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Lorenzo Pazolini revoga decreto que limita atuação de ambulantes nas praias

Revogação foi publicada nesta quinta após repercussão negativa, principalmente na Curva da Jurema

O prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), revogou o decreto nº 21.599/2022, que trata do “ordenamento do Comércio Ambulante nas praias de Vitória e dá outras providências”. A iniciativa limitava a atuação dos ambulantes nas praias da Capital, por isso, teve uma repercussão muito negativa. A revogação foi publicada no Diário Oficial desta quinta-feira (12), por meio do decreto nº 21.735.

A restrição ao trabalho dos ambulantes se dava, por exemplo, pelo fato de não permitir a atividade desses trabalhadores em áreas situadas a menos de 100 m de distância de estabelecimentos comerciais que ofereçam os mesmos produtos que os ambulantes. Outros pontos criticados são o fato de o decreto estabelecer obrigação de licenciamento para o exercício da atividade econômica de comércio ambulante nas praias, prevendo que esse licenciamento se dará através de “Alvará de Autorização de Uso” e limitando o número de comerciantes que podem exercer sua atividade na referida área.

Elaine Dal Gobbo

O advogado André Moreira chegou a requerer no Ministério Público do Espírito Santo (MPES) a adoção de medidas administrativas e judiciais para suspender o decreto municipal 21599/2022. Para ele, a revogação é fruto da pressão popular após ambulantes da Curva da Jurema denunciarem a situação. “Desde as notícias, os pedidos judiciais, a mobilização dos trabalhadores, a insatisfação popular, que foi muito forte”, diz.

No documento encaminhado ao MPES, André apontou inconstitucionalidade na iniciativa da gestão municipal e, também, prejuízo para os trabalhadores. O advogado destacou ser “discutível” a limitação territorial imposta aos ambulantes, já que “as praias marítimas não são bens do Município, mas da União”, conforme a Constituição Federal. “Não sendo bem de propriedade municipal, as praias marítimas são reguladas pela Lei federal 7.661/88 que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. Pelo art. 10 da Lei 7.661/88, o Poder Legislativo da União, no exercício de sua competência exclusiva, nos dá o conceito das praias como ‘bens públicos de uso comum do povo’, assegurando a estes o “sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”, erigindo como única ressalva a possibilidade limitação dos “trechos considerados de interesse de segurança nacional”.

André também destacou o artigo 21 do decreto 5.300/2004, que regulamenta a Lei 7661/88 e institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC). De acordo com ele, essa lei “não deixa dúvidas que a atribuição do Poder Público Municipal em relação às áreas de praia se resume ao asseguramento, no âmbito do planejamento urbano, do acesso às praias e ao mar”.
Outro aspecto importante é que, “ao pretender licenciar o exercício de atividade econômica nas praias através do instrumento autorização de uso, cuja competência para emitir deve ser do órgão da pessoa jurídica de direito público proprietária ou usufrutuária do bem público sobre o qual recai a autorização, o Decreto extrapolou sua competência regulamentar. E se ainda assim não fosse, o exercício dessa competência deveria obedecer a legislação de regência cuja competência inafastável (art. 20, IV, da CF) é do ente federativo sob o qual recai a propriedade do referido bem de uso público, no caso, a União”, explicou.

O decreto ainda dá “tratamento discriminatório aos trabalhadores autônomos do comércio ambulante na área de praia”, violando o art. 3º, IV, da Lei 13.874/2019, “que é literal ao garantir igualdade de tratamento pelos órgãos da administração pública quanto ao exercício e liberação de atividade econômica”, complementa. Além disso, viola “o princípio da livre concorrência, caracterizando-se por uma indisfarçada pretensão de favorecimento e reserva de mercado para os comerciantes exploradores dos quiosques da região”.
Outro ponto questionado pelo advogado foi o fato de que, para conseguir licenciamento prévio para poder trabalhar, o ambulante deverá apresentar atestado de antecedentes criminais. De acordo com ele, “a existência de antecedentes criminais não pode ser erigida como impedimento ao exercício de atividade econômica, a não ser que haja uma proporcionalidade entre o impedimento e a atividade econômica pretendida. Fora desse caso, o decreto é ilegítimo, ilegal e inconstitucional e assim deve ser reconhecido pelos órgãos da Administração da Justiça”.
A vereadora e deputada estadual eleita e diplomada, Camila Valadão (Psol), apresentou um Projeto Decreto Legislativo para sustar os efeitos do decreto. Tratou-se, afirma André, de uma ação de transição, uma vez que ele iria assumir a Câmara quando Camila for para a Assembleia Legislativa.
O Movimento Negro Unificado (MNU) se pronunciou sobre a situação dos ambulantes nessa quarta-feira (11). “O racismo se manifesta de inúmeras formas, a expulsão dos vendedores ambulantes do entorno dos quiosques, local com maior possibilidade de renda, pode ser uma dessas formas!! O que esperar de quem tenta tirar a fonte de renda de inúmeras famílias e ao mesmo tempo retirar da população mais pobre o acesso à praia, que é pública?”, questionou o MNU em suas redes sociais.
Mudanças
As mudanças ocorridas na praia da Curva da Jurema, em Vitória, ganharam repercussão nas redes sociais há pouco mais de um ano. As transformações englobam, por exemplo, a transição de quiosques de padrão mais simples para outros mais sofisticados, e, consequentemente, mais caros. Além disso, a inserção, em espaços grandes da faixa de areia, de quadras de beach tennis e canoas Va’a, atividades pagas. Academia, café e lojas de roupa, também passaram a fazer parte do cenário.
Em entrevista a Século Diário quando essas mudanças foram denunciadas pelo site, o professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Kleber Frizzera classificou que o que estava acontecendo tratava-se de um processo de gentrificação, ou seja, “transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes, onde sai a comunidade de baixa renda e entram moradores das camadas mais ricas”.
Kleber afirmou acreditar que a gestão municipal estava “fazendo uma ‘limpeza’ para atender a interesses imobiliários”. “Há um esforço para transformar a área para outro tipo de público. O comprador do imóvel não vai querer que ao lado tenha uma praia popular. Os preços na Curva da Jurema certamente estão mais caros, o tipo de consumo está diferente, então se expulsa as pessoas pelo preço, por certas imposições, é como se o pobre tivesse que ficar no morro, não podendo usufruir das belezas da cidade”, diz.

Polo Gastronômico

Em cinco de junho passado, Dia Mundial do Meio Ambiente, o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, assinou a ordem de serviço para o início das obras de reurbanização da Curva da Jurema, que ganhará um polo gastronômico. A reurbanização faz parte do pacote da PMV de R$ 1 bilhão de investimentos em várias áreas, até 2024.
Perspectiva da praia após reurbanização. Imagem: PMV

A proposta de reurbanização da Curva da Jurema engloba reparo da ciclovia, implantação de paraciclos e remodelação das áreas de estacionamento, incluindo vagas para ponto de táxi, vagas destinadas a idosos e pessoas com deficiência, bem como de embarque/desembarque e carga/descarga, além de mudança no fluxo de trânsito, mantendo as 240 vagas.

A área total de intervenção é de aproximadamente 16 mil metros. As obras também vão incluir a criação de novas áreas verdes, a instalação de novo mobiliário urbano e a criação de novos acessos ao calçadão. Haverá, ainda, o alargamento e novo piso do calçadão e da ciclovia, criação de novas áreas de paisagismo e melhoria das existentes, além de iluminação com cabeamento subterrâneo.

As alterações na Curva da Jurema não param por aí. Está sendo construído atrás do Shopping Vitória e ao lado da praia o Reserva Vitória, condomínio de luxo que contará com dois empreendimentos: o Ilha Vitória e Ilha de Trindade Ocean Front Residence, ao lado do Parque Cultural Reserva de Vitória, inaugurado em dezembro passado, com espaços de lazer e obras de arte a céu aberto, em uma área de 16 mil m², construído pela iniciativa privada e cedido para a Prefeitura Municipal de Vitória (PMV).

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