sábado, novembro 23, 2024
23.9 C
Vitória
sábado, novembro 23, 2024
sábado, novembro 23, 2024

Leia Também:

​Sanção de política indigenista será comemorada em aldeia nesta sexta-feira

Aberta ao público, evento será em Caieiras Velha, com a presença de indígenas e autoridades políticas 

Esta sexta-feira (12) será de comemoração na aldeia indígena Caieiras Velha, em Aracruz, norte do Espírito Santo. A partir das 19h, terá início a sanção simbólica da Lei Municipal nº 4.506/2022, que estabelece, de forma pioneira, uma Política Indigenista na cidade. Oriunda do Projeto de Lei nº 5/2022, de autoria da Comissão Especial de Política Municipal Indigenista, presidida pelo ex-cacique Vilson Jaguareté (PT), a iniciativa foi sancionada em 4 de agosto, último dia do prazo regimental.

A lei cria a Política de Reconhecimento, Valorização e Prestação de Serviços Públicos Municipais adequados aos Povos e Populações Indígenas, além de um Sistema Municipal de Proteção aos Povos Indígenas de Aracruz, definindo, ainda, o Plano Diretor Municipal (PDM) e zonas de amortecimentos no entorno das Terras Indígenas (TIs). 

Leonardo Sá

A comemoração seria na Câmara de Aracruz, em sessão solene nesta terça-feira (9), data em que se comemora o Dia Internacional dos Povos Indígenas, entretanto, afirma Jaguareté, como os indígenas queriam muito participar, foi necessário mudar de data e fazer na aldeia, para facilitar a logística.
Aberta ao público, a comemoração contará com autoridades indígenas, como a comissão de caciques, e também políticas, como o prefeito, Dr. Coutinho (Cidadania); o vice-prefeito, Beto Vieira (PP); a deputada estadual Iriny Lopes (PT) e o deputado federal Helder Salomão (PT). “É um momento que, para nós, indígenas, é um marco. O pleito sempre foi feito em várias gestões, mas nunca nenhum vereador e prefeito tiveram iniciativa de levar adiante”, diz Jaguareté. Além dele, compõem a Comissão Especial os vereadores Etienne Coutinho Musso (Cidadania) e Léo Pereira (União),
O ex-cacique afirma que o município nunca debateu questões indígenas, alegando que se trata de uma prerrogativa federal. O próximo passo, afirma, é buscar a aprovação de um projeto semelhante na Assembleia Legislativa e “fazer a lei sair do papel”.
A criação de uma lei específica é um marco na história de lutas e resistência dos povos indígenas do Brasil e especialmente das populações Tupinikim e Guarani de Aracruz. Na década de 1960, estas populações tiveram seus territórios ameaçados e reduzidos quando o Governo do Espírito Santo doou terras devolutas para o plantio de eucalipto para a produção de celulose. Grande parte das terras doadas estava situada dentro do território indígena. Foram anos de lutas e demandas judiciais contra a atual Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), até que o território indígena fosse oficialmente delimitado, o que ocorreu na primeira década dos anos 2000, por decreto presidencial.

Áreas prioritárias

Em suas quase 30 páginas, a Política Indigenista propõe oito eixos de atuação: Educação Escolar Indígena; Saúde; Infraestrutura Comunitária e Saneamento Básico; Meio Ambiente; Etnodesenvolvimento; História, Cultura e Cidadania; Segurança Pública; Lazer e Desporto; cada um deles composto por ações específicas, “a fim de assegurar, apoiar e complementar as políticas federais de atenção aos povos tradicionais”.

Um dos maios extensos é o ambiental, fazendo jus à relevância dos povos indígenas – não só de Aracruz mas de todo o Brasil e o mundo – para a conservação da natureza e provisão de recursos ecossistêmicos usufruídos por toda a sociedade. Aliás, esse reconhecimento é um dos tópicos do eixo ambiental.

Outro ponto é o que estabelece a definição, no PDM, de zonas de amortecimentos no entorno das Terras Indígenas (TIs). Nessas zonas, as atividades humanas estarão sujeitas a “normas e restrições específicas, a fim de preservar os direitos das populações indígenas afetadas por projetos, obras e empreendimentos inseridos nos limites daquelas zonas, ou fora delas, quando ocasionam impactos socioambientais sobre as comunidades indígenas”.
Complementar a ele, está o que insere o Estudo de Componente Indígena e a “consulta livre, prévia e informada à comunidade indígena”, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como dois “pressupostos para os licenciamentos municipais de projetos, obras e empreendimentos localizados nas zonas de amortecimento do entorno das Terras Indígenas ou que nelas possam ocasionar impactos socioambientais”.
Duas medidas essenciais para garantir a proteção das TIs, já muito impactadas por mais de uma dezena de empreendimentos, ligados principalmente à celulose, petróleo e portos. Recentemente, a gestão do prefeito Dr. Coutinho (Cidadania) encaminhou um PL para alterar o PDM, de forma a incluir a “Macrozona de Desenvolvimento Econômica e Socioambiental”, área estratégica do município, instituída pela Lei 4.317/2020, que rodeia o norte e sudoeste das terras indígenas de Aracruz.
Ainda na temática ambiental, consta a “conservação e recuperação da agrobiodiversidade e dos recursos naturais essenciais à segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas, com vista a valorizar e preservar os grãos e os cultivos tradicionais”, numa clara menção à necessidade de proteger a cultura alimentar tradicional, ameaçada pela invasão de itens exóticos à cultura ancestral e impregnados por agrotóxicos e variedades transgênicas.
No eixo Educação, destacam-se ações como “inserção de conteúdo no currículo comum das escolas municipais que reflitam as cosmovisões, histórias, línguas, conhecimentos, valores, culturas, práticas e a forma de vida dos povos e populações indígenas, promovendo o intercâmbio de experiências entre as escolas indígenas e não indígenas” e “criação de cargos específicos de professor indígena na carreira de magistério, valendo-se do notório saber para o atendimento da educação escolar indígena quanto a Língua, a História e Cultura e o Território, dentre outros requisitos para investidura”, no campo da Educação.
Entre as diversas ações ligadas à saúde, estão a criação do “Certificado Hospital Amigo do Índio” e a “implementação de estratégias de acolhimento diferenciado nos estabelecimentos integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS), objetivando o recebimento de recursos oriundos do Incentivo para Atenção Especializada aos Povos Indígenas (IAEPI)”.
Nos demais eixos temáticos, incluem-se “estruturação dos Planos de Visitação nas aldeias (Etnodesenvolvimento); “ações que fortaleçam o protagonismo das mulheres indígenas, combatendo a discriminação e a violência, e promovendo seu desenvolvimento econômico e a preservação da sua saúde (História, Cultura e Cidadania, o mais extenso); “integração do Sistema de Segurança Pública ao interior das Terras Indígenas para a prevenção de ilícitos (Segurança Pública); “incentivo à prática de esportes, especialmente dos jogos tradicionais indígenas” (Lazer e Desporto).
Todas as ações previstas para serem implementadas, a curto, médio e longo prazo, por meio do Plano Municipal de Execução da Política Indigenista de Aracruz (PMEPIA), deverão seguir parâmetros ambientais, econômicos, regionais, temáticos, étnico-sócio-culturais a serem estabelecidos por meio de uma comissão formada equitativamente por representantes de órgãos governamentais e dos povos indígenas envolvidos.

Mais Lidas