Barcos entram com dificuldade na foz do rio Riacho. Empresa desvia milhões de litros de água para sua fábrica
A acentuada estiagem deste inverno de 2022 tem mostrado de forma mais explícita a forma como a Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) se apropria da água no norte do Espírito Santo e impõe dificuldades e limitações a comunidades tradicionais e socialmente vulneráveis.
Uma cena registrada nesse domingo (4) na foz do rio Riacho, em Barra do Riacho, Aracruz, tradicional vila pesqueira, mostra um barco de pesca artesanal numa operação arriscada, tendo que entrar no rio de ré, devido ao estreitamento da foz e falta de espaço para manobrar. O barco estava no mar, mas com a entrada da frente fria e vento sul, precisou se abrigar no rio. O que deveria ser algo simples, porém, é constantemente quase inviabilizado devido às condições do local.
“A maré estava morta e a boca da barra, que muda sempre com a natureza, num ponto muito perigoso. Ele [o dono do barco] preferiu entrar de ré mesmo, ao invés de deixar o barco no mar. Mas toda vez que acontece esse tipo de manobra, o risco de acidente é muito grande. A ré tem muita força, vai cavando, não é bom fazer, tem risco de prejuízo para o barco e de machucar alguém”, relata o pescador Alexandre Barbosa, membro das Associações de Pescadores e de Moradores de Barra do Riacho.
O caso chamou atenção dos pescadores e moradores locais e se soma aos inúmeros eventos semelhantes ocorridos nas últimas duas décadas, desde quando a então Aracruz Celulose construiu o Canal Caboclo Bernardo, em 1999, desviando água do Rio Doce para o Rio Riacho, e dele para uma represa que abastece suas fábricas de celulose em Aracruz.
“Com as bombas da represa, ela [Suzano] faz o rio subir!”, ressalta Alexandre. E quando há estiagem e mais de duas comportas são fechadas para não baixar o nível da represa e ameaçar a produção nas fábricas, a vasão do rio Riacho diminui muito, a ponto de fechar a bocar da barra, impedindo a entrada e saída dos barcos e piorando a qualidade da água captada para abastecimento de Barra do Riacho e também das comunidades indígenas de Comboios e Córrego do Ouro.
Em junho passado, os pescadores realizaram protestos e assembleia exigindo medidas do poder público e da empresa para abrir a foz do rio. Conseguiram o envio de máquinas para o serviço, uma medida apenas emergencial e paliativa. “Na realidade, esse sistema de abrir a boca da barra com maquina só ameniza, mas o serviço certo seria fazer como em Jacaraípe, um píer com deslocamento de pedra”, sublinha o pescador, mencionando ainda a necessidade de medidas ainda mais eficazes, que deveriam ser discutidas no âmbito do licenciamento ambiental das fábricas da Suzano.
“As condicionantes já têm mais de quinze anos, não condizem com a realidade de hoje da população que precisa desse rio”, afirma. Por ocasião dos protestos, a Defensoria Pública se comprometeu a fazer um diagnóstico do caso, do ponto de vista jurídico, social, econômico e ambiental.
Os pescadores artesanais de Barra do Riacho também apoiam a mobilização dos Tupinikim, que reivindicam revisão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) referente ao canal Caboclo Bernardo, de forma que contemple os prejuízos que a obra causa às comunidades indígenas.
A pauta sobreveio em meio à ocupação da ferrovia da Vale, iniciada na última quinta-feira (1), para exigir diálogo diretamente com as três mineradoras responsáveis pelo crime da Samarco/Vale-BHP no Rio Doce e a revisão do acordo feito com a Fundação Renova há um ano, referente a medidas de compensação e reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem. “Nós, pescadores, estamos junto com os indígenas. O Cacique Romildo, da aldeia Pau Brasil, veio oferecer apoio à nossa luta e buscar apoio da nossa parte também”, conta Alexandre.
Em 2015, a estimativa era de que o consumo diário de água para produção de celulose da então Fibria era de 248 mil metros cúbicos, suficiente para abastecer uma cidade de 2,5 milhões de habitantes, equivalente à população da Grande Vitória. Segundo pesquisadores da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) na época, se a água utilizada pela empresa fosse captada, tratada e distribuída pela Companhia Estadual de Saneamento (Cesan), a conta se aproximaria de R$ 16 milhões mensais, sem considerar o consumo de outras unidades e suas expansões no País.