A decisão sobre a proposta de alteração da Resolução 23/2014 da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) a respeito da possibilidade de que “banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero sejam utilizados de acordo com a identidade de gênero dos usuários”, foi adiada. O debate teve início na reunião do Conselho Universitário desta quinta-feira (29), mas não pôde ser finalizado, em virtude da longevidade da discussão. A reunião chegou ao teto estabelecido para a duração e a maioria decidiu pela suspensão, e não por prorrogar.
Um dos impasses que fizeram com que o debate se estendesse foi em relação aos vestiários do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD). O professor do CEFD, Otávio Guimarães Tavares da Silva, sugeriu que o artigo 6º da Resolução, referente aos banheiros e vestiários, entrasse em vigor após a adequação dos vestiários, levando em consideração pessoas que não fazem parte da comunidade universitária, mas utilizam espaços da Ufes.
Ele destacou que existem cerca de 80 chuveiros em ambiente compartilhado, sem porta, e que existe em algumas pessoas “desconforto de tomar banho nu na frente dos outros”. Disse ainda que, por causa dos projetos de extensão, o CEFD recebe mais de 100 crianças por dia. Assim, acredita que a universidade poder ter problemas por causa do artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sobre o qual não trouxe detalhes, dizendo apenas que o artigo “tem algo subjetivo que vira para todo tipo de lado”.
O artigo citado por ele estabelece que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. Para o docente, se não houver a adequação nos vestiários, a universidade pode sofrer “perturbações judiciais”. Otávio afirmou não se tratar de uma questão de “periculosidade”, pois isso seria uma “tese homofóbica, transfóbica”.
“Não é ser contra a política, a resolução, mas reconhecer que tem um elemento que é problemático”, disse, além de defender que a preocupação com o sofrimento da população trans é “legítima”.
Antes do início dos debates sobre o tema, foi apresentada a relatoria, na qual foi destacado que a comunidade LGBTQIA+ “não encontra completa acolhida na Ufes”. Também foi destacado que, atualmente, é permitido na universidade o acesso aos banheiros em conformidade com a identidade de gênero somente no Centro de Educação e que esse é um “direito básico que deve ser garantido irrestritamente em todos espaços da Ufes”.
Em julho, o Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, recomendou que o reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Paulo Vargas, “
se abstenha de impedir ou, sob qualquer forma, constranger pessoas que optem pela utilização de banheiros e vestiários conforme sua identidade de gênero, independentemente de regulamentação”. A Procuradoria pediu, ainda, “que a Ufes promova a ampla divulgação da medida entre docentes, discentes e terceirizados, a fim de que garantam sua aplicação”.
O MPF destacou que um dos fundamentos basilares sobre os quais se assenta a República Federativa do Brasil é a dignidade humana, salientando que um dos objetivos fundamentais do artigo 3º da Constituição Federal, é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Lembrou ainda que a sociedade brasileira é regida pela prevalência dos direitos humanos nas suas relações internacionais.
O documento do MPF destacou também a Recomendação Geral nº 35, do Comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Sua jurisprudência aponta que, entre os fatores que potencializam a discriminação contra as mulheres, estão serem lésbicas, bissexual, transexual ou intersexual. Também destaca que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu a aplicação, para as mulheres trans, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
O órgão ministerial chegou a arquivar uma representação do deputado estadual Capitão Assumção (PL), que questionava o uso de banheiro unissex na universidade. O parlamentar alegava “insegurança e falta de privacidade à população”, dizendo ainda que a medida ofereceria um risco maior de mulheres e crianças serem vítimas de abusos e assédios sexuais, com a alegação de que “a maioria da população brasileira e mundial se define em homem e mulher, sexos masculino e feminino”.
Esse caso, bem como a aprovação do Projeto de Lei 93/2022, de autoria do vereador bolsonarista Gilvan da Federal (PL), que proíbe o uso de banheiros unissex na Capital, motivaram o MPF-ES a realizar, em 30 de junho, no auditório da Prefeitura de Vitória, a audiência pública “Diversidade Sexual e Cidadania LGBTQIA+”. Além dos representantes da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, participaram da atividade membros do Conselho Estadual LGBT, composto por 12 entidades. O projeto de Gilvan foi vetado pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos).