Ato em Vitória denuncia baixa participação dos atingidos na repactuação, poluição e exploração de trabalhadores pela Vale
Um “Acerto de contas com a Vale Assassina” é o que anunciam movimentos sociais e sindicais para a manhã desta quarta-feira (22), em um grande protesto na Praça do Papa, em Vitória, “para denunciar os desmandos dessa empresa criminosa sobre territórios, vidas e comunidades!”
Na pauta de reivindicações, destaque para a repactuação conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o terceiro grande acordo em construção entre os governos e as empresas responsáveis pelo crime cometido em novembro de 2015 contra o Rio Doce, com o rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em Mariana/MG.
“Mais um acordo sem participação – e a Vale continua com a injustiça nas mãos”, denunciam as organizações, com base no baixo envolvimento dos atingidos feito pelo CNJ até o momento, limitado a algumas audiências de forma remota e a uma rodada de visitas aos territórios atingidos liderada pelo conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello no final do mês de abril. “Na repactuação, pela terceira vez os atingidos e atingidas não podem opinar sobre o seu futuro!”, bradam, em suas redes sociais, no chamado para o ato na capital capixaba.
Ainda sobre o crime contra o Rio Doce, as organizações reivindicam: “abaixo os cortes do AFE [Auxílio Financeiro Emergencial], o desreconhecimento do litoral [as famílias atingidas no litoral norte capixaba ainda não foram indenizadas nem receberam auxílio financeiro], a Fundação Renova e a quitação geral [a cláusula de quitação geral de danos, declarada ilegal pelos órgãos de Justiça, continua sendo imposta aos atingidos que assinam acordos de indenização diretamente com a Renova]!”
O protesto denuncia ainda a atuação nociva da Vale sobre o meio ambiente e seus trabalhadores. “Contra o pó preto e a poluição das praias, os seguidos descumprimentos dos acordos, as mortes e a exploração dos trabalhadores diretos e terceirizados! A Vale deve e tem que pagar o justo! Do rio ao mar, não vão nos calar!”.
Justiça Federal
Coordenador estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens no Espírito Santo (MAB/ES), Heider José Bozzi conta que a data escolhida para o protesto se deve a uma expectativa de que o acordo da repactuação seria assinado até o próximo dia 25 de junho, data que a Justiça Federal teria estabelecido como limite para que o juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mario de Paula Franco Junior, que tem sido o responsável pelo julgamento dos processos e homologação dos acordos desde o início, permanecesse em Minas Gerais.
O caso, ressalta, é que o magistrado chegou a ser transferido para o Amapá, para assumir uma nova vara federal criada no estado amazônico, mas, a pedido do CNJ, retornou às 12ª para concluir o processo e homologar o acordo em construção sobre liderança do Conselho Nacional.
A Século Diário, a assessoria do CNJ afirmou que a data da assinatura do novo acordo não será mais dia 25 e que, por enquanto, não há previsão de uma nova data. Sobre a manutenção ou não do juiz Mário de Paula na 12ª Vara, não há ainda informações.
‘Um acordo não cumprido a cada dois anos’
Heider Boza ressalta que o ato na Capital capixaba é decorrente de uma mobilização de mais de 70 organizações, firmada em novembro passado, em uma audiência pública realizada em Colatina. Junto com o MAB, na linha de frente da organização do protesto, estão entidades como a Associação de Juízes pela Democracia (AJD), o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH/ES) e o Observatório do Rio Doce – projeto de extensão com pesquisadores das universidades federais do Espírito Santo, Minas Gerais e Ouro Preto (Ufes, UFMG e Ufop).
“A ênfase que nós estamos dando, como Observatório, desde o início, no primeiro acordo, é a ausência da participação dos atingidos. É o nosso grande problema. Quase que a cada dois anos é feito um novo pacto, porque eles nunca são adequadamente atendidos pelas empresas e a Renova e são sempre denunciados pelos órgãos competentes e organizações sociais”, pondera Tânia Maria Silveira, representante do Observatório e doutoranda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Estado (Ufes), por meio do Laboratório de Estudos Políticos (LEP), coordenado pela professora Martha Zorzal.
“Esse não cumprimento dos acordos, na nossa avaliação, se deve exatamente à ausência dos atingidos nas negociações sobre compensação e reparação desse crime, que é o maior desastre ambiental brasileiro e o maior da mineração mundial. A gravidade e a complexidade do problema requerem a participação das vítimas para construir soluções que sejam de fato satisfatórias. Enquanto as empresas não entenderem isso, continuaremos a ter esses transtornos”, afirma.
Acampamento em Belo Horizonte
Durante o protesto, os manifestantes esperam conseguir uma agenda de reunião com a diretoria da Vale e com o governador Renato Casagrande (PSB). “São dois entes que ainda não dialogaram com os atingidos. Os órgãos de Justiça já dialogaram, alguns municípios também, mas o governo do Estado e a Vale ainda não”, afirma o coordenador do MAB/ES, destacando que, junto a Casagrande, já há um pedido de reunião feito há um mês pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH). “Ainda não tiveram retorno”, relata.
Paralelamente ao ato em Vitória, haverá também um acampamento em Belo Horizonte, em frente à 12ª Vara Federal, com duração prevista de dois dias, na quarta e quinta-feira (22 e 23).