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‘É preciso recuperar os ecossistemas, manguezal, restinga e matas ciliares’

José Marques Porto aponta prioridades no Estado para adequação às mudanças climáticas à luz do relatório da CDP

Leonardo Sá

Para além de obras de concreto e asfalto. Para além da matemática simplória do sequestro de carbono a partir de monocultivos. É preciso reflorestar de verdade, protegendo a biodiversidade, e urbanizar com justiça social, protegendo a sociodiversidade. 

As orientações advêm de um estudo internacional sobre mudanças climáticas, na percepção do cientista político, ambientalista e militante climático José Marques Porto. “As cidades não têm resiliência [quanto às mudanças climáticas]. A resiliência das cidades provem de manguezais robustos, de florestas de encostas com capacidade de segurar o solo em grandes tempestades. Precisa recuperar os ecossistemas, a restinga, a Mata Atlântica, o manguezal, recuperar as matas ciliares, aumentar o calado dos principais rios, próximos às cidades”.

Ações que devem vir orientadas em estudos com viés socioambiental, salienta. “Definir metas, baseadas na ciência, de redução das emissões de carbono e outros gases que causam o aquecimento. Elaborar estudos de vulnerabilidade socioambiental e climática que considerem as populações vulneráveis. Definir metas claras para reduzir a pobreza energética e melhorar o acesso à água, ao tratamento de esgoto, à coleta de lixo”, elenca. 

De fato, o relatório publicado no último dia 13 pela ONG internacional CDP – Disclosure Insight Action traz a necessidade de humanização das discusões e ações no título: “Protecting People and the Planet – Puting people at the heart of city climate action” (“Protegendo as pessoas e o planeta – colocando as pessoas no coração da ação climática da cidade”, em tradução livre). 

A ONG administra um sistema mundial de divulgação ambiental para empresas, cidades, estados e regiões, e afirma: a ordem no momento deve ser “colocar as pessoas no centro da ação climática, pois os perigos ameaçam pelo menos 70% da população de quase um terço das cidades do mundo”.

O relatório foi produzido com base nas respostas de 998 cidades de todo o mundo ao CDP-ICLEI Track em 2022, a plataforma líder mundial de relatórios de progresso climático para cidades. 

O ambientalista capixaba conclama que “medidas de adaptação precisam ser urgentemente retomadas” em todas as cidades e cita Iconha, no sul do Estado, como um dos exemplos recentes de desastres provocados pelo clima. “Está sendo reconstruída no mesmo lugar”, assinala. 

Em todo o Estado, porém, Porto aponta falta de iniciativa. “O Espírito Santo tem um atraso enorme. A Política Estadual de Mudanças Climáticas é de 2009”, afirma, com base na experiência de ter participado das discussões para a criação do Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas, em 2006. 

Também não há nenhuma política municipal do clima, tampouco um plano de adaptação na região metropolitana, complementa. “A vulnerabilidade socioambiental na Grande Vitória é gigante! É preciso fazer estudos que levem em conta as pessoas e a biodiversidade”, alerta. 

Na Grande Vitória, destaca, o descaso com a poluição do ar chama atenção. “Até hoje nunca foram cumpridos os padrões de qualidade do ar da OMS [Organização Mundial da Saúde]”, exclama, referindo-se às orientações publicadas em setembro de 2021 pela entidade, e que mostrou a falta de efetividade dos termos de compromisso ambiental assinados pelas poluidoras Vale e ArcelorMittal com o governo do Estado, sob mediação do Ministério Público Estadual! “Passou da hora do governo do Estado mandar para a Assembleia Legislativa projeto de lei para que as empresas se adequem aos padrões de qualidade do ar estabelecidos pela OMS”, reivindica. 

Soluções baseadas na natureza

Porto cita também os estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que abordam a forma de priorização dos investimentos para reduzir as mudanças climáticas e adequar as cidades a elas. “O que eu tenho visto no relatório do IPCC nas últimas atualizações, em março de 2022, é que são bastante claros sobre focar nas soluções baseadas na natureza, na recuperação dos ecossistemas, e com foco nas pessoas. Não só fazer obras de concreto e asfalto, que impermeabilizam as cidades, fazendo com que a água não penetre no subsolo. Precisa recuperar os ecossistemas. Houve uma grande perda de restinga no Parque Paulo Cesar Vinha mês passado, precisa recuperar. Precisar replantar os manguezais”, elenca. 

O reflorestamento no Espírito Santo, no entanto, continua tendo o deserto verde como norte para investimentos. “Enquanto o fomento florestal no Estado privilegiar o eucalipto, não tem solução. Não se fomenta a silvicultura de espécies nativas”, lamenta. 

Para o especialista, é preciso criar mecanismos de parcerias público-privadas para viabilizar investimentos em recuperação florestal e, assim, produzir mais água. “Todos os arranjos produtivos do Espírito Santo são altamente consumidores de água. Mármore e granito, celulose, setor metalmecânico, agricultura. É preciso retomar os consórcios para garantir esses recursos financeiros”, propõe, citando o Consórcio Intermunicipal dos Rios Jucu e Santa Maria da Vitória como iniciativa que precisa voltar e se expandir para outras bacias hidrográficas capixabas. “Parcerias público-privadas que deem conta de ações inadiáveis como recuperação das matas ciliares. Quando o mar sobe e encontra um rio assoreado, invade tudo, saliniza a água doce dos rios, é uma tragédia”. 

Benefícios ambientais, sociais e econômicos

O relatório da CDP aponta que “as cidades que adotam pelo menos uma ação climática centrada nas pessoas – onde as necessidades e experiências das pessoas, especialmente grupos vulneráveis, são examinadas e consideradas desde a avaliação até as etapas de implementação da ação – obtém vários benefícios adicionais, além da redução de emissões”. 

Oitenta e cinco por cento delas, por exemplo, relataram benefícios para a saúde pública, como melhor qualidade do ar, saúde física e mental; benefícios sociais, incluindo maior segurança alimentar e hídrica e melhor proteção para populações vulneráveis. Em 84% dessas cidades, benefícios eeconômicos também foram notados, como redução de custos e maior inovação nos negócios e maior produtividade. 

Além disso, destaca a CDP, “as cidades que adotam ações climáticas centradas nas pessoas são cinco vezes mais propensas a realizar a criação de empregos como um cobenefício da ação climática”.

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