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‘Destruindo o patrimônio, ficamos um povo sem identidade’

Arquiteto e professor universitário, Genildo Coelho questiona destruição de construções históricas no ES

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“Desmontar uma casa que é patrimônio e remontar em outro lugar não é preservar. É destruir”, considera Genildo Coelho, arquiteto-restaurador e professor da Multivix, repercutindo reportagem publicada no Século Diário sobre empreendimento no Caparaó capixaba.

Ele afirma que identificou esse tipo de prática desde 2004, num levantamento de patrimônio em Santa Teresa, Santa Maria de Jetibá e Santa Leopoldina. Ele cita casos de casarios históricos que são retirados de seus locais de criação e reconstruídos em condomínios fechados da Grande Vitória ou locais como Pedra Azul, em Domingos Martins, na região serrana.

“Imagine se desmontássemos o Coliseu de Roma e o transladássemos para Paris? Ou se transferíssemos nosso Convento da Penha de Vila Velha para Vitória? Temos tecnologia para isso, mas fazendo o translado desses monumentos para outros locais, estaríamos interferindo seriamente na paisagem cultural de onde eles foram retirados para ‘criar’ outra paisagem, uma paisagem artificial e sem alma!”, questiona Genildo, que afirma ter encontrado uma casa pomerana remontada em Pedra Azul, onde não houve colonização desse povo.

Para ele, os imóveis fazem sentido dentro do seu entorno original. Muitas dessas construções históricas, porém, estão em estado de abandono pelo interior do Estado ou mesmo nas grandes urbes, por uma série de questões. Genildo discorda que remontá-las em outro local contribua para a preservação. “O abandono muitas vezes tem a ver com questões como o esvaziamento econômico, as mudanças na matriz econômica. É um processo que acontece em todo mundo”, diz.

Entretanto, o arquiteto considera equivocado “antecipar a morte” de imóveis abandonados. “Se esse bem foi construído por algum motivo e abandonado por algum motivo, tem que ser deixado lá. Talvez esses monumentos caindo aos pedaços possam dizer muito a essa sociedade, gerar uma reflexão sobre o fato que o fez ser abandonado”.

Ele também reclama da ação de antiquários, que compram móveis históricos a preços baixos e revendem, inclusive para fora do Estado, fazendo com que o patrimônio do Espírito Santo vá se perdendo aos poucos.

No caso dos móveis e imóveis, não se refere até agora a bens tombados, cuja destruição ou remoção acarretariam em crime. Mas ele entende a necessidade de que a própria sociedade tome consciência da importância de preservar os patrimônios em seus locais, mesmo que não sejam tombados, já que o Estado não possui estrutura suficiente e não dá conta de ter políticas robustas para preservação.

O papel do Estado

O arquiteto reclama do fato do Espírito Santo não possuir um instituto estadual de patrimônio, que funcione como autarquia, como em muitos estados brasileiros, com autonomia gerencial e financeira. Ele entende que os tombamentos sejam feitos apenas como um recorte, um “mosaico” de tudo que existe, selecionando alguns bens para serem preservados.

“É um processo excludente, ao selecionar alguns, outros são excluídos. Também é um processo que demonstra uma determinada visão da sociedade. No Espírito Santo, por exemplo, se formos ver os bens tombados pelo Estado, a maioria é relacionada ao cristianismo e especialmente à Igreja Católica, as Casas Grades, que mostram também uma visão de classe social que dominou e continua dominando o Estado brasileiro até hoje”.

Porém, mesmo se tratando apenas do patrimônio tombado, ele considera que há pouca estrutura do Estado para a preservação. São poucos técnicos especialistas que fazem visitas regulares, porém espaçadas, aos sítios históricos. “O corpo técnico existente, mesmo que seja qualificado, não dá conta, é humanamente impossível. Não dá para gerir todo patrimônio material desde Vitória”, critica o professor, lembrando que outros estados possuem escritórios locais e funcionários das autarquias em cada local onde há um sítio histórico relevante.

Segundo ele, para além da proteção dos bens tombados, é fundamental também que sejam desenvolvidas políticas públicas de educação patrimonial, justamente para alcançar os proprietário e imóveis que não possuem tombamento, mas que têm grande importância de serem preservados.

“Os gestores públicos não conseguem compreender que o patrimônio pode ser transformado num ativo econômico, como acontece em tantos lugares do Brasil e do mundo. Estamos destruindo nosso patrimônio assim como perdemos a beleza de nossas praias, ao ocupar desordenadamente e destruir paraísos do Espírito Santo. Destruindo o patrimônio, vamos ficando um povo sem identidade, porque o patrimônio é nossa identidade, então se a gente o destrói, não sabe bem quem a gente é”.

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