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Consumo de energia elétrica da Vale equivale à demanda de todo o Estado

Segundo o Observatório da Mineração, metade dessa energia vem de fontes não-renováveis, inimigas do clima

Karini Berg

O consumo de energia elétrica da companhia Vale é de 2% do total produzido no Brasil e equivale a toda energia demanda pelo Espírito Santo, onde ela mantém uma de suas principais plantas brasileiras e provoca graves, crônicos e crescentes problemas ambientais, sociais e trabalhistas, incluindo o pó preto que degrada a qualidade do ar na Grande Vitória e as demissões, consideradas ilegais pela Justiça do Trabalho.

A informação consta em reportagem especial publicada por Maurício Angelo no Observatório da Mineração nessa terça-feira (19), com base em dados disponibilizados pela própria Vale e outras fontes públicas. 

Maior mineradora do Brasil e uma das cinco maiores do mundo, com lucro líquido acima de R$ 121 bilhões em 2021, a Vale afirma, segundo o Observatório, que produz 54% da energia que consome, com destaque para energia hidrelétrica e eólica. “Porém, de toda a base de consumo da Vale, além da eletricidade, 24% é a diesel, 17% a carvão e 12% outros óleos, o que dá mais de 50% de consumo de fontes poluentes”, ressalva o site de jornalismo investigativo. 

Toda essa energia, sublinha, é utilizada basicamente para produzir e transportar minério de ferro – 315 milhões de toneladas em 2021, com projeção de 370 milhões para 2022 – que é exportado principalmente para a China e que, em todo os lugares onde chega, alimenta usinas siderúrgicas e “incrementa o consumo de energia e as emissões de gases responsáveis pela crise climática no mundo”.

Os números são ruins mesmo sob o ponto de vista econômico, pois o setor minero-siderúrgico consome 11% da energia produzida no Brasil para gerar apenas, segundo estudo de 2021 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, somando 1,2% da mineração (Indústria Extrativa Mineral – IEM) e 1,9% da siderurgia (Indústria da Transformação Mineral – ITM). 

“Quando colocamos na balança a necessidade de aumentarmos drasticamente a eficiência energética e a contribuição para o Brasil atingir as metas do Acordo de Paris somada com as inúmeras violações socioambientais do setor extrativo, o resultado é desastroso e preocupante”, ressalta o Observatório.

Subsídios fiscais cruzados

Maurício Angelo também destaca os muitos subsídios fiscais cruzados recebidos pela mineradora. “Na prática, a Vale paga energia mais barata e conta com subsídios, incentivos, isenções e regimes tributários especiais desde o início da sua cadeia de produção, na geração de energia, até a exportação de produtos como o minério de ferro”.

E alerta, conforme Século Diário seguidas vezes tem feito, sobre “a falta de transparência para saber a real extensão desse emaranhado de benesses concedidas por diversos governos”. Fato é que, “até hoje, o Brasil não sabe o tamanho do buraco causado na arrecadação federal – e nas esferas estaduais – de todos os benefícios dados para mineradoras e siderúrgicas. Estudos independentes de universidades, pesquisadores e organizações da sociedade civil e do terceiro setor, porém, estimam a conta em bilhões de reais”.

Até mesmo compensações financeiras pelo crime que a própria Vale cometeu contra o Rio Doce, em novembro de 2015, foram autorizadas. É o caso da central hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga, localizada em Santa Cruz do Escalvado, em Minas Gerais, que tem a Vale como sócia majoritária, junto com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). 

Interditada em 2015, quando recebeu as milhões de toneladas de rejeitos de mineração vazados da Barragem da Fundão, em Mariana, Candonga “recebeu mais de R$ 500 milhões em repasses pelo Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), criado para reduzir os impactos causados por momentos de escassez de chuvas, fazendo com que usinas em condições mais favoráveis mantenham outras afetadas pela crise hídrica em caso de necessidade, [o que] não é o que acontece com Candonga. E quem paga a conta desse mecanismo é o consumidor final”. O caso foi noticiado em abril de 2021, pelo jornal Estado de S. Paulo

Ocorre que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entrou na justiça para parar repasses e reaver os valores já pagos. A primeira decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi favorável à Vale e foi somente no colegiado do STJ que ela se comprometeu a devolver o dinheiro, com valor corrigido até dezembro de 2022 em R$ 781 milhões.

Carvão, minerais estratégicos e degradação socioambiental

A reportagem aborda ainda outros minerais importantes no cardápio da Vale, com níquel e cobre – considerados “essenciais para a transição energética” e cobiçados por bilionários como Elon Musk da Tesla –, que tiveram extrações do porte de 168 e 296 mil toneladas, respectivamente, em 2021. 

A exploração é feita no chamado Sul Global, especialmente na América Latina e África, e provoca “uma infinidade de violações socioambientais e de direitos humanos”, incluindo em terra indígenas brasileiras, onde o governo de Jair Bolsonaro tem se dedicado a abrir ilegalmente para a mineração e garimpo.

Sobre o carvão, o Observatório informa que a produção da Vale em 2021 foi de 8,5 milhões de toneladas, 44% a mais que em 2020, boa parte dele em Moçambique, na costa leste da África. O carvão é uma das fontes de energia mais poluentes do planeta e um dos maiores inimigos do clima mundial. As promessas de mudança dessa matriz energética ainda não são transparentes, na avaliação dos analistas do setor, salienta a reportagem, dificultando o acompanhamento e cobrança mais efetivos por parte da sociedade. 

‘Vale assassina’

No Espírito Santo, a Vale é alvo de constantes atos públicos que denunciam seus crimes sociais, ambientais e trabalhistas. O mais recente ocorreu em Vitória no final de junho passado, reunindo movimentos sociais e sindicais de todo o Estado e atingidos pelo rompimento da Barragem da Samarco/Vale-BHP em Mariana

O protesto se concentrou na Enseada do Suá, em frente ao Hub da Vale atrás do Palácio do Café. Os manifestantes levaram cartazes e faixas, realizaram performances chamando atenção para os múltiplos impactos da atuação da Vale no Estado, e publicaram um comunicado público à sociedade. 

“Enfrentamos a maior criminosa do mundo, com mais de 300 mortes nas costas pelos dois crimes recentes, de Mariana em 2015 e Brumadinho em 2020. Para essa luta, chamamos os demais setores da sociedade que também são atingidos pelos inúmeros crimes cometidos pela Vale no decorrer de seus mais de 50 anos de modelo de exploração que distribui prejuízos e morte para a sociedade, e lucro para uns poucos”, ressaltaram as organizações, no manifesto.

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