“Medir a contaminação nos peixes é a primeira etapa. Agora é preciso analisar amostras humanas”, defende Fiocruz
O aumento no número de casos de autismo e outros transtornos cognitivos em crianças pode ter relação com a contaminação da água e do pescado com metais pesados, como mercúrio, chumbo, cádmio e outros, decorrente do crime da Samarco/Vale-BHP ocorrido há sete anos. E precisa de investigação científica para que sejam tomadas medidas de saúde pública e de compensação e reparação dos danos.
A afirmação é da pesquisadora em Saúde Pública da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Ana Cláudia Vasconcellos, que apresentou uma análise dos dados da Aecom do Brasil sobre insegurança no consumo de pescado oriundo da região atingida pelos rejeitos de mineração.
A apresentação aconteceu em evento organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) em alusão aos sete anos do crime, completados no último sábado (5). “Medir os níveis de contaminação nos peixes é só a primeira etapa. É preciso investir na direção do monitoramento humano também e coletar amostras de cabelo e de sangue das pessoas, para medir os níveis de contaminação da população que vive naquela região, que come peixe regularmente, que bebe da água do rio, enfim. E aí eu estou falando de todos os contaminantes. Porque minha área de estudo é o mercúrio, mas existem dezenas de outros contaminantes”, afirmou a cientista.
Perita judicial designada pelo juízo da 12ª Vara Federal (atual 4ª Vara Federal) de Belo Horizonte, responsável pelos julgamentos das ações referentes ao crime cometido pelas mineradoras contra o Rio Doce, a Aecom do Brasil demonstrou a preocupante contaminação do pescado nos ambientes dulcícola (rio), estuarino (foz do rio) e marinho, tendo suscitado ao juiz responsável, Michael Procópio Ribeiro Alves Avelar, a determinação de providências por parte dos órgãos de meio ambiente e saúde junto à população atingida.
Em sua análise dos dados oficiais, Ana Claudia Vasconcelos fez um recorte mais próximo da realidade de consumo de peixe das comunidades costeiras e ribeirinhas do Espírito Santo e afirmou que mesmo um consumo baixo (50g/dia) de peixes predadores podem estar provocando problemas de saúde diversos nas pessoas de variadas idades.
O impacto maior, destaca a pesquisadora, recai sobre gestantes, devido aos fetos que desenvolvem, bem como crianças com até cinco anos de idade, devido à fragilidade do cérebro, ainda em formação, o que pode provocar autismo e outros transtornos cognitivos. O aumento de casos desses problemas neurológicos foi relatado por atingidos presente no evento.
“Em Colatina, o número de crianças nascendo com autismo e outros transtornos e síndromes de fundo neurológico cresceu muito, segundo a percepção dos moradores. E a gente sabe que existem muitos estudos que associam a contaminação por metais pesados com o aparecimento desses transtornos. Esses casos que a população percebe podem estar sim associados ao consumo de água e peixes contaminados por metais pesados, em geral pelas mulheres durante a gestação”, afirma.
Mãe de uma criança com autismo e integrante de um grupo de mães com este perfil em Colatina, Alessandra Silva Gobbi foi uma pessoa que relatou essa percepção do aumento dos transtornos cognitivos em crianças na cidade. “No TEApoio, a gente tem percebido um aumento no número de casos de atraso cognitivo nas crianças”, afirmou, referindo à Comissão de Pais e Amigos das Pessoas com Autismo (TEApoio). Também integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ela ressalta que “o Rio Doce é o único recurso hídrico de Colatina, então é muito preocupante, não só pelo consumo do peixe, mas também da água, porque nem todo mundo tem condições de comprar água mineral”.
Ana Claudia alerta que mesmo as pessoas que usam água mineral para beber, há risco de contaminação humana por metais pesados já detectado nos peixes, pois usos como para cozinhar, banhar e irrigação de agricultura podem provocar problemas de saúde.
“O Estado tem que começar a ligar as duas coisas. A gente precisa que as instituições de pesquisa comecem a se mover para que as respostas apareçam. Nós, no MAB, temos um chamado muito grande para a saúde, a gente busca as respostas, porque não temos o monitoramento da saúde das pessoas. Eu não tenho dados científicos dentro do município, mas gostaria muito de ter esse estudo, essa pesquisa”, reivindica.
“É preciso verificar a contaminação humana, porque isso traz mais evidências científicas e fortalece a ideia de que as pessoas estão adoecendo por causa dessa tragédia e que é necessário indenização e que a Samarco responda por isso e pague por todos os exames”, reforça a cientista.
Assessoria técnica
O evento de sete anos do crime também suscitou entre os atingidos a necessidade de realizar um levantamento das principais demandas a serem tratadas pela Assessoria Técnica escolhida para os territórios capixabas, a Associação de Desenvolvimento Agrícola (Adai).
A expectativa é de que a Adai inicie em breve os trabalhos, já que no dia 13 de outubro, o juiz Michael Procópio Ribeiro Alves Avelar determinou que as empresas fizessem a contratação imediatamente. O recurso impetrado pelas mineradoras, a princípio, não deve obstruir essa decisão, afirma Marcus Tadeu, membro da coordenação nacional do MAB. “Assim que elas assinarem o termo de compromisso do juiz, a contratação acontece”.
Enquanto isso, os atingidos se organizam por territórios, desde Baixo Guandu até o litoral, e por categorias, como pescadores informais e formais, artesãos, comerciantes, agricultores…para levantar as diretrizes das pautas mais importantes, para que a Adai inicie os trabalhos. “Nós sabemos, por exemplo, que a matriz de danos da Fundação Renova está errada, então os atingidos vão pensar os elementos de uma nova matriz de danos, para quando a assessoria chegar, ajudar a construir tecnicamente essa matriz para cada categoria”, explica.