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‘Terei que diminuir frentes de trabalho se não houver uma revolução na Ufes’

Professor e PCD, Douglas Ferrari denuncia a exclusão provocada pela falta de acessibilidade na universidade

Com uma trajetória de 24 anos dentro da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o professor do Centro de Educação Douglas Ferrari desabafa: “terei que diminuir frentes de trabalho se não houver uma revolução na universidade”. O docente, que tem deficiência visual, lida com a exclusão dentro da instituição de ensino desde 1998, quando ingressou como estudante na graduação de História. Ele também cursou especialização, mestrado e doutorado na Ufes, sendo aprovado no concurso para docente em 2017. 

Essa revolução, afirma, não pode ser feita somente pelas pessoas com deficiência (PCDs). “É preciso que toda a comunidade universitária se mobilize em prol de uma cultura inclusiva, é preciso cobrar, pedir, propor”, diz, destacando que o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós, composto por familiares de pessoas com deficiência que lutam pela sua inclusão, é o único grupo que luta pela acessibilidade, não somente dentro, mas também fora da Ufes.

Nesta semana, Douglas publicou um desabafo nas redes sociais na qual disse estar “cansado de não ter condições de trabalho na Ufes, destacando a falta de acessibilidade. Essa situação me traz complicações de ordem física e psicológica. Estou jogando a toalha”. A postagem foi motivada por uma punição que sofreu. O professor relata que, devido à dificuldade de enxergar, já que tem somente 30% da visão do olho esquerdo e 5% do direito, cadastrou seu e-mail errado na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG).
Por causa disso, não recebeu um e-mail comunicando sobre as datas para envio de avaliação de subprojeto de Iniciação Científica. O cronograma consta nos editais, mas sua deficiência faz com que tenha dificuldade para lê-los. Assim, acabou perdendo o prazo para envio, não podendo concorrer no edital deste semestre nem do semestre que vem, o que fará seus orientados perderam as bolsas do projeto já em andamento. “Me senti violentado. Quando é um erro meu, sou o primeiro a reconhecer, mas quando não é, é doloroso”, desabafa.
Douglas não descarta a possibilidade de diminuir as frentes de trabalho dentro da universidade, por exemplo, deixando de dar aulas na pós-graduação stricto sensu. Ele relata que, além da deficiência visual, convive com problemas cardíacos, como arritimia, e, inclusive, usa marcapasso. A falta de acessibilidade, informa, tem causado estresse, o que motivou seu cardiologista a aconselhá-lo a não pegar cargos em comissão. “Quanto mais frentes de trabalho, maior o impacto por causa da falta de acessibilidade”, diz.
Douglas explica que tem acesso, por exemplo, ao portal dos professores, onde, entre as atividades a serem executadas, está o registro das notas dos alunos. Entretanto, não consegue utilizar direito. “As plataformas não são acessíveis às pessoas com deficiência”, diz, destacando que isso acontece em vários outros portais, como os de protocolo e o site oficial da Ufes, onde só consegue ter acesso aos destaques. Ele também não consegue ler as resoluções para progressão, tem dificuldade para envio online da documentação e não consegue acompanhar os processos.
Entretanto, denuncia, isso não é exclusividade da Ufes. “O mundo acadêmico e científico não foi feito para pessoas com deficiência”, afirma, dando como exemplo a dificuldade de leitura dos editais do Fundo de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes) e no preenchimento do currículo na Plataforma Lattes.
Douglas recorda que a Ufes tem um Núcleo de Acessibilidade, o qual comandou de 2017 a 2020. Por meio do trabalho desse Núcleo foi criado, por exemplo, um Plano de Acessibilidade, mas pouca coisa foi colocada em prática, como a calçada acessível e cursos de formação para os docentes. O professor destaca que é preciso efetivar muitas ações, como a resolução que cria núcleos regionais nos outros campi, além de criação de uma secretaria na Reitoria. “Falta força política, força econômica,  a verba é pouca. Faltam recursos humanos e físicos. As universidades onde a acessibilidade é forte é onde o Núcleo virou secretaria.”, ressalta, dando como exemplo a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“Se me perguntarem se as coisas melhoraram na Ufes, com certeza melhoraram, mas não no tempo e na acessibilidade que a gente precisa. O passivo histórico da universidade é tão grande, que precisa de uma ação papa léguas para colocar no padrão de algumas universidades, como a UFRN”, diz. Ele cita outras instituições de ensino que acredita estarem mais avançadas na questão da acessibilidade, como Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a  Universidade Federal do Paraná (UFPR). “São as mil maravilhas? Não são, mas tem coisas interessantes que a Ufes não chegou lá”, afirma.
Douglas sente a falta de acessibilidade desde que ingressou na Ufes como estudante de História. Ele recorda que, na graduação, relatou para uma professora sua dificuldade de ler os textos e foi surpreendido com a seguinte pergunta: “o que você está fazendo aqui?”. “Nunca deixei de ler os textos, mas quando pedi compreensão, não obtive em nenhum momento”, lamenta. O professor afirma que todas as ações de inclusão possibilitadas não foram institucionais, mas sim, atitudes individuais, como as de uma professora que permitiu que ele fizesse prova oral para não precisar ler as questões nem escrever.
No ensino fundamental e médio a situação não foi diferente. O bullying fez parte do seu cotidiano e a falta de acessibilidade fez com que ele tivesse hérnia de disco. Ele explica que tinha que dobrar o dorso para poder ler e escrever, o que, com o passar do tempo, fez com que desenvolvesse a doença. Segundo Douglas, para um estudante com sua deficiência, era preciso utilizar caneta de ponta porosa e lápis 6B para que a letra não saia muita fina, e prancha de plano inclinado para o livro ficar na diagonal, mas faltava orientações sobre isso e falta de reconhecimento da própria família sobre a questão da deficiência.

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