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Acampamento golpista mostra um Brasil inexistente e desafia autoridades

Em frente ao Quartel do 38º BI, o Brasil paralelo demonstra a manipulação de mentes para subjugá-las ao poder religioso

Reprodução

“A partir de amanhã, muito cuidado, haverá guerra no Brasil! As fronteiras já estão cercadas e ninguém pode sair do país. Estoque alimentos”. O texto é parte de uma mensagem recebida nessa sexta-feira (23) por amigo de um participante do acampamento montado na Prainha, em Vila Velha, dos muitos que há quase 40 dias ocupam o espaço em frente ao Quartel do 38º Batalhão de Infantaria (38º BI) para pedir a “salvação do Brasil do comunismo”, intervenção das Forças Armadas e afirmar que o presidente eleito, Lula (PT), não irá subir a rampa daqui a uma semana.

Século Diário ouviu relatos de psicanalista e psicólogas sobre esse Brasil paralelo, fora da vida real, que afeta especialmente evangélicos, e é poderoso bastante para manipular mentes e subjugá-las à religião e ao fanatismo, por meio do medo e de falsas promessas, alimentadas por uma extensa rede de disseminação de notícias falsas, estimuladas por um obscuro deputado federal, alvo de deboche na Câmara dos Deputados, e, desde 2020, no posto do mais desastrado presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro (PL).

Para a psicóloga Cláudia Pretti, “qualquer semelhança com o nazismo não é mera coincidência. Ele se presentifica nos acampamentos em frente aos quartéis o tempo todo”.

Opiniões semelhantes foram apresentadas pela também psicóloga Danielly Freitas – “De certa forma, é assim que governos totalitários se consolidam como foi no nazismo” – e pela psicanalista e cientista social Lohaine Jardim Barbosa, que aponta o “fenômeno historicamente conhecido como “folie a deux” (loucura a dois)”, um delírio coletivo, para explicar os acampamentos golpistas.

Nem por isso, Bolsonaro é menos admirado, a ponto de levar centenas de pessoas a trocar as festas de Natal com amigos e familiares em seus lares por sujas e incômodas barracas, financiadas por empresários da extrema direita, em permanente ataque às instituições e à democracia.

Foi naquele local que, no último dia 19, em uma operação realizada durante a madrugada, a Polícia Federal prendeu Fabiano Oliveira, presidente do movimento bolsonarista “Soberanos da Pátria”, que se apresenta como pastor evangélico e lidera o grupo, com o apoio de líderes de igrejas, políticos e empresários que preferem não aparecer, mas sustentam o acampamento com suas doações.

Fabiano continua preso e o acampamento começa encolher, depois das ações determinadas pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.

Reprodução

“Esse camarada é pastor nada, isso é história. Ele não tem mulher, é divorciado, fazendo essa confusão aí, não obedecendo à ordem da Justiça, isso não é postura de pastor não, se negando a se entregar! O pastor obedece a lei, se é para ser preso e condenado, tem que ir, obedecer”, comenta um pastor evangélico, mantendo o anonimato com justificativa de que “essa turma não gosta de mim e é violenta”. Ele arremata: “Tem uma turma grande aí que quer aproveitar para fazer nome e disputar cargos de vereador e prefeito em 2024”.

Para Lohaine, os “patriotas do quartel: o retorno ao coronel”, como ele denomina esses movimentos, passam pelo delírio, “um sintoma que pode acometer sujeitos distintos, por motivos variados. Este pode estar presente em sujeitos com transtorno psicóticos e a pessoas sob efeito de dor muito intensa”. 

Ela explica que se trata de “uma forma delirante promovida pelo estado afetivo de adesão identificatória a grupos, instituições e líderes que são elevados a uma posição de autoridade capaz de exercer influência sobre os demais, de forma a partilhar coletivamente o seu próprio delírio narcísico, que em efeito cascata, espalham de forma espelhada as ideias, valores e comandos de seu líder maior”.

“Não é diferente de pessoas excessivamente religiosas que acreditam num Apocalipse que colocará fim ao mundo. A relação desses sujeitos em delírio coletivo, com seu líder, é religiosa, amorosa e servil. Segue assim uma lógica dogmática cristã, onde seu líder, na figura de Bolsonaro, substitui a imagem do ‘grande pai’ protetor. Essa figura pode sustentar um sujeito em desamparo, garantir-lhe borda, existência, e apaziguar sua dor e desemparo”, comenta.

Arquivo Pessoal

“A questão que nos evoca a reflexão é: o que este ‘grande pai Bolsonaro’ representa, senão: o coronel autoritário, bronco, racista, patriarcalista e machista? O que este delírio trás de ‘o retorno do recalcado” diz respeito ao sintoma social brasileiro: a Casa-Grande. O pai Bolsonaro tudo pode: ele pode matar, destruir, entregar, e nunca será questionado, pois o coronel tem poder de vida ou morte sobre seus vassalos”, enfatiza.

“O que Bolsonaro traz para os sujeitos ajoelhados sob a tempestade é a mão autoritária do coronel, junto a garantia de que o status quo será mantido, os negros na senzala, os pobres à serviço dos aristocratas, o que garante a continuidade das desigualdades e injustiças sociais, que garantiram por décadas o conforto dos brancos, europeus, e seus privilégios de berço”.

Para Lohaine, a realidade paralela em que vivem os delirantes do quartel, “não é tão paralela assim: ela encontra terreno fértil na mente das senhoras que ‘não conseguem mais achar uma empregada boa que trabalhe aos finais de semana também’, como antes (antes de quem? Antes dos direitos das trabalhadoras domésticas a férias, 13º salário, e descanso semanal)”.

Em seu delírio, acrescenta, o que querem é a certeza de que “os filhos das empregadas não ‘roubarão’ a vaga nas universidades, dos meninos mimados da elite, que inseguros, não sabem mais competir. Bolsonaro lhes dá a certeza de que não viajarão para Disney ao lado da faxineira. E quem sabe, conseguirão uma nova mãe preta para morar em casa, e trabalhar, apenas para receber as quatro refeições diárias: ‘como antigamente”.

Já Danielly Freitas afirma que, ao convocar o Exército para defendê-los de alguma ameaça, pedindo por intervenção militar para protegerem “os bons”, os acampados, “tentam convocar alguma ajuda divina, mas não só isso, eles tentaram até se comunicar com extraterrestres através de luzes no celular apontadas para o céu”.

Arquivo Pessoal

“É possível perceber que não importam os fatos, como os resultados das eleições, ou nenhuma prova apresentada que desqualifique o líder escolhido, nada disso é assimilado. Ou seja, não há espaço para um terceiro nessa relação dual entre indivíduo e o líder com o qual foi feita a identificação. Assim que se dá a formação delirante, uma relação fechada entre dois, entre um eu e outro divino, um salvador, alguém superior, um messias. Não há entrada de um terceiro expoente que barre, que contradiz, que coloque em questão esse outro”

Segundo ela, essa ideia de que Bolsonaro é o messias tem sido defendida por uma massa identificada a esse líder através de uma marca subjetiva, mas também identificadas entre si, por se apoiarem. “Freud questiona o comportamento das massas no texto ‘psicologia das massas e análise do eu’, percebendo que a individualidade se perde diante do grupo, ficando uma grande mistura entre os eu’s”.

De certa forma, analise, é assim que governos totalitários se consolidam, como foi no nazismo, elegem um líder que consiga causar identificação com uma grande massa através da linguagem, com um discurso simples e popular, bem articulado com os valores cristãos “Deus, Pátria e Família” e “Brasil acima de tudo”.

“No nosso caso atual, temos um discurso até boçal. Parece que tem algo bem sedutor na ideia de um líder que tudo pode, sem lei, muito viril, que se nomeia imbrochável, passando a ideia de que nada pode detê-lo, nem o resultado das eleições. A ideia de um mundo imperecível é tão fantasiosa, de realidade não tem nada, mas é assim que a manipulação acontece”.

Cláudia Pretti diz que, após as eleições, o Brasil “passou a presenciar manifestações e atos antidemocráticos que, para além de sua ânsia golpista, beiram um discurso delirante, composto de forma semelhante ao ideário nazista. O ódio e a violência se associam a uma suposta defesa da família e do patriotismo, que tem o sentimento de destrutividade como organizador de um grupo incapaz de se colocar no lugar do outro, de reflexão e de questionamento”.

Arquivo Pessoal

 A psicóloga explica que “esse movimento de massa foi bem trabalhado por Sigmund Freud, em seu texto ‘Psicologia das massas e análise do eu’, de 1921, escrito quando o fascismo e o nazismo se expandiam na Europa. Segundo Freud, quando um indivíduo passa a se tornar membro de uma massa, muitos elementos inconscientes recalcados podem ser liberados, pois o superego – a instância que o regula -, é relaxado. Assim, o indivíduo segue o líder sem questionamentos, identificando-se com o coletivo, e rejeitando aqueles que não pertencem à massa. Não por acaso o terreno fica tão fértil para as fake news, que se espalham sem nenhum questionamento”.

Eis o restante de sua reflexão, feita especialmente para Século Diário, como Daniely e Lohaine: “É o que temos presenciado nas manifestações e acampamentos pós eleições. Unidos em torno de um líder autoritário alçado à categoria de mito, perseguem sem questionamento seus ideais, pautados no anticomunismo, no negacionismo científico, no ódio aos diferentes. Pregam o porte de armas, o autoritarismo e um mundo onde somente parte da população tem lugar, relegando o restante ao rol dos desprezíveis que devem ser exterminados”.

Ela prossegue: “sob o discurso da segurança e dos bons costumes, colocam para fora toda a agressividade que já estava neles mesmos anteriormente, mas que agora passa a ter sua manifestação autorizada, por estarem inseridos na massa e referendados por um líder carismático. Portanto, o ódio disseminado e as posturas e ideias dissociadas da realidade não são criadas pelo líder. Elas já existiam nesses indivíduos”.

Assim, destaca, combatem os direitos humanos, desrespeitam aqueles que são diferentes (ainda que tenham que se valer de argumentos falsos), e sob o argumento da democracia, jogam na lixeiras os ideais democráticos. “Até porque, nada disso é necessário quando se tem um líder que autoriza a massa a exacerbar seu lado odiento. Sem necessidade de coerência, de pensar, nem de se colocar no lugar do outro. O operador lógico dos ideias pregados é a destrutividade do outro não pertencente ao grupo. Tudo isso com o suporte do grupo”.

Moradora

“O acampamento golpista ainda está montado lá, mas a impressão que tive da última vez que fui vê-lo, logo após a prisão do pastor, é que o número de pessoas diminuiu bastante. As barracas parecem estar vazias, funcionando mais como cenários. Não há mais aquela cantoria de hinos, falas absurdas contra o Lula, o PT. O carro de som ainda está lá, toca hinos militares (pelo menos foi isso que ouvi), as faixas e as bandeiras também!”.

Esse relato é de uma moradora de Vila Velha e foi feito também nessa sexta-feira (23), quando se completava o segundo dia em que o 38º Batalhão de Infantaria do Exército deixa sem respostas as perguntas sobre o acampamento montado na Prainha. 

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