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Ministério Público faz acordo para limpar ‘ficha suja’ da Arcelor na Serra

TCA arquiva inquéritos em curso e desobriga empresa a reconhecer danos ou riscos à saúde e ao meio ambiente

Um acordo firmado entre o Ministério Público Estadual (MPES), a ArcelorMittal e a Prefeitura da Serra visa arquivar quatro processos de investigação sobre poluição ambiental proveniente da siderúrgica, além de lhe isentar de reconhecer que o pacto tenha relação com qualquer medida de reparação ou punição pelos danos ambientais e riscos à saúde humana apontados nos mesmos. 

O Termo de Compromisso Ambiental (TCA) 1/2022, publicizado nesta quarta-feira (19), estabelece a obrigação, pelo MPES, de arquivar quatro procedimentos localizados na 7ª Promotoria de Justiça Cível de Serra, incluindo o Inquérito Civil nº2019.0020.3785-76 e o Procedimento Investigatório Criminal nº 2021.0010.4126-49. Todos “relacionados à persecução criminal e atualmente em curso referentes à potencial prática de crime consistente em emissão atmosférica odorífera e de material particulado (pó preto brilhante) no Município da Serra-ES”. 

O texto traz ainda a garantia de que sua assinatura “não implica em reconhecimento, pela ArcelorMittal, e/ou por seus administradores, representantes ou empregados, de responsabilidade por quaisquer riscos de danos e/ou danos ao meio ambiente, à fauna, à flora e à saúde humana decorrentes de suas atividades, nem de condutas ilícitas que porventura lhes estejam sendo atribuídas”. 

Ou, conforme consta em outro momento do Termo, “o presente TCA 001/2022 não significa, por parte da ArcelorMittal, assunção ou reconhecimento de qualquer responsabilidade e nem o reconhecimento da procedência de pretensão reparatória, repressiva e/ou punitiva, nem tampouco culpa no âmbito do objeto de procedimento criminal, procedimento civil-administrativo, procedimento civil-ambiental e/ou processos judiciais referenciados neste TCA 001/2022”.

Há ainda a condição, imposta ao órgão ministerial, de “se abster de dar seguimento ou […] adotar novas práticas (dentre as quais a instauração de novos procedimentos) voltadas à persecução criminal da ArcelorMittal pelos fatos discriminados nos referidos processos, e também de propor Ações Civis Públicas que tenham por base tais fatos/procedimentos”.

Outro agrado concedido pela poluidora é que “as obrigações previstas neste TCA 001/2022 poderão ser apresentadas pela ArcelorMittal ao poder público em processos administrativos de licenciamento ambiental e outros processos relacionados às operações em curso na sua Unidade Tubarão”.

Contradição 

Ironicamente, o próprio MPES contradiz as condições do acordo, que busca negar sua relação com a poluição produzida pela empresa, ao afirmar, em seu site oficiaal, que o TCA foi firmado “para efetivação de reparação dos danos ambientais causados aos moradores do município, especificamente em relação à população da Região de Carapebus” e que “o acordo decorre de procedimentos em tramitação na Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da Serra, de natureza cível e criminal, no trato de questões ambientais”. 

As negociações, prossegue o órgão ministerial, “duraram cerca de um ano, sob a condução dos promotores de Justiça Ronaldo Gonçalves de Assis, titular da 7ª Promotoria de Justiça Cível da Serra (Meio Ambiente), e Pablo Drews Bittencourt Costa, da 3ª Promotoria de Justiça Cível da Serra (Saúde)”.

Além dos dois promotores de Justiça, informa o MPES, o TCA foi assinado pelo CEO do segmento de Aços Planos da ArcelorMittal Brasil S.A., Jorge Luiz Ribeiro de Oliveira; pelo gerente-geral de Sustentabilidade e Relações Institucionais da empresa, João Bosco Reis da Silva; pelo gerente-geral do setor jurídico da empresa, Marcelo Costa de Araújo; pelo procurador-geral do município da Serra, Harlen Marcelo Pereira de Souza; pelo secretário municipal de Obras, Halpher Luiggi; e pela secretária municipal de Saúde, Bernadete Coelho Xavier. 

Ausente na assinatura do TCA, a secretaria municipal de Meio Ambiente, Áurea da Silva Galvão Almeida, já havia contribuído com o processo de blindagem da siderúrgica um mês antes, quando anulou a multa de R$ 9 milhões aplicada em 2019, em função de uma nuvem de pó preto brilhante que caiu sobre a região de Carapebus, oriunda de sua planta industrial. 

Unidade de saúde e rede de percepção de odores

Em troca de ser agraciado pela significativa limpeza em sua “ficha suja”, a siderúrgica se compromete com duas medidas. A primeira, repassar ao município da Serra “o valor de R$ 4 milhões, em dezembro de 2022, para a construção e/ou aparelhamento de uma unidade básica de saúde, na região de Carapebus, em local a ser indicado pelo município até 1º de junho de 2023”. Ao município cabe ainda a obrigação de construir a unidade básica de saúde em até 24 meses após a indicação do local. Caso o valor não seja suficiente para a obra, “caberá exclusivamente ao Município da Serra-ES complementar o valor, não sendo devido nenhum aporte adicional por parte da ArcelorMittal”. 

A segunda é “implantar e manter uma rede de percepção de odores com o objetivo de mapear as fontes odoríferas que acometem os bairros situados no entorno da empresa”. Sobre o funcionamento da rede e os desejados resultados em benefício da população, há apenas a vaga menção de que, “ao longo da vigência do presente instrumento, e após, o MPES poderá pedir que a ArcelorMittal, periodicamente, apresente relatórios de andamento das ações descritas neste item”. 

Relatórios que, importante frisar, não têm compromisso com metas numéricas, pois o acordo fala apenas que “com relação àquelas [fontes mapeadas pela rede] que porventura se originem da planta industrial de Tubarão, [a empresa se compromete em] implementar medidas de controle ambiental destinadas a mitigar a percepção de odor”.

TCAs inócuos 

A falta de metas numéricas de redução da poluição e, portanto, a ausência de efetividade na melhoria da qualidade do ar na Grande Vitória é marca registrada dos TCAs firmados pelas poluidoras ArcelorMittal e Vale com o MPES desde 2017, sob o condão de Paulo Hartung. Mesmo com índices de poluentes acima dos padrões estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), os termos não estabelecem qualquer compromisso objetivo de redução. 

Abonadas de compromissos reais, as apresentações das ações empreendidas pelas empresas no âmbito dos acordos são recheadas de cifrões e afirmações genéricas de equipamentos e novos processos implementados. 

O inventário de fontes, no entanto, que poderia indicar, dentro das plantas das duas megapoluidoras, quais setores emitem quais poluentes e em que quantidades, permanece uma utopia. E os volumes de partículas inaláveis, respiráveis e sedimentáveis continuam acima do considerado minimamente razoável pela OMS e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que determinou ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em maio passado, que se adeque à última normativa do órgão de saúde mundial. 

O mais grave é que esses inócuos TCAs conseguiram barrar, por mais de um ano, a tramitação de ações judiciais que objetivam forçar a redução efetiva da poluição do ar emitida pela Vale e ArcelorMittal, além de garantir que a população seja indenizada pelos males por elas provocados. 

Quando do retorno da tramitação, o próprio perito judicial afirmou, em seu relatório, que, além de não possuírem metas objetivas de redução dos níveis de poluição do ar, os TCAS deixam ainda “lacunas para a possibilidade de sua não execução, em caso de inexistência de viabilidade técnica ou outro fator determinante”.

O dia em que as gigantes pararam

Ao longo das mais de quatro décadas, desde que as duas gigantes foram instaladas na Ponta de Tubarão, bem no meio da região metropolitana capixaba – sob enfáticos protestos do cientista Augusto Ruschi – foi somente por um dia que suas operações foram paralisadas, em decorrência da poluição do ar e da água. O ano foi 1990, sob ordem do então governador Max Mauro

Ao levar um bolo das mineradoras numa espera cerimônia de assinatura de um termo de compromisso para redução das emissões, Max Mauro determinou a interdição das duas indústrias, que, então, assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta. A então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) no dia 1 e a então Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) no dia 5 de setembro daquele ano. 

A fiscalização do termo, no entanto, não teve prosseguimento pelo sucessor no Palácio Anchieta, Albuíno Azeredo, modus operandi que se mantém inalterado até os dias de hoje. 

Quatro décadas em que, apesar de todas as evidências de desrespeito à saúde e bem-estar da população, resta, “aos incomodados, que se mudem”.

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