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Representante da ONU é impedida de entrar em abrigo onde estão venezuelanos

Funcionários da Prefeitura de Vitória alegaram que Brunela Vincenzi tem que pedir “autorização formal”

Lidia Neves/Ufes

A representante da Organização das Nações Unidas (ONU) no Espírito Santo para a questão dos refugiados, professora e presidente do Conselho de Direitos Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brunela Vincenzi, foi impedida de entrar na Unidade de Inclusão Produtiva de São Pedro, conhecida popularmente como Casa Azul, em Vitória. Para esse local foram levados os 25 venezuelanos que estavam no Centro Pop, onde se abrigaram temporariamente após serem deixados na rodoviária pela Prefeitura de Teixeira de Freitas (Bahia).

Brunela queria entrar para ver as condições do espaço, mas foi informada por funcionários da gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos), que ela deveria pedir uma solicitação por meio de ofício. “É uma medida que contraria toda a legislação que existe. Temos direito de acompanhar como representante da ONU e como Conselho de Direitos humanos”, denuncia, destacando que o Espírito Santo conta com a Lei nº 11.420, que institui a Política Estadual para a População Migrante, sancionada em 2021. Essa política, explica, estabelece que os migrantes devem ter acesso a todos bens públicos que o cidadão brasileiro tem.

Os Warao foram levados para a Casa Azul na noite dessa quarta-feira (17), sem que ninguém soubesse. “Esse tipo de manobra parece tentativa de esconder algo, causa suspeita de algo errado. Se a prefeitura, como tem se pronunciado, quer ajudar, agir de forma proativa, com uma atitude dessa, parece que está fazendo algo errado”, denuncia Brunela.
Brunela informa que a ONU tem um grupo de antropólogos que estudam a etnia Warao, a qual os venezuelanos que chegaram a Vitória pertencem. “A gente sabe como se comportam, o que precisam comer, como é a estrutura familiar, tudo isso podemos repassar para a Secretaria de Assistência Social. A gente quer fazer um treinamento com os funcionários, propomos isso, mas a prefeitura ainda não respondeu”, diz.
A representante da ONU disse ainda que lideranças comunitárias já informaram que o local não é apropriado, é quente, tem apenas um chuveiro externo, e que os Warao já demonstraram a necessidade de doações de frutas, roupas para uma criança recém-nascida de nove dias e frango assado. Quando estavam no Centro Pop, eles reclamaram que estavam dando para eles pão com mortadela, apesar não comerem carne vermelha em sua cultura, fazendo com que, principalmente as crianças, passassem mal.
Vanessa Darmani

 A gestão municipal deveria encaminhar, segundo ela, assistentes sociais para verificar se os Warao têm documentação e cadastro no CadÚnico. Se tiverem o cadastro, verificar em qual estado e transferir para a unidade do Centro de Referência e Assistência Social (Cras) mais próxima. Além disso, averiguar se eles têm direito ao Auxílio Brasil, se têm filhos, e quantos, pois o valor varia.

Também precisa escolarizar as crianças e colocar na creche as que não estão em idade escolar. É necessário, ainda, providenciar alguém que tenha conhecimento da língua Warao ou de espanhol para fazer a intermediação das crianças no ambiente escolar. Brunela acrescenta que, como o trajeto até Vitória pode ter sido traumático, a prefeitura também tem que disponibilizar psicólogos para as crianças.

‘Bem assistidos’

Na tarde dessa quinta-feira (18), a Prefeitura de Vitória realizou uma coletiva de imprensa da qual participaram a secretária municipal de Assistência Social, Cintya Silva Schulz; e a subsecretária de Atenção à Saúde, Fabrícia Forza. A gestora da pasta de Assistência Social afirmou que o local “atende bem, traz conforto”, tem a parte de higienização, banheiros, copa e área, e que “estão bem assistidos em termos de alimentação neste momento”.

Apesar disso, a gestão informou que está em busca de um abrigo provisório. Quanto à possibilidade de chegada de mais refugiados nesta sexta-feira (19), a secretária afirma que a Prefeitura de Vitória “não foi contatada por nenhum órgão competente a respeito do assunto”. Ela também afirmou acreditar que nenhum município brasileiro está preparado para receber a quantidade de pessoas que Vitória recebeu agora, “ainda mais com uma cultura tão diferente e com a dificuldade de linguagem”. Disse também que não é preciso fazer doações, pois os Warao não têm a necessidade de roupas, brinquedos e calçados “que nós temos, pois não acumulam nada”.

Sobre o treinamento oferecido pela ONU à prefeitura, Cintya disse que “toda capacitação é bem-vinda, mas não existe equipe específica”. De acordo com ela, estão sendo feitos remanejamentos para as pessoas serem assistidas e “as equipes têm dobrado seus serviços”, não sendo possível fazer neste momento o treinamento. Em relação à entrada de representantes da ONU na Casa Azul para inspecionar, a gestora ratificou que é preciso fazer um pedido formal.

Entretanto, o advogado e militante dos direitos humanos, André Moreira, afirma que o artigo 5º da Constituição Federal estabelece que refugiados devem ser tratados como estrangeiros, cabendo a eles todos direitos previsto na Carta Magna, como os de reunião e associação. Portanto, não deveria ser negada a entrada dos representantes da ONU para dialogar com eles sobre a realidade na qual estão vivendo. “Eles não podem ser tratados como presos”, ressalta.

André menciona ainda a Lei nº 9474, destacando o artigo nº 48, que diz que “os preceitos desta lei deverão ser interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com todo dispositivo pertinente de instrumento internacional de proteção de direitos humanos com o qual o Governo brasileiro estiver comprometido”, que contemplam, entre os direitos previstos, os de reunião e associação.

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