Ontem comi salsichas, hoje como salmão
* Outra vez eleições, os mesmos discursos, as mesmas promessas, como a reprise de um filme visto muitas vezes. O eleitor, esse incógnito sem rosto e sem vontade própria, cumpre seu dever cívico e vai às urnas. Esperando que, do outro lado da linha, o político eleito cumpra as promessas feitas durante sua campanha. E viva a democracia!
* Os gregos são responsáveis por esse estado de direito chamado democracia – demos: povo + kracia: governo. Unidos e irmanados, um por todos, todos por todos. O conceito surgiu em Atenas e se espalhou pelo mundo, embora deturpado aqui ou ali. O governo existe para o bem do povo, e não para o bem do político. No palanque todos são santos.
* Maria Malva era professora de história da antiguidade clássica e por causa de sua paixão pelos gregos decidiu melhorar a imagem dos políticos, entrando para a política. Vereadora, para começar, que os modestos estão na base na pirâmide social. Com muito esforço e ficha limpa chegou a deputada estadual e deparou com um impasse – casar com um executivo importante ou se candidatar a deputada federal. Por que não as duas coisas?
* Se ganhasse, o parceiro deveria abrir mão das vantagens obtidas em conluios e acordos escusos. O executivo era desonesto e para variar, Maria era honesta. O amor tudo pode, diz o ditado, mas as tentações espreitam a cada curva do caminho. Você não precisa desse cargo, diz o noivo. Como minha esposa, terá carta branca para criar uma organização de ajuda aos pobres. O que você quiser, quanto quiser. Será mais útil ao país.
* Mas estarei indo contra meus princípios morais, diz ela. Sempre fui um exemplo de lisura nos meus mandatos. Por que você não muda de time e vira honesto? O executivo gargalha. Tenho cinco mil funcionários, portanto sustento cinco mil famílias, sem contar fornecedores e clientes. Pago fortunas de impostos. Perco tudo isso sem a ajuda dos conchavos políticos. Ajudo mais o país sendo desonesto, querida.
* Maria acha que algo está errado nos cálculos do noivo, mas o amor grita mais alto. Ontem comi salsichas, hoje como salmão, diz ela aos seus diamantes ao assumir uma poltrona no vetusto Senado federal: sangue novo, novas ideias, novos ideais. Sorrindo, a ex-professora manda os gregos e a democracia para as calendas gregas.