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Desconfiança com vacinas gera lucro para alguns, diz professor da Ufes

Fabio Goveia coordena pesquisa que analisa redes de desinformação sobre saúde e vacinas na internet

Uma questão que ganhou amplitude nos últimos dois anos, as notícias falsas e desinformações relacionadas com a saúde, especialmente aquelas contra as vacinas, são um dos desafios colocados como centrais atualmente por importantes entidades da área, como a Organização Mundial das Saúde (OMS). A “infodemia”, conceito que vem sendo usado para abordar essa profusão desinformativa, ocorre principalmente pela internet. Um estudo que vem sendo realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo ( Ufes) está trabalhando para mapear e entender melhor as características dessas redes.

Usando ferramentas de mineração e análise de dados, o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), que funciona na universidade capixaba, já levantou mais de um milhão de postagens desde julho de 2022 para estudar a questão. O projeto é desenvolvido em parceria com o Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi), órgão ligado ao governo estadual. “Os estudos buscam ajudar os gestores públicos para que possam tomar decisões sobre desinformação com elementos mais consistentes, mais robustos”, diz Fabio Goveia, professor de Comunicação Social da Ufes e um dos coordenadores do Labic. “Além disso, usamos ferramentas que temos no laboratório e estamos aperfeiçoando algumas e criando novas a partir do projeto, o que traz com ele um viés de inovação”.

O Labic-Ufes realiza pesquias relacionadas com internet e redes sociais. Foto: Divulgação

A onda de desinformação não é nova e nem se resume ao período da Covid-19. Mesmo antes da pandemia, os movimentos antivacina já tinham muita força em países como os Estados Unidos. O professor observa que há pelo menos uma década a desinformação tem sido algo relevante no questionamento a vacinas e gerado impacto sobre as estatísticas das vacinações. A baixa vacinal no Brasil também ameaça a volta e o crescimentos de doenças que não despertavam mais tanta preocupação devido à ampla cobertura vacinal, como o sarampo, poliomelite, meningite, a rubéola e a difteria. Há casos como o da vacina anti-HPV, cuja acusação de provocar problemas de saúde ocasionou a criação em 2021 no Acre da Abravac, uma associação antivacina.

No Brasil, segundo dados da Unicef, a taxa de vacinação infantil, por exemplo, caiu de 93,1% para 71,49% entre 2019 e 2021. Claro que as informações falsas e antivacina não são a única causa da queda nos índices – e nem deve ser coincidência que a queda aconteça durante um governo federal que negligenciou a vacina contra Covid-19, gerou dúvidas sobre ela, e nutriu relações ou ao menos fortes simpatias de movimentos antivacina. 

“O governo não fez uma campanha de vacinação, ao contrário, muitos dos sinais do presidente foram antivacina, muitas informações forma questionando elas, e isso causou um dano muito grande ao Programa Nacional de Imunização, o PNI, que já fez do Brasil referência na área”, analisa o professor e pesquisador. Ele ressalta também que um fator determinante é que essa posição do presidente encontrou respaldo em grupos de profissionais da saúde, como o Médicos pela Vida.

Goveia menciona que cruzando informações nos primeiros levantamentos, ainda parciais, é possível identificar relações entre movimentos de extrema-direta e os grupos antivacina, embora nem todos estejam envolvidos com questões ideológicas tão explícitas. Ele considera essa uma hipótese que exige mais tempo de investigação, assim como a análise da maior penetração destes discursos em grupos religiosos e junto a profissionais liberais e autônomos. 

Fabio Goveia é professor da Ufes e um dos coordenadores do Labic e do estudo. Foto: Divulgação

As estratégias desinformativas são diversas e em vários níveis, desde a descontextualização até as informações totalmente falsas, incluindo vários meios, linguagens e narrativas. É justamente o bombardeio de informações vindas de vários locais que faz com que pareçam verídicas para muitas pessoas. Um outro objeto de investigação é a conexão global entre as desinformações. “Vemos similaridade de argumentos nos Estados Unidos, Europa e Brasil. Por exemplo, na utilização de determinados artigos que não são científicos na sua acepção mais séria. Também carece de mais estudos, mas é uma hipótese que estamos levantando. Não se trata de algo que surge de forma natural, parece existir uma organização, uma dinâmica de funcionamento dessa circulação da desinformação sobre vacinas”, indica o coordenador do Labic.

Nesse sentido, ele aponta que existem grupos organizados que lucram com a desinformação, vendendo serviços para quem não quer se vacinar, como a oferta de apoio jurídico ou venda de passaportes vacinais falsos para que essas pessoas não sofram sanções, ou oferecimento de outras terapias que combateriam as doenças, muitas vezes sem eficácia comprovada. “Há então um incentivo para a criação do medo e da desconfiança, porque pode gerar lucros”, analisa Fábio Goveia, que entende que esses grupos são causa e consequência desse movimento antivacina.

Em relação às redes sociais, o professor indica que nos levantamentos já feitos é possível perceber diferenças entre as plataformas em relação ao nível de difusão de materiais desinformativos. O Twitter, considera, é onde ocorrem mais embates, enfrentamentos entre visões opostas, o que ficou ainda mais acirrado ao longo do segundo semestre de 2022 por conta do debate eleitoral. Já o Instagram possuiria predominância de conteúdos pró-vacina, e o Facebook traria comportamento mais informativo, com menos argumentos de desinformação. O que foi identificado até o momento como principal foco de notícias e informações falsas ou tendenciosas foi o aplicativo Telegram, que serviria como um espécie de incubadora e disseminador dessas notícias, que depois extravasam para outras redes sociais. O estudo ainda não se debruçou em outras redes como Whatsapp.

Relatórios do estudo podem ser encontrados na página do ICEPi

Os primeiros relatórios desenvolvidos sobre o tema podem ser encontrados na página do projeto Observatório da Saúde nas Redes Sociais no site do ICEPi. Resultados parciais já foram apresentados em reuniões do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), ligada à OMS. Os dados coletados e analisados pelo Labic podem ter relevância nacional e internacional ao refletir sobre o tema.

A recuperação da eficácia do PNI certamente será uma preocupação do novo governo federal comandado pelo presidente Lula, que se opôs às posições de Bolsonaro. Na equipe do novo Ministério, há dois profissionais de peso que estiveram próximos e podem olhar com atenção pelos dados fornecidos pelo Labic. O secretário de Atenção Primária à Saúde é Nésio Fernandes, então secretário estadual de Saúde do Espírito Santo, quando a gestão articulou para buscar uma pesquisa do tipo, e a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, responsável pelo programa de imunização do governo federal, é Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Ufes.

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