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Tempos modernos

Discriminação do feio é maior que a descriminação de raças, gêneros e credos

O monstro estica os tentáculos lentamente, seus rugidos atravessando as portas lacradas, as pesadas cortinas cerradas. Não há como fugir ou escapar. As irmãs espreitam pelas frestas das janelas, ainda esperançosas de evitar o inevitável – alguma coisa que aconteça e a obra seja interditada – um terremoto, um acidente, um novo decreto do novo governo. Depois vão para o quarto dos fundos, para onde levaram a televisão e onde os sons e vozes do monstro são menos invasivos. E cochilam vendo filmes em preto e branco do Carlitos.

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O Grande Ditador – Chaplin interpretou um Hitler mais autêntico que o próprio Hitler. Em um tempo em que todos tremiam de medo do monstro alemão, ele fez o mundo todo rir dele. As irmãs riem também – alivia a tensão. São idosas e voltaram a morar juntas quando ficaram viúvas. No tempo em que eram casadas mal se viam – uma não gostava do marido da outra, e vice-versa. Em contrapartida, os dois maridos não gostavam das duas.

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Moram no sétimo andar, mais três de garagem. O monstro anuncia que pretende se esticar por 10 andares – dependendo naturalmente das vendas. Tipo, vão vendendo de baixo para cima – a cada andar vendido, acrescentam mais um. Que filme Chaplin faria em tal situação? Contaminar os trabalhadores com o Covid 22? Eles são jovens, elas são idosas – talvez o tiro saia pela culatra – elas morrem da doença e o monstro continua subindo, subindo…

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Luzes da Cidade – As irmãs choram lágrimas amargas com o drama da linda ceguinha – se fosse feia teria filme? A discriminação do feio é maior que a descriminação de raças, gêneros e credos. Já diz o ditado, quem ama o feio bonito lhe parece – por que não amar o feio sem parecer bonito? Enquanto isso, o feio monstro se estica lá fora. Por causa dele, vão perder a vista do lago rodeado de árvores frondosas abafando o trânsito. Moravam no paraíso, até o monstro se instalar no terreno em frente.

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Tempos Modernos – Somos todos máquinas movidas pelo monstro do progresso. Vivemos empilhados, feito pacotes nas prateleiras dos supermercados, sem direito à privacidade ou uma nesga de sol – unidos desapareceremos. Uma vista para um lago azul, é pedir demais? A cidade não tem espaço para os sonhadores: terrenos vazios são obstáculos aos avanços da modernidade. Onde vão morar os que vão morar nesse novo prédio? Subam mais um andar que esses já estão vendidos.

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Entre um filme e outro, as irmãs ouvem retalhos do noticiário local – Só tem má notícia, desliga, Eulália. Um cara na tela acusa as autoridades de disseminar fake news em benefício próprio e detrimento do próximo. Pera aí, não muda de canal. Que história é essa? Vestidas de verde e amarelo, as irmãs saem pela rua distribuindo panfletos: Cimento de péssima qualidade usado nas obras do novo Edifício Lago Azul.

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