Comunidades perderam suas águas, pesca e agricultura e tiveram auxílio emergencial cortado
As comunidades indígenas de Comboios e Córrego do Ouro, em Aracruz, norte do Estado, fecharam a ferrovia da Vale em um dos trechos que cortam as aldeias, na noite desta quinta-feira (1°), em protesto contra o não cumprimento do acordo firmado com a Fundação Renova há quase um ano, no âmbito das medidas de compensação e reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em Mariana/MG, em novembro de 2015.
A decisão pelo manifesto radical foi tomada em assembleia realizada horas antes, que contou com a presença de representantes da Fundação Renova e da Fundação Nacional do Índio (Funai), tanto em âmbito local quanto regional e federal, estes dos últimos, de forma remota.
Na pauta, o retorno do pagamento do Apoio de Subsistência Emergencial (ASE) – equivalente indígena ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) das demais comunidades atingidas no Espírito Santo e Minas Gerais – do programa de retomada econômica e do lucro-cessante.
“Tivemos reunião presencial com o Conselho Nacional de Justiça [CNJ, que conduz o processo de repactuação entre governos e mineradoras], com o Ministério Público Federal [MPF] e com a Defensoria Pública. Eles disseram que assim que saísse a decisão da desembargadora Daniele Maranhão [que já determinou o retorno do AFE a pescadores e agricultores de subsistência], a gente teria direito também ao retorno do pagamento do auxílio”, relata o Cacique Toninho, de Comboios.
A sentença da desembargadora federal foi publicada no final de junho, mas a Renova continua negando retomar os pagamentos. “Ela diz que só vai pagar o programa de retomada, mas também só depois que concluir o PBAI”, conta o cacique, referindo-se ao Plano Básico Ambiental Indígena, que apontará as ações reestruturantes que precisam ser implementadas nas aldeias, em âmbito social, ambiental, cultural e econômico. O PBAI é um dos pontos do acordo firmado há um ano, mas ainda está longe de ser concluído.
“É um estudo de longo prazo. Vai demorar ainda. A primeira consultoria contratada para fazer o PBAI foi a MPB Engenharia. Quando começamos a trabalhar no detalhamento das ações, a Renova retirou a empresa, sem fazer nenhuma consulta prévia às comunidades, e colocou a HIP, recomeçando um novo detalhamento. Hoje nós voltamos a dizer que o programa de retomada deve ser feito independentemente do PBAI, mas a Renova não aceita”.
O único tópico do acordo que foi cumprido até agora é o pagamento das indenizações às famílias, informa Toninho, porém também de forma insuficiente. “As indenizações não foram de acordo com a realidade das comunidades. As lideranças foram coagidas a aceitar”, afirma, retomando posição já denunciada pelas lideranças nos meses de março e abril em manifestações públicas na Assembleia Legislativa e nas ruas da capital.
Uma proposta de revisão do acordo indenizatório foi levada à Câmara Técnica Indígena e outros Povos Tradicionais (CTIPCT) do Comitê Interfederativo (CIF), mas ainda sem qualquer resposta. “Fomos lesados e coagidos a assinar. Tem que reconstruir o acordo”, reafirma.
O cacique conta que as comunidades indígenas decidiram, em assembleia, que, caso a Renova persistisse sem atender às demandas, que não haveria mais tratativas com ela e sim com suas mantenedoras, as mineradoras Samarco, Vale e BHP Biliton. “Enviamos ofício para as três e todas retornaram dizendo que não têm nenhum compromisso com as comunidades indígenas, e sim a Renova. Disseram isso esta semana, por isso nós fizemos a reunião de hoje”, relata.
Toninho reforça a situação de vulnerabilidade dos indígenas: sem pesca, agricultura e auxílio, com indenizações precárias, sem programa de retomada, e com um PBAI ainda sem prazo de conclusão. Sequer o plano de contingência, referente ao abastecimento de água, foi feito.
O compromisso é com a construção de um reservatório de abastecimento de água, para substituir as entregas de galões de água mineral pela Renova e prover uma água de melhor qualidade, já que as famílias complementam os galões captando água em poços individuais, que não passaram pela devida análise, para garantir que não há contaminação pelos metais pesados dos rejeitos de mineração.
Antes do crime da Samarco/Vale-BHP, Comboios era abastecida com água encanada vinda de um poço artesiano dentro da comunidade, e Córrego do Ouro, parte com água encanada vinda do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Aracruz, e a partir de água captada no rio Riacho, em Barra do Riacho, e parte com carros-pipa.
Após o crime, o cacique explica que as águas dos rios Comboios e Riacho foram contaminadas pelo Rio Doce, devido a ligação feita pelo Canal Caboclo Bernardo, construído há mais de trinta anos pela então Aracruz Celulose (hoje Suzano e ex-Fibria) para abastecer sua fábrica de celulose em Barra do Riacho.
“A gente fala aqui, que as crianças que nasceram a partir de dezembro de 2015, não sabem o que é pesca, coisa que nós tínhamos no passado. Até a agricultura ficou prejudicada, porque não pode fazer irrigação, a gente não tem certeza se a água não vai contaminar as plantações”, conta Toninho.
A condição para desocupar os trilhos é receber uma equipe da Vale, Samarco ou BHP para dialogar. “Já enviamos ofício para a Vale. Disseram que está rodando na diretoria da empresa e que vão nos dar uma resposta. A Polícia já está aqui. Mas nós estamos num protesto pacífico, num rodízio de pessoas para ocupar o trilho. Já tem vagão parado, é prejuízo para as empresas. Mas a gente só sai quando formos atendidos nas nossas reivindicações”.