmados, aguardando o momento de apresentarem uma dança em uma disciplina eletiva. “Ele se aproximou dela e disse que ela parecia ‘uma cachorra no cio”, relatou a mãe.
Em resposta, Josi diz que a jovem desdenhou, dizendo que não estava no cio, só estava alegre porque iria se apresentar na aula com os amigos e que não precisa estar no cio para namorar alguém, pois tinha muitos pretendentes e sabia o momento certo de fazer isso. Inflamado, o agressor começou então a chamá-la de feia e ainda mostrou no celular uma foto de uma moça branca de cabelos lisos e olhos claros, dizendo que aquela sim era exemplo de mulher bonita, com cabelo que pode passar o pente. “O teu cabelo nem passa pente, sua feia”, teria sido o tipo de insulto dito pelo rapaz, que foi seguido por outros colegas que gritavam a Natalia que ela tem “o cabelo duro”.
A discussão continuou, e, sentindo-se humilhada, Natalia saiu de perto do agressor, muito nervosa. No trajeto, Josi disse que a filha esbarrou em uma colega que a tem por desafeto e que, irritada, a “chamou para a briga”. As duas demonstraram um início de embate físico, que foi contido pelos colegas. Um coordenador da escola chegou e ameaçou chamar a polícia, cessando então o tumulto.
Dia depois, ao ir até a escola, Natália, acompanhada da mãe, encontrou o agressor no portão. “Falei com ele para pedir aos pais que nomeassem um advogado, porque eu teria uma reunião na escola sobre o ocorrido e provavelmente eles iriam precisar de um profissional para defendê-los. Sou a favor da paridade de armas jurídicas”, relata a advogada popular quilombola.
Josi contou que, ao deixar a filha na entrada, tinha intenção de retornar para a unidade de ensino ainda pela manhã para participar da reunião marcada com a coordenação, mas logo que saiu do portão, recebeu um telefonema da filha dizendo que uma coordenadora – Lana Maria – não a deixava entrar na sala de aula. Em seguida, a própria coordenadora também ligou confirmando a reunião, porém com atraso de meia hora, e informando que somente mediante a sua presença, Natalia iria entrar em sala.
Surpresa, Josi perguntou se também haviam impedido o agressor de entrar. “Ela me disse que já tinha conversado com a família dele e que já estava tudo certo. E que só depois de conversar pessoalmente comigo que iria deixar da minha filha estudar. Acionei a polícia e fiquei na porta da escola aguardando”, relatou.
Quando a viatura chegou, a entrada da estudante já havia sido autorizada. Porém, diante de mais uma humilhação – “o agressor entrou na escola livremente e debochando dela” – Natalia começou a sofrer uma crise de ansiedade dentro da sala de aula. “Eu pedi ao porteiro que me deixasse entrar, mas ele disse que eu tinha que aguardar todos os protocolos.
Então fui mais enérgica e consegui que abrissem. Cheguei na sala e ela estava em prantos, num estado lastimável. Peguei minha filha pela mão e tirei ela dali. Foi minha reação como mãe, diante daquela situação absurda”.
Josi acionou a Gerência de Educação do Campo, Indígena e Quilombola da Secretaria de Estado da Educação (Geciq/Sedu), recebendo como orientação da gerente, Valquíria Santos Silva, registrar denúncia na Ouvidoria da Sedu.