Vale não aceita acordo e força reintegração de posse da ferrovia. Famílias resistem há 29 dias
Uma maior aproximação do Poder Judiciário com a ocupação indígena sobre os trilhos da Vale que cortam a Terra Indígena Comboios, em Aracruz, norte do Estado, marcou, nesta quinta-feira (29), o 29º dia da mobilização, que reivindica uma revisão do acordo de reparação e compensação dos danos provocados pelo crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, assinado há um ano com a Fundação Renova.
Após uma vistoria da Polícia Federal sobre o acampamento das famílias na ferrovia, um grupo de indígenas seguiu para uma reunião com o juiz Fabio Luiz Massariol, da 1ª Vara Cível, Família e de Órfãos e Sucessões de Aracruz, da qual também participaram representantes da Vale e da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) e, assessorando as comunidades indígenas, as Defensorias Públicas do Estado e da União (DPES e DPU) e o Ministério Público Federal (MPF-ES).
Durante o encontro, as lideranças Tupinikim expuseram as reivindicações das aldeias, que vão além dos auxílios financeiros e indenizações. “Falamos da nossa realidade, da perda do rio, da falta de respeito da Fundação Renova e das suas mantenedoras [Samarco, Vale e BHP Billiton] com o nosso território e a nossa cultura. Muitos espaços nossos foram violados, não podemos usufruir mais desses locais“, relata o Cacique Toninho, da aldeia Comboios.
As lideranças também reforçaram estarem abertas ao diálogo, mas precisam de uma reciprocidade, tanto da parte da mineradora quanto da Justiça. “Se a gente tem que cumprir uma ordem judicial que a Vale pede, a Justiça também precisa entender e defender os nossos direitos. Não pode continuar vendo só um lado”, complementou.
Os doze anos de atraso da mineradora em relação à entrega do Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) foi outro ponto ressaltado. “A Vale está inadimplente com a comunidade por não construir o PBAI. O juiz ficou comovido e ficou de pedir uma reunião com o juiz da Vara Federal de Minas Gerais”, conta.
Na capital mineira, a 12ª Vara Federal, de responsabilidade do juiz substituto Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar – que substituiu o primeiro magistrado do caso, Mário de Paula Franco Junior, transferido para o Amapá – foi transferida do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) para o novo TRF-6, criado há um ano e instalado em meados de agosto.
Após a conversa desta quinta-feira com os indígenas, o magistrado responsável pela comarca de Aracruz se comprometeu a endossar o pedido já em andamento pela DPU, para uma reunião com o juiz do caso Samarco/Vale-BHP em Belo Horizonte.
A reação do juiz capixaba impressionou os indígenas, comenta o Cacique Toninho, em vista de sua atuação até o momento no caso, em que já expediu duas sentenças liminares em favor da Vale, estabelecendo multa R$ 5 mil por minuto, por cada pessoa que descumprisse sua determinação, uma truculência jurídica contra os indígenas que pareceu ter sido revertida nesse primeiro encontro presencial com representantes das comunidades. “Vamos ver se a fala dele vai se refletir em ação mesmo”, pondera o Cacique, referindo-se ao prazo estabelecido para a próxima quarta-feira (5) para a desocupação total da ferrovia.
Na véspera desta data, no entanto, já está agendada uma reunião de lideranças de Aracruz com a Sexta Câmara do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, onde o caso também será apresentado presencialmente aos procuradores do colegiado, que é responsável pela defesa dos direitos de populações indígenas e comunidades tradicionais de todo o país.
‘Levo minha filha para os movimentos desde cedo, para ela saber os direitos dela’
‘O rio era nossa mãe’
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