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Departamento da Ufes vai rediscutir cessão de vaga de literaturas africanas

Uma reunião será realizada nesta quinta-feira, com participação de representantes do Movimento Negro

Após repercussão negativa diante da decisão do Departamento de Línguas e Letras (DLL) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) de ceder a vaga da professora Jurema José de Oliveira, falecida em outubro deste ano, para a área de língua francesa, foi marcada para esta quinta-feira (17) uma reunião extraordinária para discutir o assunto. A expectativa é de que a decisão seja revogada e, então, aberto concurso público para literaturas africanas de língua portuguesa.

Jurema presidia a Associação Internacional de Estudos Culturais e Literários Africanos (Afrolic) e criou e coordenava o Núcleo de Literaturas Africanas da Ufes, sendo referência nessa temática. “Acreditamos que irão voltar atrás na decisão, ainda mais que anunciaram que a professora Jacyara Paiva e o professor Gustavo Forde estarão lá. Seria constrangedor defender a posição da última reunião”, considera o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), Vitor Cei.

Jacyara é vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e militante do Movimento Negri Unificado (MNU). Gustavo é militante do Movimento Negro e pró-reitor da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania (Proaeci). Ambos são professores do Centro de Educação da Ufes.

Assim como Vitor, Jacyara está esperançosa de que haverá concurso público para literaturas africanas de língua portuguesa. Ela destaca positivamente o fato de o Departamento ter chamado para a reunião dois professores que não o integram e são negros. “Mostra que estão dispostos a rediscutir, ouvir outras vozes”, ressalta.

Gustavo Forde se pronunciou em suas redes sociais. De acordo com ele, com sua morte, Jurema “deixou uma grande lacuna em nossa universidade”. “Jurema não foi apenas representatividade, Jurema foi representação e participação! Jurema não foi apenas teoria, Jurema foi práxis!”, disse. O professor salientou que, desde que ela morreu, há expectativa na comunidade acadêmica negra e antirracista de que a vaga seja destinada para concurso na área de literatura africana e afro-brasileira, sendo isso “um justo reconhecimento à memória e ao legado de nossa querida Jurema”.

Para ele, “um projeto de sociedade justa, igual, equânime, implica um projeto de universidade pluriétnica, socialmente referenciada e antirracista. Nas palavras de Jurema, implica entender que ‘refletir sobre questões políticas é pensar o modo organizamos em conjunto a vida em sociedade e as relações de poder aí implicadas”, defende.

Abaixo-assinado

Nessa segunda-feira (14), o Programa de Pós-Graduação em Letras fez uma reunião com professores e discentes, mas também contou com participação do Movimento Negro e do Diretório Acadêmico (DA) de Letras. Foi deliberada a realização de um abaixo-assinado virtual, já em elaboração, e que será entregue na reunião desta quinta. “Entendemos que o legado de Jurema precisa ser preservado com a garantia do concurso de professor efetivo para a vaga de literatura africana e dar continuidade ao trabalho que ela apenas iniciou”, aponta o documento.

O grupo aponta ainda que o curso de Letras apresenta um quadro predominante de professores não negros. “As políticas de cotas possibilitaram que a população [negra] entrasse na universidade, contudo, a mesma não se reconhece ao estar em contato com o quadro docente e um currículo eurocêntrico. Precisamos que a nossa história e a nossa cultura sejam contadas por um dos nossos. Não abrimos mão de um corpo negro suscitando o debate racial nas letras”, acrescenta a nota.

O texto também contra-argumenta a afirmação do Departamento de Línguas de que a vaga da professora seria cedida para a disciplina de língua francesa de maneira momentânea. “Ao dizerem que seria uma retirada momentânea da vaga, nós dizemos: já esperamos mais de 300 anos para recuperar a nossa dignidade que nos foi roubada e apagada. Até quando vamos esperar? Ainda não há igualdade racial nos espaços de poder, por isso a votação democrática é uma injustiça, uma vez que sequer deveria estar em pauta a retirada da única vaga e da única professora negra”, afirmam.

Além da abertura de concurso para a vaga de literaturas africanas de língua portuguesa, o abaixo-assinado defende a reserva de vagas para negros nas seleções para docente na universidade, com base na Lei 12.990/2014, que destina 20% das vagas em concursos públicos para cargos na administração pública federal.

A decisão de destinar a vaga para língua francesa foi tomada em votação virtual e secreta. A Adufes e o Grupo de Trabalho Política de Classe para as Questões Étnico-Raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCGEDS), do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), se manifestaram por meio de nota, defendendo que o Departamento de Línguas e Letras reveja seu posicionamento.

“Manter a vaga na área de literatura, indicando as temáticas centrais no campo antirracista com as quais futuros docentes devem se comprometer significaria, diante da irreparável lacuna deixada por Jurema Oliveira, aumentar inclusive a probabilidade de o DLL ter novamente uma pessoa negra em seu quadro, já que a Ufes ainda não avançou como precisa na construção de sua política de cotas etnicorraciais para o preenchimento de vagas docentes”, diz a nota.

A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e o Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (CONNEABs) também se pronunciaram por meio de nota, destacando que Jurema se destacou na comunidade científica brasileira na pesquisa e na difusão de conhecimentos nas áreas de literatura africana e de literatura afrobrasileira.

“Importante mencionar que a área de pesquisa da professora Jurema foi relegada pela maior parte das universidades brasileiras, num vácuo produzido em estreita relação com o racismo institucional e estrutural. Isto torna ainda mais relevante o trabalho da professora, que além de seu grande legado intelectual e científico deixa um histórico de ativismo antirracista e voltado para a promoção da igualdade, com atuação destacada relacionando seus estudos de literatura com o cumprimento do artigo 26A da LDB, que define a obrigatoriedade de ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. Sua luta pela Educação das Relações Étnico-Raciais foi também incansável e tornou a Ufes referência na área de literatura africana e afro-brasileira”, afirmam as entidades.

A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e o CONNEABs afirmam ver a decisão do Departamento com apreensão, além de ser reflexo da falta de consideração com o “conhecimento produzido e acumulado por uma professora negra e ativista, numa decisão orientada pela normatividade branca e eurocentrismo”. Para ambas as entidades, manter a vaga nas áreas de pesquisa de Jurema “é necessário e urgente”, em virtude do “significado pessoal da trajetória da professora, mas principalmente pelo respeito do seu legado à comunidade científica brasileira e à luta antirracista”.

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