Organizações populares do Rio Doce e litoral aprovam pauta de reivindicações à mineradora e ao governo estadual
Com o grito de ordem “Vale Assassina”, dezenas de manifestantes realizaram um protesto na manhã desta quarta-feira (22) denunciando as mortes, violações de direitos trabalhistas e humanos, e os danos ambientais provocados pela Vale por meio de sua unidade no Complexo de Tubarão, em Vitória, e pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, em novembro de 2015.
O ato foi liderado por movimentos sociais e sindicais de todo o Estado e se concentrou na Enseada do Suá, em frente ao Hub da Vale atrás do Palácio do Café. Com faixas e cartazes, os atingidos chamaram atenção dos passantes sobre os principais problemas enfrentados pela sociedade capixaba em decorrência da atuação da empresa.
Durante o protesto, organizações populares da região atingida, na bacia do Rio Doce e no litoral capixaba, aprovaram, em assembleia, uma pauta de demandas relativas aos mais de seis anos do maior crime ambiental do Brasil e o maior da mineração mundial. O documento com as reivindicações será entregue ao presidente da mineradora, Eduardo Bartolomeu, e ao governador Renato Casagrande (PSB) (veja abaixo os doze itens da pauta).
“Enfrentamos a maior criminosa do mundo, com mais de 300 mortes nas costas pelos dois crimes recentes, de Mariana em 2015 e Brumadinho em 2020. Para essa luta, chamamos os demais setores da sociedade que também são atingidos pelos inúmeros crimes cometidos pela Vale no decorrer de seus mais de 50 anos de modelo de exploração que distribui prejuízos e morte para a sociedade, e lucro para uns poucos”, ressaltam as organizações, em comunicado público à sociedade.
“Na cidade de Vitória somos todos atingidos pelo pó preto que nos adoece todos os dias, principalmente as nossas crianças e os nossos idosos. Hoje, toda a população do Estado é atingida pelas praias contaminadas pela Vale e Samarco. Bem antes de 2015, já éramos atingidos pelo minério dos Portos da Vale e da Samarco no nosso litoral, e depois do crime de Mariana, somos outra vez atingidos, desta vez pela lama tóxica de rejeitos que se espalhou no mar”, relatam.
O comunicado enfatiza que “a empresa Vale não dialoga com as comunidades atingidas, nem com sindicatos, movimentos ou outros grupos que se organizam em defesa dos seus interesses frente à empresa. Mais que isso, trata como caso de polícia as suas vítimas, criminalizando, espionando, prendendo e até ameaçando o povo que luta”.
E denuncia ainda que a empresa “explora seus trabalhadores até as últimas consequências. Ano passado bateu um lucro recorde de R$ 121 bilhões, e esse ano, já foram cinco trabalhadores mortos, fora os acidentes de trabalho”.
Repactuação
Na pauta a ser entregue ao presidente da Vale e ao governador Casagrande, as organizações afirmam exigir que, no novo acordo, em elaboração no processo de repactuação conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “os atingidos tenham sua voz respeitada e decidam o que fazer, não a empresa criminosa, [pois] essa é a única forma de termos nossos direitos conquistados”.
Clamando “Por um Rio Doce Vivo, Justo e Sem Fome!”, as entidades pontuam 12 demandas, sendo a primeira, considerada mais emergencial, a “volta imediata dos AFEs cortados e do pagamento de todos os Lucros Cessantes de todas as famílias beneficiadas”.
Em seguida, está o cumprimento da Deliberação 58 do Comitê Interfederativo (CIF), que, em 2017, reconheceu o litoral norte capixaba como atingido pelo rompimento da Barragem de Fundão, garantindo, consequentemente, às famílias moradores da região, os direitos a indenização, auxílio emergencial e demais programas estabelecidos no primeiro acordo, firmado em março de 2016.
O terceiro ponto refere-se à “Indenização e Efetivo Reconhecimento da Cadeia da Pesca do Camarão da Praia do Suá”, com base na matriz de danos já aprovada, mas que ainda não foi aplicada a todos os trabalhadores envolvidos na pesca do camarão.
O quarto trata da “Indenização individual justa e fim da Quitação Geral”, pedindo “que sejam anulados os termos de quitação geral impostos pelo programa Novel e criado um programa de indenização individual que garanta a reparação integral dos danos, através da construção de matriz de danos a serem feitas pelas assessorias técnicas independentes. Que os valores pagos pelo Novel possam servir de piso mínimo e que comunidades e grupos ainda não reconhecidos possam ter esse direito também”.
O quinto ponto defende o “Programa Rio Doce Sem Fome”, por meio da criação de um Fundo para transferência de renda aos atingidos, com gestão das instituições de justiça e participação dos atingidos, de forma “independente das mineradoras, como acontece em Brumadinho”. O programa deve prover, em cada família atingida, um salário mínimo por adulto, meio para os adolescentes e um terço desse valor para as crianças.
Além disso, deve distribuir um “cartão vale-alimentação com base no Dieese, para ser utilizado no comércio local, favorecendo pequenos agricultores, pescadores, ribeirinhos, comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, grupos de mulheres e pequenos comerciantes atingidos, através de associações e cooperativas” e garantir o “reconhecimento integral do direito das mulheres atingidas”.
O sexto ponto de pauta prevê a criação de outro fundo, para “projetos coletivos”, a ser gerido pelos próprios atingidos, “para recuperação e desenvolvimento das comunidades atingidas, através do fortalecimento das cadeias produtivas, produção de alimento, cultura, lazer, turismo, infraestrutura, entre outros”.
Outros pontos tratam da “contratação imediata das assessorias técnicas independentes já escolhidas pelos atingidos em 2018 e já homologadas”; “criação de um programa na área da saúde que garanta o diagnóstico, monitoramento, prevenção e atendimento da população atingida pelos diversos danos à saúde”; e implantação de um programa “Rio Doce Vivo”, garantindo “a descontaminação e a revitalização de todas as regiões contaminadas pela lama tóxica e a criação de programas de revitalização da bacia com participação popular e com previsão de recursos sem valor teto, até a plena reparação ambiental”.
Um terceiro fundo é solicitado, chamado “Fundo Social”, voltado aos recursos da indenização dos estados atingidos, Espírito Santo e Minas Gerais, de forma que o dinheiro seja aplicado “em políticas públicas nas áreas sociais de maior relevância, definidas com participação popular e preferencial destinação dos recursos às regiões atingidas e as mais empobrecidas”. Nesse sentido, sublinham as entidades, “somos contra a aplicação dos recursos na duplicação de rodovias que não passam pela região atingida, como a BR-262”.
A penúltima demanda é pela aprovação das Políticas Estaduais dos Atingidos por Barragens (Peab) pelos governos capixaba e mineiro, “garantindo assim, por lei, várias reivindicações desse documento, como o Fundo Social e as Assessorias Técnicas”.
Por fim, é solicitada a extinção da Fundação Renova e “que seja construído no âmbito da repactuação uma nova forma de governança para implementação dos acordos, que garanta a participação efetiva dos atingidos e atingidas em todo o processo de reparação. Além de uma forma de proteção das vítimas em relação às mineradoras criminosas”.
Parte dos itens da pauta também está contemplada no relatório elaborado pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar e fiscalizar a repactuação do acordo referente ao rompimento da barragem de Fundão.
Comissão Externa dos Deputados
Com relatoria do deputado capixaba Helder Salomão (PT), o documento foi entregue presencialmente nessa terça-feira (21) ao conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que lidera, no CNJ, o processo de escuta das comunidades atingidas no âmbito da repactuação.
O principal conflito entre as duas pautas, das entidades populares e da Câmara Federal, refere-se ao uso do dinheiro do novo acordo para pagar melhorias na BR-262. Enquanto os atingidos rejeitam essa possibilidade, o relatório a acolheu, durante votação feita na semana passada entre os membros da Comissão Externa.
Segundo Helder Salomão, há uma expectativa de que as empresas apresentem em julho uma contraproposta sobre o valor global do novo acordo, que, inicialmente, tem a quantia de R$ 155 bilhões reivindicada pelo Ministério Público Federal (MPF) em uma ação civil pública impetrada em 2016. Somente depois de definido o valor é que o acordo poderá ser assinado, possivelmente em agosto.