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Enfermagem paralisa o trânsito em ato contra suspensão do piso

Manifestantes atravessaram a Terceira Ponte nesta segunda-feira, nos dois sentidos

Leonardo Sá

A Enfermagem trocou o tradicional jaleco branco pelas roupas pretas, como forma de expressar seu luto em decorrência da suspensão do piso da categoria, anunciada nesse domingo (4) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso. Concentrados na Praça do Papa, no final da tarde desta segunda-feira (5) os trabalhadores seguiram rumo à Terceira Ponte e não se contentaram em protestar na praça do pedágio, seguindo a pé e gritando palavras de ordem rumo a Vila Velha.

Sem nenhuma aparência de cansaço, ao chegarem em Vila Velha os manifestantes decidiram voltar a pé no sentido Vitória, interditando por completo a ponte e sendo questionados por policiais militares, que tentavam impedir, com base no diálogo, o retorno a pé para a Capital, e diziam que os manifestantes “não sabem respeitar autoridade”. Em uma manifestação popular com uma potência há tempos não vista no Espírito Santo, a categoria conseguiu parar o trânsito nos principais municípios da Grande Vitória.

Leonardo Sá

O protesto desta segunda superou, inclusive, em termos de quantidade de pessoas e de impacto no meio urbano, as manifestações em prol da conquista do piso. O que se viu foram trabalhadores indignados com a possibilidade da perda de uma conquista que parecia já estar consolidada, prestes a ser efetivada, e que é fruto de uma luta histórica da categoria. Isso fica expresso não somente na força da manifestação, mas também nas palavras de trabalhadores, como a técnica em enfermagem Luciana Carvalho de Oliveira. “Tenho 26 anos de profissão e estou aqui em busca de reconhecimento e valorização. O que aconteceu foi que quando a esperança bateu na porta, quando pareceu que íamos conquistar nosso direito, a gente recebeu essa rasteira, esse ato covarde”, diz.

Carregando correntes para simbolizar a escravidão, a técnica de enfermagem Raquel Lacerda afirma que a categoria se sente tratada como “lixo”, apesar de os trabalhadores terem arriscado suas vidas durante a pandemia.

Leonardo Sá

A manifestação foi organizada pela categoria de forma independente e os trabalhadores não descartam a possibilidade de realizar mais protestos, como piquetes na porta dos hospitais privados, uma vez que atribuem à rede privada de saúde toda a movimentação contrária ao piso da Enfermagem, e não aos entes federados.

A decisão de Barroso é proveniente de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que questionou a constitucionalidade da Lei 14.434/2022, que estabelece o piso. O ministro deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.

Também nesta segunda-feira, o Sindicato dos Enfermeiros do Espírito Santo (Sindienfermeiros) participou da reunião da Federação Nacional dos Enfermeiros, na qual foi traçada agenda de mobilização em defesa do piso. A presidente da entidade sindical, Valeska Fernandes, informa que nesta sexta-feira (9) haverá manifestação em todos os estados. A escolha da data foi porque nesse dia terá início o julgamento da decisão de Barroso. A sessão será no plenário virtual e deve durar até 16 de setembro.
Leonardo Sá

A Federação também irá ingressar no STF com pedido de amicus curiae, para que possa ser ouvida. A categoria não descarta possibilidade de paralisações enquanto durar o julgamento. Valeska afirma que a decisão de Barroso foi uma surpresa para a categoria, mas, “juntando as peças”, conclui que o empresariado já estava ciente de que o posicionamento seria esse. Isso porque, a rede privada de saúde deixava claro que pagaria o piso somente após manifestação do STF, dizendo, inclusive, que estava disposta a pagar multa. “Para mim, essa fala mostra que sabiam que a decisão seria favorável”, acrescenta.

A sindicalista relata ainda que o piso tem sido usado como desculpa para demissão em massa. Antes da promulgação da lei, aumentou o número de auxiliares e técnicos demitidos, entretanto, a entidade ainda não contabilizou a quantidade de trabalhadores dispensados. Essas demissões, aponta, não são de fato motivadas pelo piso, mas sim pela crise nos planos de saúde.

A dirigente sindical afirma que, com a pandemia, que agravou a crise econômica, muita gente não tem mais condições de pagar plano de saúde. Ela relata que isso, inclusive, é um dos argumentos do empresariado durante as negociações da Convenção Coletiva quando o assunto é reajuste salarial. Quanto ao impacto financeiro da implementação do piso, Valeska afirma que houve um estudo “robusto” do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apontando que seria de 12% a 13% nas redes privada e filantrópica e de 2% nos entes federados.
Leonardo Sá

“A rede privada teve mais de um ano para se preparar, mas contou com a não aprovação do piso e depois com a Adin, que já estava programada para ser feita por eles. O piso é uma vitória legítima da categoria. Não tem que ser retirado. Sendo legítimo, o empregador tem que pagar, tem que se organizar para isso. Como todo bom empresário, tem que ter um caixa”, defende.

A Lei 14.434/2022, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT), estabeleceu piso salarial de R$ 4,75 mil para os enfermeiros; 70% deste total – R$ 3,2 mil – para técnicos de Enfermagem, e 50% – R$ 2,7 mil – para auxiliares e parteiras. Pelo texto, o piso nacional vale para contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e servidores das três esferas – União, Estados e Municípios -, inclusive autarquias e fundações.

Com a suspensão do piso, serão intimados a prestar informações no prazo de 60 dias sobre o impacto financeiro da norma, os 26 estados e o Distrito Federal, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e o Ministério da Economia. Já o Ministério do Trabalho e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) terão que informar detalhadamente sobre os riscos de demissões. Por fim, o Ministério da Saúde, conselhos da área da saúde e a Federação Brasileira de Hospitais (FBH) precisarão esclarecer sobre o alegado risco de fechamento de leitos e redução nos quadros de enfermeiros e técnicos.
Leonardo Sá

O Senado, a pedido do STF, já se posicionou sobre o assunto, pela constitucionalidade do piso. Também tiveram o mesmo posicionamento a Câmara dos Deputados e a Advocacia Geral da União (AGU). Nesta segunda-feira, Contarato afirmou em suas redes sociais que conversou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre as articulações para reverter a suspensão. De acordo com ele, Pacheco, representando os senadores, se reunirá nesta terça-feira (6) com o ministro Barroso “para tratar de soluções que viabilizem o pagamento do piso salarial”.

O parlamentar disse ainda ter “confiança de que a suspensão será revista. Temos lastro jurídico para esta conquista histórica”. Quando a Adin foi ingressada no STF, Contarato protocolou ofício solicitando a concessão de uma audiência pública. O parlamentar, por meio do documento, endereçado ao ministro Barroso, também se colocou à disposição para fazer a defesa da matéria no momento do julgamento. No ofício, Contarato destacou “a deliberação do projeto incluiu debates, discussões e processos de construção de acordos políticos, que ocorreram em ambas as Casas do Congresso Nacional, obedecidas as regras definidas e expressas na Constituição e nos seus Regimentos Internos”.

Na sessão desta segunda-feira, na Assembleia Legislativa, a deputada Janete de Sá (PSB), que é enfermeira de formação, criticou decisão do ministro do STF. “O ministro, que é vice-presidente do STF, atendeu uma liminar da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços, em pleno domingo, para não dar tempo para as entidades que representam a enfermagem entrarem com mandado de segurança para tentar derrubar a liminar. Foi um ato covarde que interferiu em outros poderes. Antes da lei ser sancionada, foram levantados os impactos que ela iria provocar. A população tem que se insurgir contra isso e apoiar a categoria que trabalha incessantemente para salvar vidas, principalmente durante a pandemia da Covid, e agora leva uma bofetada como essa de um ministro do STF”, declarou. 


Ministro do Supremo Tribunal Federal suspende piso da Enfermagem

Decisão de Luis Roberto Barroso é proveniente de uma Adin movida pela CNSaúde, entidade do setor patronal


https://www.seculodiario.com.br/saude/supremo-tribunal-federal-suspende-piso-da-enfermagem

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