Vereadora Camila Valadão protocolou projeto de lei para tentar impedir o uso da tecnologia no município
A vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol) integra uma campanha nacional contra o uso de sistemas de reconhecimento facial em espaços públicos. Por meio da iniciativa #SaidaMinhaCara, parlamentares de diversas partes do Brasil têm apresentado projetos de lei contra o uso do sistema, que tem sido banido ao redor do mundo por falhas no reconhecimento de pessoas negras, e pelo teor invasivo. Na Capital capixaba, o PL foi protocolado nesta terça-feira (21).
A proposta apresentada por Camila Valadão considera como reconhecimento facial o processamento automatizado ou semi-automatizado de imagens que contenham faces de indivíduos, “com o objetivo de identificar, verificar ou categorizar esses indivíduos”.
Caso aprovado, o projeto veda a Prefeitura de Vitória de obter, adquirir, reter, vender, possuir, receber, solicitar, acessar, desenvolver, aprimorar ou utilizar tecnologias de reconhecimento facial ou informações derivadas desse tipo de tecnologia.
O PL também proíbe o município de celebrar contrato com terceiros, ou fornecer ao terceiro acesso a informações que o auxiliem no uso do reconhecimento facial. Também é vedado permitir que pessoa jurídica de direito público ou privado use esse tipo de tecnologia em áreas urbanas e rurais.
Segundo a Rede de Observatórios da Segurança, mesmo com diversos estudos que apontam problemas no uso da tecnologia, pelo menos 20 estados brasileiros já tiveram, têm ou estão em processo de licitação de projetos para implementação de sistemas de reconhecimento facial. Em território capixaba, o sistema já foi anunciado em Vitória e na Serra.
De acordo com o texto do projeto apresentado, a nova decisão valeria para a administração direta e indireta de Vitória, bem como para as concessionárias e permissionárias de serviços públicos. “Após a entrada em vigor desta lei, as tecnologias de reconhecimento facial previamente implementadas e informações derivadas destas tecnologias não deverão ser mais utilizadas e excluídas no prazo de até 10 dias da descoberta do fato”.
O descumprimento das medidas pode resultar em uma multa no valor de R$ 5 mil, que seria revertido ao Fundo Municipal do Trabalho de Vitória (FMT).
Sistema criticado ao redor do mundo
A campanha é uma mobilização para tentar frear uma tecnologia responsável por diversos estudos ao redor do mundo, que apontam problemas como os erros no reconhecimento de pessoas negras e a falta de transparência nas informações coletadas. Em 2019, a prefeitura de São Francisco, nos Estados Unidos, proibiu o uso do reconhecimento facial pela polícia e outras agências públicas.
A localidade, que abriga o polo de tecnologia do Vale do Silício, foi a primeira cidade estadunidense a dar uma resposta firme ao uso desse tipo de tecnologia, que também tem sido banida em outras partes do mundo, como na União Europeia.
No Brasil, a campanha contra o reconhecimento facial já conta com a participação de mais de 50 parlamentares de diferentes partidos. Seja no nível estadual ou municipal, projetos são apresentados na Bahia, Ceará, Espírito Santo, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo.
A campanha #SaiDaMinhaCara é uma iniciativa de organizações como a Coding Rights, MediaLab-UFRJ/Rede Lavits, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – (CESeC), especialistas em temas de tecnologia, segurança e direitos humanos
Vitória e Serra apostaram no sistema
Mesmo com os diversos estudos e falhas apresentadas pelo uso do sistema ao redor do mundo, as prefeituras de Vitória e Serra decidiram apostar na tecnologia para uso da segurança pública. Só na Capital, o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) anunciou um investimento de R$ 15 milhões, contemplando câmeras, licenças de softwares e o HCI [Hyper‐Converged Infrastructure ou Infraestrutura Hiperconvergente].
Na Serra, a implantação do sistema foi anunciada no mês de maio. O reconhecimento facial fará parte do novo Cerco Inteligente de Segurança do município e tem previsão de ser totalmente instalado até o dia 15 de julho.
Em 18 de maio, a Prefeitura da Serra informou que ainda não sabia quantas instituições, ao todo, teriam acesso às imagens registradas pelas câmeras. Na ocasião, a informação divulgada era que os dados seriam interligados com o banco do Centro Operacional de Defesa Social (Ciodes) e com a Polícia Rodoviária, mas o compartilhamento poderia ser feito com outras organizações.
Em entrevista ao Século Diário em fevereiro, o pesquisador Pablo Nunes, coordenador adjunto do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC), no Rio de Janeiro, ressaltou que há um motivo para que várias cidades ao redor do mundo se mobilizem para banir o uso do reconhecimento facial em espaços públicos.
“As pessoas precisam saber que elas estão sendo monitoradas e o que está sendo feito com esses dados, quem tem acesso a eles e por quanto tempo. E essa é uma preocupação que não passa pelos projetos que temos acompanhado no Brasil (…) O que a gente tem visto é que o sistema de reconhecimento facial traz riscos de diversas formas, de várias frentes, e que a sua adoção tem sido feita a despeito dessas problemáticas”, disse.