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‘É preciso se perguntar quem ganha com o encarceramento em massa’

Padre Vitor Noronha denunciou, na Câmara de Vitória, problemas do sistema carcerário capixaba

Reprodução

O padre Vitor Noronha, diretor espiritual da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Vitória, criticou, nesta quarta-feira (15), na Câmara de Vereadores, a situação do sistema carcerário capixaba. Convidado pela vereadora Camila Valadão (Psol), a liderança religiosa participou da Tribuna Livre, denunciando a política de encarceramento em massa e as consequências desse modelo de gestão para a segurança pública. Vereadores querem fazer uma audiência pública em torno do assunto.

“É preciso se perguntar quem ganha com o encarceramento em massa (…) É preciso admitir que esse modelo que criminaliza a pobreza e a negritude deu errado, foi um equívoco. Prende-se muito, gasta-se muito, mas só coloca mais água no moinho da violência. Basta olhar para a máxima I do complexo de Viana, onde existem claramente duas facções divididas e um processo no qual outros detentos não envolvidos nessas facções estão sendo recrutados, e, portanto, aumentando o ciclo dessa violência”, apontou.

O padre enfatizou que o sistema carcerário capixaba é um reflexo do contexto nacional, que, nas últimas décadas, está em constante expansão. Ele também criticou a criação da Polícia Penal no Espírito Santo, que conferiu aos agentes penitenciários direitos inerentes à carreira policial, e defendeu a efetivação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura (Mepet).

“Há uma falácia de que faltam leis duras e que no Brasil se prende pouco. É justamente o contrário. Somos a terceira maior população carcerária do mundo. Prende-se muito e mal. A maioria não tem condenação, trânsito em julgado, a maioria das penas inclusive são ilegais. A maioria é pobre, negra, morador de periferia, tem baixa escolaridade, e é jovem. Este é o perfil do nosso sistema”, declarou.

Sistema que, lembrou o padre, também é uma indústria fomentada pelas empreiteiras responsáveis pela construção de novos presídios, bem como empresas que prestam serviços de alimentação e de segurança nas unidades. Para ele, a superpopulação carcerária, situação que se agrava a cada dia, não se trata de uma crise, mas de um projeto.

“Basta se ver a estrutura que o Ministério Público [Estadual, MPES], órgão acusador, tem à sua disposição e ao mesmo tempo ver a estrutura que a Defensoria Pública, órgão de defesa especialmente dos pobres, tem à sua disposição”, exemplificou.

Para a liderança, é preciso investir em políticas de remissão de pena, fundamentais para o desencarceramento em massa e reinserção social do preso após o cumprimento da pena. “Hoje, uma pequena minoria dos detentos estuda, trabalha ou estão inseridos no projeto de remissão de pena”, apontou.

Mais fiscalização e menos revista vexatória

Vitor Noronha também acredita que é necessário criar instrumentos públicos confiáveis para investigar crimes na segurança pública, como uma auditoria externa independente, além de garantir a visita de instituições religiosas, que segundo ele, não têm acesso garantido a todas as galerias. “Em geral, esse acesso é negado, quando existem ali violações de direitos humanos, como modo de esconder a pessoa encarcerada que está sofrendo a violência”.

O padre também denunciou as revistas vexatórias de mães e esposas de detentos que vão às unidades. Ele lembra que já existem equipamentos tecnológicos que possibilitam a identificação de objetos escondidos nas roupas e nada justifica a forma como essas mulheres são tratadas.

“Elas são colocadas em posições completamente violadoras, mandando-as tirarem suas roupas, se abaixarem, deixarem suas partes íntimas completamente vulneráveis. Em algumas unidades, o detector de metal de mão é passado por agentes homens e, às vezes, encostando nos seus corpos, com insinuações, o que é claramente um assédio”, relatou.

Debate

O padre foi contrariado por alguns vereadores, 
como Denninho Silva (União), que disse que “alguns bandidos são do mal e não têm solução”, além do vereador Gilvan da Federal (PL) que alegou que no Brasil se vive uma “bandidolatria”. Gilvan chegou a interromper a fala de Vitor Norinha por diversas vezes, precisando da interferência do presidente da Câmara, Davi Esmael (PSD), para que a fala fosse continuada.

Questionado sobre a referência aos policiais penais, o padre reconheceu que hoje o contexto dos agentes penitenciários é precário, com poucos agentes, treinamento insuficiente, mas transformá-los em policiais não é a solução. “Se trata de uma lógica de repressão e não de reinserção”.

Karla Coser (PT) ressaltou que investir em melhores condições para a população carcerária também representaria uma melhoria para os agentes penitenciários. “Tratar os presos como, ou até pior do que os animais, dando comida estragada, é uma coisa que deveria ser inaceitável para qualquer pessoa, não só para os cristãos”, destacou, citando denúncia apresentada pelo padre sobre os problemas na alimentação oferecida nas unidades.

Quase no fim do tempo cedido ao padre, vereadores que costumam citar a Bíblia para defender pautas preconceituosas, LGBTfóbicas e conservadoras, precisaram ouvir a liderança religiosa citar o mesmo livro para defender políticas de desencarceramento, de reinserção social e de defesa dos direitos humanos.

“Nós, como cristãos, devemos lembrar sempre da mensagem da ovelha perdida. Todos têm acesso ao amor de Deus. Em todos, há recuperação. Acontece que o sistema carcerário hoje é, absolutamente, o inferno na terra. Não é uma experiência da misericórdia de Deus que transforma. É uma experiência do inferno que pune de forma a massacrar a pessoa. E o que tem produzido, os frutos, tem sido mais violência, mais crimes, mais injustiça”, enfatizou.

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