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Renova é condenada a retomar pagamento de auxílios cortados via Novel

Sentença também determina restituir valores descontados para pagar advogados e outros direitos dos atingidos

Leonardo Sá

O juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, condenou a Fundação Renova a retomar o pagamento do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) a atingidos que haviam sido suspensos do programa de forma unilateral pela entidade. A determinação atende aos pedidos feitos pelas instituições de justiça que defendem os interesses dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP, que ocorreu em novembro de 2015 em Mariana/MG, e devastou mais de 600 km do Rio Doce, matando 19 pessoas e poluindo de forma crônica também o litoral capixaba. 

A petição – processo número 1000415-46.2020.4.01.3800 – foi feita pelos Ministérios Públicos Federal e estaduais do Espírito Santo e Minas Gerais (MPF, MPES e MPMG) e Defensorias Públicas da União e dos dois estados (DPU, DPES e DPMG), e visa implementar decisão tomada recentemente pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no sentido de que o AFE não possui natureza de lucro cessante, mas sim de pagamento com caráter assistencial, temporário e indisponível, não sendo aceitável a interrupção, negociação e/ou antecipação de pagamentos futuros até o restabelecimento de condições para a retomada, pelos impactados, das atividades produtivas ou econômicas, e isso a depender do resultado de perícia que ainda não foi concluída. 

Em junho, o TRF-1 deliberou, em caráter liminar, o retorno do pagamento do AFE a pescadores e agricultores de subsistência, tendo confirmado essa decisão dois meses depois. Atualmente, pescadores profissionais também reivindicam o retorno do pagamento, bem como as comunidades indígenas de Aracruz, no norte do Estado, que receberam o equivalente Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE) após um acordo com a Renova, mas que é questionado por meio de uma ocupação dos trilhos da Vale que cortam a Terra Indígena Comboios e que chegou ao 30º dia nesta sexta-feira (30)

“Ou seja, o AFE deve ser pago a todo o universo de atingidos que tenham tido sua renda comprometida. Além disso, como ele possui caráter assistencial, não pode ser descontado no âmbito do Programa de Indenização Mediada (PRM), muito menos cortado quando a pessoa atingida adere ao Novel [sistema indenizatório on-line criado pela Renova]”, explica o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva.

Ele ainda diz que, “especificamente quanto ao Novel, ainda que o sistema confira quitação definitiva e integral, isso não significa que todas as obrigações estão cumpridas. Esse entendimento da Renova foi considerado equivocado pela instância superior, raciocínio com o qual concorda o novo titular da 12ª Vara Federal”.

Além disso, como consequência desse entendimento, o Juízo Federal obrigou a Fundação Renova a restabelecer o direito a tal recebimento, no prazo máximo de 15 dias, para todas as pessoas atingidas que aderiram ao Novel e tiveram o seu AFE cortado por tal motivo, sob pena de multa diária no valor de R$ 5 mil para cada atingido. Esse pagamento deverá ser feito de forma retroativa, corrigido monetariamente pelo IPCA-E e com juros de mora de 1% ao mês, a contar da data em que cada parcela deveria ter sido originariamente paga. 

Dano Água

A decisão judicial também esclareceu outros aspectos a respeito das indenizações pagas por meio do Novel. A partir de agora, atingidos que venham a aderir ao Novel pleiteando indenização por danos gerais também poderão solicitar os valores fixados para o Dano Água, e vice-versa. 

“Isto significa que as pessoas já indenizadas, por exemplo, em razão da interrupção de suas atividades econômicas e produtivas, como é o caso dos pescadores, ainda podem aderir ao Novel para receber indenização decorrente da interrupção do serviço de abastecimento de água potável encanada, que está prevista sob o título Dano Água, bastando apresentar os documentos de elegibilidade exigidos para a demonstração da titularidade desse direito”, afirma Carlos Bruno Ferreira. 

“Do mesmo modo, aqueles que já foram indenizados pelo Dano Água também podem buscar indenizações, via Novel, relativamente à interrupção das suas atividades produtivas e econômicas, o que, até então, era negado pela Fundação Renova. Há uma ressalva, porém. Os atingidos que já tenham sido indenizados pelo Dano Água no âmbito do PIM não poderão ser indenizados via Novel pelo mesmo dano, embora possam utilizar este sistema para ser indenizado com relação aos danos gerais”, complementa. 

Honorários advocatícios

O Juízo Federal também obrigou a Fundação Renova a pagar todas as indenizações, no âmbito do Novel, acrescidas de correção monetária e juros moratórios a partir da fixação das matrizes de danos ou das sentenças condenatórias, e proibiu o desconto de honorários advocatícios do montante indenizatório devido às pessoas atingidas que aderiram ao sistema. De acordo com o magistrado, cabe à própria Renova arcar com as despesas de honorários advocatícios (10%), não podendo transferir tal ônus para as pessoas atingidas.

“Além disso, uma conquista importante obtida pelas instituições de Justiça em favor das pessoas atingidas foi a que obriga a Fundação Renova a restituir os valores de honorários advocatícios indevidamente descontados das indenizações pagas aos atingidos que aderiram ao Novel, com correção monetária a contar da data da publicação da sentença de matriz de danos utilizada como parâmetro para a indenização e aplicando juros de mora a partir do dia em que o desconto indevido foi realizado. Esse pagamento deverá ser realizado pela Renova dentro do prazo máximo de 120 dias, contados da data da publicação da decisão”, informa Carlos Bruno Ferreira. 

O procurador da República ainda esclarece que, por se tratar de uma ordem judicial, não é necessário que a pessoa atingida solicite a devolução ou que contrate advogado para fazê-lo em seu nome, eis que a decisão determinou que a Renova faça a devolução diretamente aos beneficiados.

Revisão do Pafe 

Outra questão abordada pela decisão judicial diz respeito ao procedimento de revisão de cadastro efetuado pela Renova no Programa de Auxílio Financeiro Emergencial (PAFE). 

Segundo o magistrado, apesar de haver autorização judicial para a realização do corte de eventuais pagamentos indevidos, o procedimento de revisão deve, obrigatoriamente, seguir critérios razoáveis e adequados, em respeito ao princípio da transparência e garantindo-se a participação dos atingidos e das instituições de justiça. 

Para o Juízo Federal, a mera notificação e chamamento para revisão do AFE em massa, utilizando-se critérios unilaterais, sem discussão prévia de sua pertinência e adequação com os diversos atores processuais, não atende ao devido processo legal e simplesmente reforça que não é possível admitir qualquer corte de AFE sem a concordância do Juízo e avaliação prévia do CIF.

Foi determinado à Renova que restabeleça, em até 10 dias corridos, o direito ao AFE para atingidos que tiveram seus pagamentos interrompidos em razão do procedimento de revisão unilateral de cadastro efetuado pela fundação, devendo-lhes efetuar o pagamento retroativo das parcelas indevidamente retidas, corrigidas monetariamente pelo IPCA-E e com juros de mora de 1% ao mês a contar da data em que cada parcela deveria ter sido originariamente paga.

A Fundação Renova ainda foi proibida de promover o corte de qualquer AFE sem a anuência do Juízo e do CIF, sob pena de fixação de multa diária de R$ 50 mil por auxílio cortado sem autorização judicial. Ela também deverá apresentar ao CIF uma proposta de procedimento de revisão, que somente produzirá efeitos após homologação judicial.

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