Leonor Araújo destaca como a história que nos é contada apaga a trajetória de resistência de povos oprimidos
Muitas vezes, a história, como nos é ensinada nas escolas, reforça preconceitos, estereótipos, e apaga a trajetória de resistência de povos oprimidos. Assim, normalmente, a versão de colonizadores é a que prevalece, passando de geração em geração. Na história do Espírito Santo, isso não é diferente. Quem explica é a professora do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora da história do Estado e da África, Leonor Franco de Araújo.
A historiadora aponta, ainda, que no que diz respeito ao período colonial, existe uma deficiência na documentação, pois não havia uma burocracia montada no Espírito Santo. Leonor recorda a questão da data de fundação da Vila de Nossa Senhora da Vitória, que, conforme é ensinado, é 8 de setembro de 1551. Porém, de acordo com ela, trata-se de um equívoco que não se sabe quem de fato o criou, o que é evidenciado por meio de pesquisas feitas pelo historiador José Teixeira de Oliveira.
Leonor afirma que as pesquisas desse historiador eram baseadas em documentos. Em seus estudos, ele traz informações da Torre de Belém, em Portugal, onde teve contato com documentos da Coroa Portuguesa que fazem menção à dotação orçamentária para a capitania cuja sede é a Vila de Nossa Senhora da Vitória. As documentações são datadas de fevereiro e março de 1550, portanto, a Vila de Vitória já havia sido fundada antes de 8 de setembro de 1551.
Além disso, Leonor questiona a informação de que a data da fundação da Vila de Nossa Senhora da Vitória tenha sido pelo fato de os portugueses terem vencido uma batalha contra os índios e os expulsado da região. Ela afirma que há registros de batalhas indígenas contra os portugueses onde hoje é a capital do Estado até meados de 1650. Em se tratando do Espírito Santo, até o final do Século XIX. Portanto, a resistência indígena foi bem maior do que a versão que é ensinada nas escolas.
Leonor diz ainda que o “censo comum capixaba” acredita que a produção cafeeira do Espírito Santo do Século XIX deve-se ao trabalho dos imigrantes, como italianos e alemães. Entretanto, relata, até 1888, a maioria dessa produção era fruto do trabalho dos negros escravizados, principalmente no sul do Estado. Após a abolição, explica, é que a produção se expandiu entre os imigrantes, principalmente em cidades como Domingos Martins, Santa Teresa, Santa Leopoldina, Itarana e Itaguaçu.
Leonor aponta que trata-se de uma forma de apagamento da história dos escravizados, já que, normalmente, nas escolas se fala do fracasso da capitania do Espírito Santo e se apresenta a chegada dos imigrantes europeus como um “milagre”.
A história mais recente, muitas vezes, também é contada de forma invisibilziar alguns grupos. A historiadora Ana Paula Rocha destaca Dona Domingas, nascida no início do século XX, eternizada em uma estátua em frente ao Palácio Anchieta, mas cuja história é cercada de desinformações.
“Aparece muito forte a imagem da catadora, colocando essa mulher no lugar de mendicância. Várias crônicas se reportam a ela como a mendiga, sem sonhos, desdentada, sisuda. É importante mudar esse olhar”, alerta.
Ana Paula, por meio de uma pesquisa, encontrou parentes e outras pessoas que conviveram com Dona Domingas e descobriu que essa mulher catava papel para vendê-los e, assim, arrecadar recursos para festejos religiosos onde morava, no bairro Santo Antônio, na Capital, além de auxiliar pessoas que necessitavam.
“Domingas tinha sonhos e visão de pertencimento. A cata de papel era para ajudar as pessoas, pedir que os santos, como Santo Antônio, intercedessem pelas almas dos escravizados. Ela não era um fantasma sem vida, a caminhar pelas ruas de Vitória. Seu caminhar era de esperança. Seu objetivo era agradecer pela vida, receber iluminação para os escravizados que não estão mais aqui”, ressalta a historiadora.