Concessionária desistiu do contrato de duplicação da BR-101/ES/BA. Serviços serão mantidos até nova licitação
O governador Renato Casagrande (PSB) afirmou que já mobiliza órgãos e a bancada capixaba no Congresso Nacional para contornar os danos causados pela saída da Eco101 das obras de duplicação do trecho da BR-101 no Espírito Santo e sul da Bahia.
A desistência foi informada ao chefe do Executivo capixaba nesta sexta-feira (15), pelo diretor-presidente da Eco101, Alberto Lodi. “O governador está em contato com o Ministério da Infraestrutura, com a Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) e com a Bancada Federal Capixaba para buscar caminhos para amenizar o impacto desse acontecimento”, informou o gabinete de Casagrande.
Em nota, a concessionária informou que a desistência foi protocolada nesta sexta-feira na ANTT, por meio de uma “declaração formal quanto à intenção de adesão ao processo de relicitação, que compreende a extinção amigável do Contrato de Concessão da BR-101/ES/BA e a celebração de um Termo Aditivo com novas condições contratuais até a nova licitação do empreendimento”. A decisão, sublinha, está amparada na Lei 13.448/2017, que trata da relicitação de contratos de concessões de infraestrutura, regulamentada pelo Decreto 9.957/2019.
O motivo alegado foi a “complexidade do contrato”, marcado por fatores como “dificuldades para obtenção do licenciamento ambiental e financiamentos; demora nos processos de desapropriações e desocupações; decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de alterar o contrato de concessão; não pedagiamento da BR-116; não conclusão do Contorno do Mestre Álvaro e o agravamento do cenário econômico”, que, em seu conjunto, “tornaram a continuidade do contrato inviável”.
Ressaltando que há vinte anos vem “administrando, realizando investimentos e prestando serviços em mais de quatro mil quilômetros de rodovias em oito estados”, a concessionária explicou, na nota, que “o processo de relicitação assegura a continuidade dos serviços até que uma nova concessionária assuma a gestão da rodovia”.
Assim, “neste período, a Eco101 continuará operando a rodovia e prestando todos os serviços de atendimento aos usuários, incluindo socorro médico e mecânico, veículos de inspeção de tráfego, caminhões para captura de animais e caminhões-pipa para combate a incêndios, além do monitoramento por câmeras para garantir o fluxo do tráfego e celeridade aos atendimentos em ocorrências na via” e de manter “as obras em andamento e os investimentos necessários para a manutenção da via, sempre com o mesmo padrão de qualidade previsto no contrato de concessão”.
Responsabilidade civil e criminal
O contrato de duplicação da rodovia pela Eco101 tem sido marcado, ao longo dos nove anos, desde que foi assinado, por muitas denúncias de irregularidades e negligências. A investigação pelo TCU teve início em 2016, motivado por cobranças de pedágio consideradas excessivas, visto que os motoristas vinham pagando para utilizar a via sem que as obras correspondentes fossem entregues.
Junto ao TCU, a bancada capixaba vinha fazendo acompanhando do problema das tarifas do pedágio, por meio da Comissão Externa de Fiscalização da Concessão da BR-101 na Câmara dos Deputados.
Em junho de 2021, o deputado Da Vitória (Cidadania), membro da Comissão, representou contra a concessionária no Ministério Público Federal (MPF-ES) pedindo instauração de um processo de investigação sobre “inadimplemento contratual” e “responsabilidade da concessionária pelos acidentes e mortes ocorridos [no trecho da BR-101 sob sua concessão]” para que “seja declarada a caducidade e a consequente extinção do contrato”.
A “responsabilidade civil e criminal da concessionária pelas mortes”, requerida na representação, se baseou em decisões já tomadas no país, no sentido de reconhecer que “as concessionárias podem ser responsabilizadas por acidentes em suas rodovias quando estes decorrem de falta de manutenção ou obrigação contratual deficiente que, se tivesse sido por ela adimplido, o evento danoso teria sido evitado”, expõe o documento.
No requerimento, Da Vitória destacou também “a conduta omissiva da União Federal e da ANTT, ao abrirem mão do poder regulatório e fiscalizatório do mencionado contrato de concessão”.
‘Genocídio de animais silvestres’
Um dos pontos mais controversos da atuação da Eco101 na BR-101 reside na falta de cumprimento de uma das exigências feitas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), desde o início do licenciamento ambiental, que é a apresentação de estudos sobre “alternativas locacionais” para o trecho que hoje atravessa o maciço florestal formado pela Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama, Reserva Natural da Vale e pequenas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), nos municípios de Sooretama e Linhares, no norte do Estado, considerado o maior fragmento de Mata Atlântica de Tabuleiro do país, um patrimônio natural de relevância mundial.
No final de abril, o Ibama renovou a exigência do estudo. O objetivo é reduzir os impactos da presença da rodovia federal sobre o santuário ecológico, visto que a criação da principal unidade de conservação na região ocorreu décadas antes da construção da BR e que, desde então, os atropelamentos de animais silvestres têm crescido proporcionalmente ao fluxo e velocidade dos veículos.
Ao exigir os estudos detalhados, a licença prévia apenas renovou o pedido, feito em momentos anteriores do licenciamento – Processo nº 02001.003438/2014-79 – que foi iniciado há oito anos, em abril de 2014, e foram todos, até o momento, ignorados pela ECO 101.
Em junho, pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) destacaram a falta de fiscalização em relação à velocidade máxima permitida no trecho de 25 km que corta as reservas e suas zonas de amortecimento, ao intenso ruído e outros aspectos nocivos à biodiversidade local. Dentro dessas reservas constam os últimos registros de animais emblemáticos da Mata Atlântica no Estado, como o gavião-real e a onça-pintada.
“Essa rodovia tem promovido uma chacina, uma alta mortandade de animais naquele trecho. Isso não é uma fatalidade, não é acidente, é uma coisa que acontece diariamente e pode ser evitada e reduzida, se as medidas corretas forem adotadas, medidas que já sugerimos em 2014″, afirmou, na ocasião, o professor-doutor Aureo Banhos.
A citada proposta, feita em 2014, foi assinada por um grupo de cientistas e ambientalistas reunidas em um workshop internacional realizado para orientar medidas de proteção ambiental a serem implementadas em função das obras de duplicação. Algumas são mitigadoras e emergenciais, como redutores de velocidade, manutenção de túneis de fauna, sinalização e educação ambiental, todas consideradas de baixo custo econômicas e que deveriam ter sido implementadas até que medidas definitivas pudessem ser realizadas. A principal delas, o desvio da BR-101 a oeste da Rebio Sooretama.
A exigência de estudos de alternativas locacionais refeita pelo Ibama dialoga com essa orientação dos cientistas e consta no Parecer Técnico nº 17, incluso no processo de licenciamento. O documento ressalta que esse desvio a oeste “representaria um incremento de cerca de 60 km ao trajeto atual ao invés dos 35km propostos na Alternativa 2 apresentada pela ECO 101”, resultando, então, em 25 km a mais do que o defendido pela empresa, passando a leste da Reserva, em um trecho marcado por terrenos alagados, lagoas e muitas áreas ambientalmente sensíveis.
Além do aspecto essencialmente ambiental, o contorno a oeste traz ainda duas vantagens, prossegue o parecer: a existência de “uma malha rodoviária muito mais profusa do que pelo leste, além de vários projetos de expansão dessa malha, sendo um deles inclusive federal, a BR-342, que está sendo construída ligando a BR-116 a BR-101”, e a existência predominante de “propriedades rurais de pequeno e médio porte que se beneficiariam economicamente da presença da rodovia para o escoamento da produção agropecuária, para a qual a região é vocacionada”.