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Pátria amada usurpada

As cores, a moral e “todo o bem”, a serviço de quem?

Nessas duas últimas eleições, presenciamos acontecimentos que valem a pena uma boa análise e reflexão, principalmente frente aos revezes, ao que me parece, que os brasileiros estão tomando gosto.

Historicamente, aprendemos o movimento das ruas com a esquerda. De repente, bem mais que de repente, aí pelos idos de 2013, as ruas foram tomadas por uma população majoritariamente jovem, que negava a política e se fazia autônoma. A primeira impressão era de estudantes sem muita noção histórica do que estavam fazendo – uma ação política daquela magnitude se dizendo apolítica. A luta, que inicialmente era pela redução da passagem, tomou um corpo bem maior que o esperado, mas a falta de uma coordenação estratégica, deixou o movimento sem direção segura e âncora ideológica, o que o tornou presa fácil para oportunistas.

A partir daí juntaram-se as classes médias ressentidas, com as forças mais reacionárias e conservadoras na apropriação do capital político do movimento. Hipocritamente afirmando-se em contraponto à política, num momento em que a esquerda, já no quarto mandato, havia se tornado referência para a visão popular de “Estado”, “poder”, “política”, etc.

Mera enganação.

Ali despertava uma estratégia antiga de desmoralização das instituições, focando principalmente no combate à evolução do ethos nacional – nossa morada espiritual – que caminhava para uma melhor compreensão das liberdades individuais, das minorias, da diferença. Rapidamente deu ao movimento a finalidade de busca de uma “iluminação qualquer”, que viesse a “salvar a pátria” daquela política esclarecedora e libertária que ameaçava a hegemonia do moralismo, que aliás, sempre preferiu a diferença embaixo dos tapetes.

A moral adoecida para o moralismo, o amor à pátria ao patriotismo (doentio e excludente), somado aos valores tradicionais de família e religião, formaram o caldeirão ideológico raso, que desemboca numa perseguição às forças progressistas e num (re) avivamento do conservadorismo, por meio de um discurso fácil e hipócrita.

As religiões, que já vinham flertando com a política e se envenenando com sua parte mais podre, encontraram nesta estratégia o meio fértil para a evolução de suas pretensões. Ganharam corpo e se comprometeram, sem nenhum escrúpulo, vendendo a “nova política” em seus templos, seus próprios eventos, enfim se dedicando de forma explícita ao serviço da política suja, inclusive “passando pano” em sua sujeira, por total descompromisso com a verdade.

Por outro lado, a esquerda, de certa forma se sentindo confortável no poder, inicialmente não soube dar as respostas aos movimentos e nem à usurpação de sua propriedade na luta de rua. Na sequência perdeu o governo, no golpe do Congresso oportunista, que se aproveitou da onda negacionista da política para direcionar toda a rejeição à esquerda, e se fazer exceção. Mesmo este comportamento ferindo a lógica, uma grande parcela da população acreditou, principalmente depois que a grande mídia comprou o discurso e passou a reproduzir e reforçá-lo.

Pronto, agora se estabelece uma luta entre contrários, de um lado a esquerda com sua visão de sociedade plural e diversa e, por outro, uma espécie de conservadorismo, nacionalismo, patriotismo, “religiosismo”, todos com esta terminologia patológica que impede a reflexão e facilita a visão de única face.

Com o resultado da eleição de 2018, parecia que havia ocorrido uma fatalidade, por algum descuido, mas que não representava o povo brasileiro. É claro que esse entendimento popular foi facilitado pela prisão e inelegibilidade do Lula. Lamentavelmente, era mais uma reflexão rasa e otimista da esquerda, que insistia em reconhecer o povo brasileiro como um povo atualizado com as questões urgentes dos novos tempos, como as questões das minorias, dos direitos das mulheres (inclusive sobre seus corpos), etc., mas aí, o esgoto já estava aberto.

Bem, chegando com esta reflexão à eleição atual, já em segundo turno, precisaremos de muito mais que a esquerda trabalhando no sentido de conseguir a maioria dos votos. Agora a questão é, efetivamente, a sobrevivência do que ainda resta de uma ética de compreensão, solidariedade, humanidade, empatia e preservação do já conquistado. Conquistas cujos valores, podemos enxergar como reconhecidos pelo menos por uma ligeira maioria da população.

A melhor estratégia ainda é a boa conversa, tranquila e firme, sustentada logicamente, contestando argumentos em busca de convencimento dos indecisos, inseguros e cansados de se sentirem enganados, desiludidos com a política, etc., porque com o outro lado, o dos “bolsominions” realmente convictos, é perda de tempo, só cabe mesmo o “nós contra eles”, em trincheiras de resistência, sobrevivência e luta, pelo resgate dos reais valores usurpados de nossa Pátria Amada.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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