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‘Pesca assistida’ é viável na APA Baía das Tartarugas, defende Compesca

Seletiva e assistida, técnica pode conciliar conservação ambiental com tradição da pesca artesanal de Vitória

Leonardo Merçon

A tradição da pesca artesanal de Vitória pode ser mantida sem prejudicar os objetivos de conservação da Área de Proteção Ambiental (APA) Baía das Tartarugas. A posição é defendida pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca), em apoio ao pleito dos pescadores artesanais da Ilha das Caieiras, que reivindicam a permissão legal da Prefeitura para retomarem esse importante espaço tradicional de pesca na capital. 

A APA foi criada em março de 2018 pelo então prefeito, Luciano Rezende (Cidadania), e seu secretário (hoje vereador) Luiz Emanuel Zouain da Rocha. Com área de 1,6 mil hectares, ela se estende desde a Ponta de Tubarão, onde está o complexo minerossiderúrgico da Vale e ArcelorMittal e o Porto de Tubarão, até a Curva da Jurema, incluindo a praia de Camburi e as Ilhas do Boi e do Frade. 

O primeiro levantamento sobre a biodiversidade marinha existente na UC identificou 278 espécies de peixes, sendo 20 endêmicas das águas brasileiras e 12 ameaçadas de extinção, indicando a “importância biológica da região”, apesar das múltiplas fontes de agressão, como a intensa atividade portuária, o descarte inadequado de efluentes, a poluição pelo pó preto (nanopartículas de pó preto foram encontradas nas vísceras de peixes) e a pesca predatória, que também prejudica os pescadores tradicionais

Um ano antes, os dois gestores já haviam proibido, por meio da lei municipal nº 9.077/2017, todo e qualquer tipo de pesca não só na região da futura APA, mas em todo o litoral da capital, incluindo a região do Porto de Vitória, no centro da cidade. 

O debate sobre a viabilidade ambiental da “pesca assistida” na região, no entanto, é anterior às duas leis. Secretário-executivo do Compesca, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Nilamon de Oliveira Leite Junior conta que o assunto foi trazido ao Comitê pelos pescadores, em função de duas normativas antigas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que, juntas proibiam a pesca em todo a costa da cidade. 

Visando retomar sua atividade tradicional na região, os pescadores acionaram o Compesca para uma avaliação da sustentabilidade da técnica da pesca assistida. O Comitê foi criado em 2003 e tem representantes de treze instituições públicas federais e estaduais, treze prefeituras, nove associações e nove colônias de pesca, além dos Ministérios Públicos Estadual (MPES) e Federal (MPF). Após análise técnica, concluiu favoravelmente ao pleito dos pescadores. 

Debate federal

“Há um posicionamento técnico do Compesca em âmbito federal, por conta da presença do ICMBio, do Ibama e da Secretaria de Pesca, de que essa pescaria, sendo bem manejada, e apenas essa pescaria, porque a gente não liberaria nem a pesca de arrasto nem de emalhe, ela seria sustentável e traria um rendimento aos pescadores. Resolveria o problema dessa comunidade tradicional que mora em Vitória sem prejudicar os objetivos de conservação da APA”, afirma o secretário-executivo. 

O Comitê elaborou, inclusive, uma minuta de portaria federal visando permitir a técnica nas duas principais baías da capital capixaba, informa Nilamon. Mas, antes da minuta ser levada para análise e publicação pelos órgãos federais de proteção do meio ambiente, a Prefeitura estabeleceu as proibições. “As discussões do Compesca ficaram então paralisadas, porque não adiantaria mais revogar a legislação federal e promulgar a portaria. Nós entramos em contato com a prefeitura, discutimos com o setor técnico da Semmam [Secretaria Municipal de Meio Ambiente], mas a princípio a prefeitura não foi favorável à ideia da liberação da pesca assistida. Os pescadores continuaram lutando pela demanda”, relata. 

Seletiva 

Nilamon explica que a pesca assistida é feita com uma rede comum, porém de forma que o pescador consegue selecionar o que vai ser capturado e o que vai ser libertado. “Eles fazem um cerco artesanal em volta do cardume de tainha, usando pequenas embarcações. Depois de capturar o cardume, eles recolhem a rede”. 

A técnica é bem diferente da chamada “rede de espera”, que tem sido muito apreendida na região, onde o pescador deixa a rede armada de um dia para o outro, sem nenhum tipo de verificação nesse período, o que acaba por capturar algumas espécies ameaçadas de extinção, como tartarugas marinhas. Se uma tartaruga cai na rede de emalhe no início da noite, por exemplo, conta Nilamon, ela vai ficar presa ali até a manhã do dia seguinte, morrendo afogada, devido ao longo período sem poder subir à superfície para respirar. 

“A pesca assistida não tem essa característica. Nós a usamos inclusive em experimentos para captura de tartarugas marinhas para a gente fazer pesquisa, porque elas vêm vivas. Quando faz o cerco com os barcos, caso alguma fique presa, o pescador está lá vendo e a despesca é feita na mesma hora”. 

Monitoramento 

Somente a partir de um aceite do Município – agora sob gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) e com Tarcísio Foeger à frente da Semmam – o Compesca pode voltar a tocar o processo para revogar as leis federais. Permitida a pesca assistida, seria necessário ainda monitorar a aplicação da técnica, para verificar viabilidade a longo prazo. 

“Do ponto de vista teórico, a gente viu que, por ser uma pesca seletiva e por ser assistida, em que as espécies ameaçadas seriam soltas vivas, ela poderia ser praticada. Mas a gente teria que avaliar, acompanhar as espécies capturadas e ver se isso seria sustentável, na prática, a longo prazo”, explana o analista ambiental. 

Protesto 

Desde a promulgação das proibições municipais, os pescadores vêm realizando manifestações públicas pedindo a revogação das leis. Em 2019 houve um pedido formal à Câmara de Vereadores para revisão das normativas, mas não avançou.

Em 2020, um grande protesto levou cartazes e faixas até a frente da sede do Executivo municipal, afirmando que “Pescador não é bandido”, mas também não resultou em ações práticas. 

Em fevereiro deste ano, o assunto foi debatido na Assembleia Legislativa, em reunião da Frente Parlamentar de Conservação da Biodiversidade Capixaba, presidida pelo deputado Gandini (Cidadania). Representando os pescadores artesanais, falou o vice-presidente da Associação dos Pescadores, Marisqueiros e Desfiadeiras da Região da Grande São Pedro, Celso Henrique Luchini, defendendo a pesca assistida e repudiando a forma autoritária como a Prefeitura criou a APA, excluindo os pescadores tradicionais. 

Sua argumentação encontrou eco na representante da ONG ambiental Instituto Voz da Natureza, Marcela Nunes Tavares, que também criticou a ausência dos pescadores artesanais na gestão da APA e afirmou que não existe conservação da natureza sem o ser humano. 

TCA

Neste mês de junho, o município firmou onze Termos de Compromisso Ambiental (TCA) com o Ministério Público Estadual (MPES) para resolver todas as “não-conformidades” de cada uma das unidades de conservação sob sua gestão (são 18 UCs municipais no total), em relação aos sistemas Nacional e Estadual de Unidades de Conservação (Snuc e Siseuc). 

O referente à APA das Tartarugas é o de número 2/2022 e determina a solução de duas pendências: elaboração de Plano de Manejo e contratação de gestor da UC. Para o primeiro, o prazo é até 29 de dezembro de 2023 e, para o segundo, doze meses a partir da assinatura do TCA. Há ainda uma recomendação do MPES para que seja criado um sítio eletrônico sobre a APA, num prazo de seis meses.

A análise da viabilidade da pesca assistida na APA não está inclusa no texto do TCA, mas os estudos necessários à elaboração do Plano de Manejo podem contemplar essa legítima demanda. Como bem afirma Celso Luchini, “o pescador artesanal não é o culpado pela poluição, pela degradação. Ele não joga toneladas de óleo no mar, pó de minério, toneladas de esgoto. Não é ele que tem porto para navios que jogam rejeitos na água. Ele sabe que tem que cuidar, senão, não vai ter nada para ele (…) Camburi tem biodiversidade, golfinhos, tartarugas…tem que trabalhar em conjunto, proteger a natureza sem tirar o sustento das famílias dos pescadores”, reivindica.


Estudo lista 278 espécies de peixes na APA Baía das Tartarugas

Biodiversidade e pesca artesanal podem dar as mãos, defendem pescadores excluídos da unidade de conservação em Vitória


https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/estudo-lista-278-especies-de-peixes-na-apa-baia-das-tartarugas-em-vitoria

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