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Eco101 é condenada a pagar indenização de R$ 2 milhões por atraso em obras

Justiça Federal também considerou demora na entrega dos estudos ambientais requeridos desse 2014 pelo Ibama

Reprodução Parques do Brasil

A Justiça Federal condenou a concessionária Eco101 a pagar uma indenização no valor de R$ 2 milhões a título de dano moral coletivo, em função dos atrasos nas obras de duplicação da BR-101 no Espírito Santo, objeto do contrato de concessão firmado em abril de 2013 com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). 

A sentença atende a parte dos pedidos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) na ação civil pública nº 0022716-65.2017.4.02.5001/ES e define que o valor deve ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. “A transferência da indenização aos usuários por meio de descontos pode ser medida pouca eficaz, ante a notícia de que a Eco101 quer desistir da aludida concessão“, afirma o juiz federal Fernando Cesar Baptista de Mattos, ao justificar sua mudança na destinação dos recursos da indenização, em relação ao que foi inicialmente pedido pelo MPF. 

Em seu despacho, o magistrado determina ainda que a Eco101 e ANTT adotem critérios que façam o preço do pedágio corresponder à evolução das obras realizadas em estado atual, sendo vedada a sua diluição pelo tempo de contrato, e que os valores cobrados a mais pela empresa durante os anos de contrato deverão ser descontados no próximo cálculo tarifário. 

“O documento pontua que completada quase uma década da concessão da BR-101 no Espírito Santo, a empresa, em seu próprio site, informa que entregou somente 45,7 km de vias duplicadas, quando o cronograma previa que 385,9 dos 475,9 quilômetros de vias estariam duplicados no período. Desse modo, nos mais de 300 km de obras que deveriam ser entregues, contabilizou mais acidentes de trânsitos, um maior número de vítimas fatais, e um trânsito mais inseguro”, ressalta o MPF.

Negligência ambiental

Contestando uma das principais alegações da concessionária, de que parte dos atrasos foi provocada pela demora do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o juiz destaca documentos em que o órgão ambiental relata a insistente postura da empresa em negar os estudos solicitados desde 2014 e, por isso, “houve a necessidade de diversas complementações cuja celeridade para apresentação das informações necessárias é de responsabilidade do empreendedor” – argumentos já publicados com exclusividade por Século Diário em diversas ocasiões, tendo sido atribuída à empresa a responsabilidade por uma verdadeira chacina diária de animais selvagens.

O Ibama lista e o juiz transcreve diversos requisitos não cumpridos seguidamente pela concessionária, que “levaram a repetitivas análises de documentos revisados”. Essa dinâmica negligente levou ao “não cumprimento de todos os requisitos expostos no TR [Termo de Referência] do EIA [Estudo de Impactos Ambiental] e do Rima [Relatório de Impacto Ambiental]”, salienta, referindo-se ao documento primordial do licenciamento ambiental, o TR para elaboração do EIA-Rima. 

O magistrado também se reporta a alegações do Ibama referente a outros casos de negativa da concessionária, que levaram à “necessidade de adequação dos Programas, Projetos e Planos de Trabalho às características da região em que o empreendimento está inserido, tais como questões relacionadas a Unidades de Conservação, Comunidades Quilombolas e Declarações municipais acerca do uso e ocupação do solo”. 

Trecho norte

Especificamente sobre o trecho norte e o grande imbróglio criado pela Eco101 em torno da Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama, a sentença afirma que “o impacto ambiental da duplicação da BR-101 no trecho que corta a Reserva Biológica (Rebio) de Comboios e sua Zona de Amortecimento (ZA) foi subestimado pela Eco101. Vários órgãos ambientais alertaram que o projeto inicial da obra desconsiderava o aludido impacto, emitindo recomendações para diminuição do dano ambiental. De fato, o ICMBIO, desde maio de 2014, pontuou sobre isso”, afirma o juiz.

Em mais uma citação de trecho de documento enviado pelo Ibama aos autos do processo, o magistrado elenca algumas peculiaridades que enaltecem a relevância ecológica da Rebio: “possui o título Patrimônio Natural da Humanidade da Humanidade (Unesco); compõe o Mosaico de Áreas Protegidas da Foz do Rio Doce; Integra a área do Corredor Ecológico Sooretama/Comboios/Goytacazes (Socomgo); juntamente com outras áreas contíguas protegidas, integra o maior remanescente de floresta atlântica de tabuleiro do sudeste brasileiro; compõe um dos 34 hotspots de conservação da biodiversidade reconhecida no mundo”. 

Com base nessas características, o Ibama solicitou, desde 2014, conforme consta na mesma citação destacada pelo juiz, que fosse feito o desmembramento dos trechos de influência da Reserva Biológica de Sooretama do KM 100 ao KM 123; bem como o trecho que afeta a Floresta Nacional de Goytacazes, com estudos específicos sobre essas UCs e suas zonas de amortecimento. 

“No entanto, as rés, cientes da necessidade das medidas, permaneceram inertes. Com isso, criaram as próprias dificuldades para obtenção de licença, não podendo responsabilizar o Ibama pelo cumprimento da sua missão institucional de proteção ao meio ambiente”, aponta. 

Em sua última manifestação sobre o assunto, a concessionária voltou a rejeitar a construção de um contorno a oeste do maciço florestal, conforme vem sugerindo desde 2014 um grupo de cientistas. Conforme o “estudo de alternativa locacional” finalmente apresentado pela empresa, tal desvio representaria 56,7 km a mais do que a opção apontada por ela como a mais adequada.

‘Fator de desconto’

Um outro trecho da sentença explica a responsabilidade específica da ANTT na lesão aos usuários pagantes dos pedágios cobrados sem entrega das obras correspondentes. O centro do problema estaria no modelo de contrato optado pela Agência, chamado de “fluxo de caixa marginal”, que prevê a promoção de “descontos tarifários compensatórios, cujos efeitos são diluídos pelo restante do prazo de vigência do contrato de concessão”, o que “acaba por premiar a concessionária pela inadimplência em relação aos investimentos obrigatórios”, permitindo que, “após auferir lucros da cobrança de tarifas, acabe por não realizar os investimentos acordados, podendo deixar as intervenções mais custosas ao final do contrato e acabar a concessão sem as entregas prometidas”.

Segundo o juiz, os danos provocados por esse modelo ocorreram em várias parte do país, conforme publicou o Tribunal de Contas da União (TCU), referente aos dados de 2019: “Nos contratos da segunda etapa, grande parte dos investimentos ainda não foi concluída e as obras estavam atrasadas em relação ao valor que já havia sido repassado para sua execução. Nas obras de duplicações, apesar de 64% dos investimentos terem sido concluídos, somente 32% foram entregues. Na construção de vias marginais, houve repasse de 70% do previsto, mas conclusão de apenas 56% da obra. O atraso médio variou de dois a quatro anos”.

Dessa forma, prossegue o magistrado, “ao desincentivar o cumprimento do cronograma de obras, o método de cálculo aplicado pelas rés se torna ilegal e deve ser modificado”. Tanto é que, após a assinatura do contrato com a Eco101, esse modelo foi substituído pelo “fator de desconto”, onde ao invés de diluir os descontos, “reduz a tarifa de forma concentrada, sem qualquer distribuição de ônus pelo período integral do contrato”, explica o magistrado, ressaltando que, “em situação semelhante, o STJ tem precedente indicando que o preço da tarifa cobrada deve corresponder ao atual estado do cumprimento das obrigações da concessionária”.

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