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Mãe pede apoio da escola sobre tentativa de suicídio do filho por bullying

Sem cuidadores e inclusão pedagógica, crianças com deficiência são invisibilizadas em escolas estaduais

Divulgação/Sedu

Crônica e urgente. Essa é a percepção a que se chega a respeito da pauta da inclusão de estudantes com deficiência no Espírito Santo, com base nos inúmeros relatos de mães com filhos matriculados em escolas da Grande Vitória e do interior do Estado.

Crônica porque, apesar de mais de uma década de legislação nacional e estadual em defesa dos direitos das pessoas com deficiência (PCDs), a implementação segue lenta e os casos surgem, persistem e se repetem nos municípios de todas as regiões capixabas. 

Urgente porque, a cada dia, sem o apoio profissional que lhes é de direito, crianças e adolescentes acumulam o sofrimento da invisibilidade e do preconceito, das violências verbais e bullyings. São cenários tão graves de abandono que a preocupação com o rendimento escolar, sempre muito baixo, costuma ficar em segundo plano. Acúmulo que, muitas vezes, transborda em tragédias, como tentativas de suicídios. 

O atentado contra a própria vida, cometido por uma criança com deficiência, é uma notícia devastadora de relatar e é a segunda que Século Diário registra este ano, a partir das súplicas de famílias integrantes do Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN). A primeira, na Serra, em fevereiro, e desta vez, em Cariacica. 

“Estou cansada, esgotada, vontade de largar tudo. Não adianta, eles sempre tentam colocar a gente como errados e eles como certos”, lamenta a mãe de duas crianças com deficiência em uma escola estadual, após mais uma tentativa de conseguir ajuda por parte da equipe pedagógica. “Sinto frustração. Falei com a pedagoga que estou cansada de ir na escola ter que fica falando, reclamando, ser ‘aquela mãe chata, enjoada’. Eu já tenho depressão, estou acamada, isso está acabando mais ainda com meu emocional”. 

Ela conta que seus dois filhos autistas sofrem violências verbais dentro da escola. A menina, mais expansiva, “aprendeu a se defender”, mas tem se tornado agressiva por ter que, tão repetidamente, responder aos ataques dos colegas, sem qualquer apoio dos servidores. “Ela tem depressão e ansiedade, eu estou ensinando ela a se defender sozinha, mas isso mexe com ela. A coordenadora a pedagoga acham bonito ela se defender. Mas eu acho que não é assim, a escola tem que trabalhar para parar com isso. Professores presenciam e não fazem nada”, conta a mãe. 

Já o menino, mais introspectivo, “engole tudo, aguenta calado”, descreve. Suporta, acentua, até não aguentar mais, como ocorreu no final de abril. “Tem uma menina na sala que vinha fazendo bullying há muito tempo. Nesse dia, foi na hora do recreio ou do banheiro, não sei ao certo, ela disse ‘você não cansa de ser feio, não, menino?’ Meu filho disse que depois que ouviu aquilo, pensou ‘para que eu vou viver se as pessoas só me tratam mal?’ Daí uma outra aluna deu uma tesoura para ele se cortar, e ele começou a passar no pescoço. Como era uma tesoura sem ponta, demorou, mas começou a marcar a pele dele, elas ficaram assustadas e correram para chamar o professor, que tirou a tesoura da mão dele”. 

O relato do filho, explica, só ocorreu após muita insistência, depois que ela havia sido chamada na escola para assinar um relato que a equipe havia recebido do pequeno no dia do ocorrido. A versão do papel, no entanto, dava conta de que o bullying havia acontecido fora da escola, com uma pessoa que não era estudante de lá. “Eu achei esquisito, um monte de coisa ‘não batia’, então apertei ele para saber a verdade. E aí ele disse que ficou com medo de dizer na escola que tinha sido uma aluna da sala dele, ficou com medo de continuar sendo maltratado”. 

A mãe diz que procurou a escola para explicar que o filho tinha mentido no relato assinado e que precisava de ajuda. “A coordenadora que me respondeu, dizendo que iria procurar saber quem era a menina. Mas até hoje não sei o que fizeram. Essa semana disseram que aquilo é passado, que já está resolvido. Resolvido como? Meu filho continua sem querer ir para a escola, não quer ir no AEE [Atendimento Educacional Especializado, oferecido no contraturno]. Como eu estou acamada, ele não quer me contar tudo o que acontece, mas eu percebo que não melhorou nada. Esses dias ele me contou que uma menina chamou ele de burro dentro da sala de aula. Ele chorou, ficou nervoso, começou a dar crise, o professor mandou ele lavar o rosto e mandou a menina para a coordenação. A escola não me falou nada, eu soube por ele”. 

Segundo a mãe, o filho estava tendo acompanhamento em alguns dias da semana com professora de Educação Especial em sala, porque ele não sabe ler, mas, já há algum tempo que não tem mais e, em dias de prova, senta junto de algum colega da sala. “Ele não está tendo mais suporte nenhum, nem de estagiária, nem de professora de Educação Especial; ele tem que se virar sozinho. E sofrendo muito bullying”. 

O pedido de ajuda para os dois filhos está ainda respaldado por um documento assinado por uma neurologista do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), conta a mãe. “A doutora me deu um papel assegurando esse direito deles, de ter estagiário em sala de aula, mesmo o grau de autismo deles sendo leve, mas eles têm outras comorbidades, TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade]. Está bastante complicado, é um desgaste muito grande”. 

A menina também precisa de alimentação especial. “Por ter ficado doente, ela precisou de alimentação especial. Já mandei o laudo do neuro, solicitando essa alimentação, mas a escola não aceitou, disse que tinha que ser do nutricionista. Ela ficou internada no Himaba, passou pela cirurgiã, que deu outro laudo pedindo alimentação especial, mas até agora não foi dada ainda. A gente não tem condições de mandar lanche para ela todos os dias. Manter essa alimentação em casa e na escola não dá. Aqui em casa só meu marido trabalha. Quando ela não tem essa alimentação, ela passa mal, acaba faltando, a escola não aceita as faltas dela sem o laudo médico, mas nem sempre tem como ter atestado toda vez que passa mal”. 

‘Preciso de socorro’

Em Laranjeiras, na Serra, a mãe de um aluno autista também de uma escola estadual conta que seu drama passa pela grave invisibilidade que o filho sofre por parte dos educadores. “Ele tem cuidadora, mas precisa de apoio pedagógico, que os profissionais façam atividades adaptadas para ele, porque não consegue acompanhar a turma. Marco reunião com professor, pedagoga, mas não fazem nada. Falam para eu ter paciência, porque ele está em adaptação, mas isso é todo ano. Essa adaptação será até quando?”, roga.

“Inclusão não é atividade colada no caderno, não é aluno dentro da sala de aula. Inclusão é respeitar as limitações da criança. Onde eu devo ir? Preciso de um socorro. Preciso entender o que acontece na escola, o que está acontecendo com meu filho”. 

A mãe diz que já lhe perguntaram quanto de remédio ela ministra ao filho, porque ele parece dopado, por chegar na escola e querer dormir. “Muito pelo contrário, ele não toma remédio, só melatonina à noite, porque senão ele não dorme. Na escola, ele dorme porque não tem atividade para ele. Se sente perdido dentro da sala, é professor que fala alto, que chama ele de preguiçoso, que dá prova para todo mundo e não dá para ele, e não conversa. Preciso de uma resposta, de um socorro, ele está perdendo o desenvolvimento dentro da escola”. 

Segundo a mãe, o ensino remoto realizado durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, “não valeu de nada para ele, atrasou dois anos [o aprendizado]”. Com a volta do ensino presencial, no entanto, não houve melhorias. “Os professores não sabem lidar com ele. Ele pode estar com dislexia, mas os professores não têm essa percepção, porque ele fica jogado de lado. Tenho tudo registrado, por email, WhatsApp”. 

O início do retorno presencial foi especialmente marcante, conta a mãe. “O que mais cortou meu coração, foi no dia que voltaram as aulas ano passado, em rodízio. Sabe o que aconteceu? A professora estava com dez alunos na sala, metade da turma. Ela aplicou uma prova que o Estado aplica para todas as crianças. Quando ele chegou em casa, a primeira coisa que falou: ‘eu não fiz a prova, todo mundo fez, só eu que não fiz’. Ele ficou naquele dia de 13h às 18h na sala e a professora não teve a decência de conversa com meu filho, de explicar porque ele não iria fazer a prova. Disseram que ele fez depois, na sala de recursos. Mas ali foi uma exclusão. A partir dali, ele percebeu que era totalmente diferente, desestimulou a ir para a escola, agora eu tenho que praticamente obrigar”. 

Os pedidos de ajuda são constantes, ela afirma. “Tenho feito reuniões com a escola direto e só ouço que tenho que ter paciência, porque ele está se adaptando. Eu não acho isso, eu entendo que o problema são os profissionais, que não estão se adaptando. Eu não quero só um cuidador para o meu filho, quero que os professores conheçam o meu filho, saibam quem ele é, o nome, e não ‘aquele aluno com autismo’. Não basta estar matriculada, se a escola não tem uma estrutura para atender, e não é estrutura arquitetônica, é atitude mesmo, empatia. Imagina ir para a escola e o professor não te ver, não te enxergar? É isso o que o meu filho vive todos os dias”. 

Diagnóstico das necessidades

Em nota, a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) informou que, atualmente, existem 807 cuidadores contratados para as escolas da rede estadual. “A orientação é sempre atender à solicitação das escolas, quando as mesmas encaminham para as SREs [Superintendências Regionais de Educação, onze em todo o Estado]. 

Durante o recesso escolar, a Sedu diz que realizou uma nova formação desses profissionais, com foco em “Inclusão Escolar e Diversidade, Atribuições do Cuidador no Espaço Escolar e Noções Básicas para Primeiros Socorros”, para a qual “foram 3,4 mil inscritos, incluindo profissionais da Rede Estadual e Municipal”.

Na última reunião do Coletivo Mães Eficientes Somos Nós com o governador Renato Casagrande (PSB) e os secretários de Estado da Saúde e da Educação, Nésio Fernandes e Vitor de Angelo – a quarta desde o término do #AcampaPalácioAnhieta, quando dezenas de mães se revezaram com seus filhos em um acampamento montado na sede do governo, na Cidade Alta, pleiteando serem ouvidas – realizada no dia 25 de julho, Vitor e a subsecretária de Estado de Educação Básica e Profissional, Andréa Guzzo, anunciaram duas novas medidas em curso: o planejamento para implementação de novas cargas horárias para os professores de Educação Especial, de forma a melhor atender às necessidades dos estudantes com deficiência; e a preparação de um diagnóstico que será feita a partir das matrículas para o ano letivo de 2023. 

“Para além da carga horária ampliada, os professores também irão atender menos alunos. Teremos um professor para três estudantes, um para dois ou um para um, dependendo da necessidade”, disse Andréa. 

O atendimento individual, ressaltou o secretário Vitor de Angelo, poderá ser autorizado mediante laudo médico, conforme seria incluído, segundo informou, numa nova portaria que seria publicada em breve pela Sedu. “Estamos fazendo o cálculo do custo. Nessa portaria vai constar que, mediante laudo médico, pode haver atendimento individual. Laudo médico ou orientação do diretor ou da superintendência”. Na ocasião, o secretário disse ainda que “Venda Nova foi um erro, ele poderia ter tido atendimento individualizado de um cuidador”, referindo-se ao aluno autista que apanhou de outro estudante com uma raquete em uma escola estadual de Venda Nova do Imigrante, na região serrana, no final de maio. 

Sobre o diagnóstico, Vitor de Angelo disse que ele será incluído nas Diretrizes Pedagógicas Norteadoras, que são atualizadas todos os anos nas escolas. “Será responsabilidade da escola fazer esse diagnóstico individual do estudante, sobre suas necessidades especiais. Será um documento detalhado, com retrato fiel, todos os anos, medindo também a evolução do estudante”. 

Um dos objetivos, afirmam os gestores da Sedu, é evitar que a família tenha que solicitar profissionais – cuidadores e professores – ou alimentação especializada. “Às vezes é difícil para a família ter que ir à escola pedir. O documento já vai indicar essas necessidades para a escola, a superintendência e a secretaria”, reforçou Andréa Guzzo. 

“O diagnóstico que será feito a partir de dezembro, no âmbito das Diretrizes pedagógicas norteadoras, vai trazer um perfil completo do estudante, com suas necessidades de cuidador, professor e alimentação, pelo que foi relatado na reunião. No ato da matrícula, a família deve apresentar os documentos do estudante, seguido do diagnóstico de deficiência ou transtorno do espectro autista (TEA). O diretor escolar encaminha para a SRE, que realiza os trâmites de contratação do cuidador para aquele aluno”, explica a Sedu, em nota. 

A coordenadora do Coletivo MESN, Lucia Mara Martins, acredita que o novo diagnóstico será um grande ganho para as famílias de estudantes com deficiência, pois tende a facilitar a contratação dos profissionais e serviços necessários, a partir de um planejamento. “Vai ser muito bom, vai fazer a diferença”, aposta. Até lá, as demandas precisam continuar sendo feitas individualmente. A próxima reunião da série #AcampaPalacioAnchieta está agendada para o dia dois de setembro, às 14h.


‘Estudantes com deficiência estão excluídos do aprendizado’, denuncia mãe

Pedido feito ao MPES cobra da gestão do prefeito de Afonso Cláudio, Luciano Pimenta, cumprimento da legislação de Educação Especial


https://www.seculodiario.com.br/educacao/estudantes-com-deficiencia-estao-excluidas-do-aprendizado-denuncia-mae

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