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É tempo de palomínias

Não chore por elas, que renascerão jovens e frescas na primavera, feito fênix mitológica

O outono no hemisfério norte nos brinda com o magnífico matiz das árvores, a folhagem variando entre amarelo, vermelho e marrom. Para então tombarem, vítimas do rigoroso inverno. Não chore por elas, que renascerão jovens e frescas na primavera, feito fênix mitológica. Não por coincidência, o inverno traz as palomínias – essas ainda mais lindas e misteriosas.

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Chegam atrasadas, quando os galhos desnudos das árvores parecem tristes zumbis de braços estendidos para o alto, como a pedir perdão por algum crime cometido em outras gerações – se houve, nem se lembram mais. Filhas do frio e da neve, as palomínias choram e praguejam ao luar por nunca poderem ver o sol. Dizem que quando morrem elas vão para um leito de fogo, mas nenhuma voltou para contar se é verdade.

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Donde concluímos como somos privilegiados pela Mãe Natureza: temos sol em abundância quase todo o ano, não sofremos os rigores dos invernos congelantes, nossas árvores não desperdiçam energia vital brincando de Van Gogh nas folhagens agonizantes. Além dessa mãe comum a todos nós ser uma grande artista, tem também um fino senso de humor: basta olhar as listras de uma zebra, a disposição de um bicho-preguiça, o pescoço da girafa.

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Seu maior feito, porém, são as palomínias – não confundir com palomitas, as pombas que hablan espanhol. Pela beleza das cores, pela exuberância da plumagem, pela elegância do porte, Quem as viu, jamais as esquece. Diz a lenda que são originárias da hoje chamada República Tcheca, mas não há provas contundentes do fato. Mesmo assim, a mídia local se vangloria dessa boa sorte. No entanto, entretanto, elas existem de fato ou tudo é folclore, como a mulher de algodão e o jovem que se apaixonou por ela?

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A origem das lendas se perde nas brumas do tempo. Se vivemos de sol e praia nas imediações do Equador, o povo das neves não reclama quando o termômetro despenca abaixo do zero. Se não gostassem, já teriam migrado para Miami. Alguns usam aquecedores, outros dormem com os cachorros. As palomínias se enroscam umas nas outras, e a rica plumagem as defende dos ventos cortantes que sopram nos polos. Por isso nunca acharam marcas de sua passagem nas neves eternas.

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Na República Tcheca, os habitantes de um bairro judeu sobreviveram às perseguições e execuções do holocausto porque Hitler decidiu preservá-lo para ser o ‘museu de uma raça extinta’. O tempo correu em seu devido tempo, os fatos viraram textos em livros acadêmicos. O que restou de Hitler e seus ideais alucinados? Apesar do insano genocídio, a raça judaica não se extinguiu e continua mantendo sua cultura e seus costumes. O que seria um museu hediondo é apenas um bairro movimentado, uma lucrativa atração turística

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A roda do tempo gira, o ciclo da vida é implacável para ricos e pobres, bons e maus, bonitos e feios, gordos e magros, influenciadores e encantadores de serpentes. Como as folhas das árvores que morrem no inverno, mas antes nos brindam com seu belo espetáculo de cores vibrantes, continuamos nossa busca pelo amor ideal, o Santo Graal, a verdade absoluta, a felicidade completa. Talvez ainda não estejam em exposição no museu das intenções extintas, como as palomínias.

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