O menino na manjedoura vai ficando cada vez mais distante
O Natal da minha infância não tinha o aparato dos dias de hoje, com lojas superlotadas, os excessos de luzes e a grande preferência pela cor vermelha. O menino na manjedoura vai ficando cada vez mais distante. O herói da vez é um sujeito chamado Papai Noel, que por mais anos do que seria lógico, habitou meus sonhos. Mas sejamos francos, quem não gosta dos filmes de Natal que, graças ao Canal Hallmark, hoje lotam as programações de fim de ano em todos os canais de TV? Haja fake neve!
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Houve um tempo em que as famílias iam à Missa do galo, também chamada de missa da meia-noite, estreando roupa nova (sim, pode-se estrear uma roupa velha). Nessa época, ir ao cabeleireiro era apenas para cortar o cabelo. Um penteado mais elaborado e pintar as unhas eram atividades sociais realizadas em casa, com mãe, irmãs e/ou amigas ajudando umas às outras. Havia ainda o hábito de emprestar e pegar emprestado, fosse um brinco ou um cinto, uma fita pro cabelo ou um broche.
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Alguns milagres aconteciam, como o caso dos irmãos que durante anos não se falavam. Em cidade pequena, uma briguinha entre familiares afeta toda a comunidade: qual deles convidar para festas e eventos? Se convidasse os dois, os dois não iam; se convidasse um o outro se ofendia; se não convidasse, ambos se ofendiam. Os motivos da briga eram assunto obrigatório em qualquer reunião com duas ou mais pessoas.
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Os irmãos frequentavam as missas de domingo em horários diferentes, mas como a missa do galo era uma só, eles alternavam os anos em que cada um compareceria. Mas teve o ano em que não houve missa, o padre adoeceu, e na missa do ano seguinte os dois foram pra igreja, O primeiro a chegar sentou no lado direito, o segundo foi para o lado esquerdo…em uma espontânea reação em cadeia, os fiéis foram se apertando nos bancos, não deixando vaga para ele…primeiro no lado esquerdo, depois no lado direito, até que só restou um lugar vazio.
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Expectativa na paróquia. Impasse para o sem-lugar: sair da igreja ou assistir à missa de pé, sozinho, seria um insulto ao homenageado da noite: Jesus, o aniversariante. Sem outra opção, o irmão sentou-se ao lado do irmão, e nessa noite de Natal os fiéis cantaram em perfeita sintonia e rezaram com mais fervor. Em outra inexplicável reação em cadeia (era pré-celulares), os infiéis correram para ver o milagre, e rezaram também.
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Suspense naquele momento em que o padre convida fiéis e infiéis a cumprimentar o próximo e a próxima com votos de um Natal cheio de paz – os dois irmãos apertaram-se as mãos – sangue do meu sangue – e saíram juntos da igreja. Não garanto, mas dizem que muita gente chorou nessa noite. Neste Natal, troque um presente por uma reconciliação.