Vitor destaca ainda que, pelo fato de Jurema ser referência na área, “o mínimo que deve ser feito é contratar alguém que seja referência nessa linha”. Também lamenta o fato de que a decisão, mesmo depois de toda a luta empreendida por Jurema, faz com que, diante do seu falecimento, isso esteja sendo “jogado no lixo”. O professor deixa claro que se a situação não for revertida ele irá abrir mão da coordenação do Programa de Pós-Graduação. “Não é uma situação normal como alguns colegas estão tratando. Ficar na coordenação é normalizar”, acredita.
O professor do Departamento de Línguas e Letras da Ufes, Jorge Nascimento, também é contrário à cessão da vaga para a disciplina de língua francesa. “É uma decisão que pode e deve ser revertida, repensada. Não se pensou em algo que transcende o Departamento de Línguas e Letras da Ufes. É algo que tem a ver com a sociedade. É uma área de conhecimento que tem grande importância política. A gente vive em uma estrutura racista, nosso racismo estrutural tem braços no racismo institucional. Devemos ficar atentos se não estamos replicando o racismo estrutural nas instituições”, aponta.
Jurema presidia a Associação Internacional de Estudos Culturais e Literários Africanos (Afrolic), criou e coordenava o Núcleo de Literaturas Africanas da Ufes. A integrante do Coletivo Negrada, Aila Ferreira, afirma que entre as preocupações que existem no momento está a continuidade do trabalho do Núcleo, que conta com apoio de outros professores, mas precisa de docentes especializados na área em que ele atua.
Aila informa que as aulas de literaturas africanas de língua portuguesa eram realizadas por meio de disciplinas optativas. Diante disso, o Coletivo Negrada defende que a vaga não seja cedida para a disciplina de língua francesa, mas também que seja ofertada, por meio de concurso público, como literaturas africanas de língua portuguesa, e não mais como literatura portuguesa. O Coletivo almeja também que a disciplina seja obrigatória na grade curricular, buscando desfazer a perspectiva eurocêntrica e proporcionar uma formação antirracista para os alunos, inclusive os brancos.
Essa formação, afirma, vai ao encontro do que estabelece a Lei 10.639/03, que prevê o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira no ensino fundamental e médio. “Como dar aula de literatura africana nas escolas se a universidade, que forma os professores, não tem profissional capacitado para isso?”, questiona. Mirtes Santos, fundadora do Coletivo Negrada e da Pretaria BlackBooks no Brasil, foi aluna de Jurema e hoje é professora das universidades de Cabo Verde e Santigo, em Cabo Verde, na África.
“A professora Jurema foi brilhante e intensa em tudo o que fazia, construiu pontes do Brasil com a África que nos possibilitaram atravessar. É por isso e por tudo que ela significa para nós graduados e estudantes da graduação, pós graduação e orientandos dela, que não permitiremos o apagamento da sua memória e do seu legado, que foi construído com muitos sacrifícios à sua vida pessoal e profissional dedicada à educação”, diz. Mirtes também defende.
Mirtes também destaca a importância das políticas afirmativas para a contratação do corpo docente. “A Lei 12.990/2014 reserva 20% das vagas em concursos públicos para cargos na administração pública federal. Essa lei foi reconhecida por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal. Queremos mais professores negros e negras em todos os cursos da UFES e que se cumpra a lei 10639/03 em todos os cursos da universidade”, defende.
A militante do Movimento Negro Unificado (MNU) e vice-presidente da Associação dos Docentes da Ufes, Jacyara Silva de Paiva, aponta que a decisão do Departamento de Línguas e Letras foi tomada justamente no mês da Consciência Negra e se trata de “mais uma violência simbólica contra negros e negras”.
“Destinar vaga de uma disciplina, momentaneamente ou não, para outra, é um procedimento legal e até corriqueiro na universidade, mas quando pensamos que a professora Jurema Oliveira era a única professora negra do departamento, que ministrava conteúdo específico e de absoluta relevância para o curso, dentro de uma universidade ainda atravessada pelo racismo estrutural e institucional, não podemos tratar este assunto sem considerar o contexto, sem considerar que ainda vivemos a dor da perda de uma professora ativista e antirracista, sem considerar que neste mês de novembro chamamos atenção para universidade que queremos, que é uma universidade antirracista”, defende.
A Adufes e o Grupo de Trabalho Política de Classe para as Questões Étnico-Raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCGEDS) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) se manifestaram por meio de nota, defendendo que o Departamento de Línguas e Letras reveja seu posicionamento.
“Manter a vaga na área de literatura, indicando as temáticas centrais no campo antirracista com as quais futuros docentes devem se comprometer significaria, diante da irreparável lacuna deixada por Jurema Oliveira, aumentar inclusive a probabilidade de o DLL ter novamente uma pessoa negra em seu quadro, já que a UFES ainda não avançou como precisa na construção de sua política de cotas etnicorraciais para o preenchimento de vagas docentes”, diz a nota.
A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e o Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (CONNEABs) também se pronunciaram por meio de nota, destacando que Jurema se destacou na comunidade científica brasileira na pesquisa e na difusão de conhecimentos em nas áreas de literatura africana e de literatura afrobrasileira.
“Importante mencionar que a área de pesquisa da professora Jurema foi relegada pela maior parte das universidades brasileiras, num vácuo produzido em estreita relação com o racismo institucional e estrutural. Isto torna ainda mais relevante o trabalho da professora, que além de seu grande legado intelectual e científico deixa um histórico de ativismo antirracista e voltado para a promoção da igualdade, com atuação destacada relacionando seus estudos de literatura com o cumprimento do artigo 26A da LDB, que define a obrigatoriedade de ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. Sua luta pela Educação das Relações Étnico-Raciais foi também incansável e tornou a UFES referência na área de literatura africana e afrobrasileira”, afirmam as entidades.
A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e o CONNEABs afirmam ver a decisão do DLL com apreensão, além de ser reflexo da falta de consideração com o “conhecimento produzido e acumulado por uma professora negra e ativista, numa decisão orientada pela normatividade branca e eurocentrismo”. Para ambas as entidades, manter a vaga nas áreas de pesquisa de Jurema “é necessário e urgente”, em virtude do “significado pessoal da trajetória da professora, mas principalmente pelo respeito do seu legado à comunidade científica brasileira e à luta antirracista”.