Rombo financeiro de R$ 40 bilhões das Lojas Americanas gera desconfianças no mercado e entre os consumidores
“Moço, o que vai acontecer com a gente?”, diz a empregada de uma das 16 Lojas Americanas em funcionamento na Grande Vitória, expressando o medo de perder o emprego e sem muitas informações sobre o rombo financeiro de cerca de R$ 40 bilhões que envolve os três homens mais ricos do Brasil – Carlos Alberto Sicupira, Marcel Herrmann Telles e Jorge Paulo Lemann, controladores da empresa varejista.
Com uma jornada de trabalho diária de oito horas de segunda a sexta e de quatro horas nos sábados, a trabalhadora, depois de parar o trabalho de arrumar sacolas plásticas, meio envergonhada informa que seu ganho mensal é de R$ 1.302, o salário mínimo, muito abaixo dos bilionários valores da fraude contábil, objeto de investigação das instituições responsáveis pelo disciplinamento do setor.
“O que houve é uma operação de risco sacado”, diz o contabilista João Vitor Pasolini, com escritório no Centro de Vitória, explicando que há uma suposta fraude contábil que deverá ser mostrada no decorrer das investigações. “A empresa recorria a bancos para efetuar as compras, mas não cumpria com os compromissos assumidos”, por motivos que serão demonstrados na fase de recuperação judicial, diz João Vitor.
Ele admite que as implicações do rombo financeiro geram desconfiança no mercado, inclusive entre consumidores, podendo haver fechamento de lojas e desemprego. Justamente o receio da trabalhadora que recebe um salário mínimo mensal e, sem entender muito, se assusta com o que vê nas redes sociais.
Já os pequenos investidores, na visão do doutor em Economia Guilherme Pereira, professor aposentado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), é que terão maior prejuízo. “As ações das Americanas caiam de R$ 40 para R$ 12, na semana passada, na terça-feira [17] bateram em R$ 1,93″, aponta o professor, não dando tempo para o pequeno investidor se desfazer das ações.
“Houve tempo para em tem informação privilegiada especular e sair lucrando”, diz, e acrescenta: “É estranho que os balanços da empresa tenham sido aprovados sem detectar nenhuma irregularidade”.
A anônima trabalhadora das Lojas Americanas em Vitória – “o senhor não vai citar meu nome não, né?”, desconhece os meandros do rombo, revelado no último dia 11, por estar na base da pirâmide social. No entanto, elas representa a parte perdedora da fraude cambial, juntamente com pequenos investidores do mercado de ações, que gerou lucros de bilhões para a elite financeira cujos tentáculos envolvem vários setores da vida nacional, da economia à política.
Não é à toa que Jorge Paulo Lemann é incensado como exemplo de empreendedorismo e, nesse patamar ele cria canais de expansão para outras áreas, como as Ongs RenovaBR, o Livres e o Movimento Acredito, pelas quais ajuda a formar novos líderes e em 2018 chegou a eleger o que é chamado nos meios políticos de “bancada Lemann”. É dessa leva o ex-deputado federal Felipe Rigoni (União), atual secretário de Meio Ambiente da gestão Renato Casagrande. A RenovaBr tem entre seus colaboradores mais destacados o ex-governador Paulo Hartung.
Um cenário sem muita transparência, mas incapaz de impedir o crescimento da esfera de influência dos três bilionários, na medida certa para viabilizar operações como a recente compra da estatal Eletrobras, em 2022, dentro do plano de privatização do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por R$ 96,6 bilhões, com intermediação do banco BTG Pactual. Essa organização recorreu às Justiça para garantir o recebimento de R$ 1, 2 bilhão da varejista, depois do rombo descoberto.
“Milhares de acionistas minoritários, pequenos investidores, consumidores por serem vítimas do dano, retiraram valores de sua poupança, fruto de muito trabalho e suor, confiando na robustez e alto índice de governança corporativa da ré [Americanas]”. É o que diz uma ação que corre na Justiça do Rio de Janeiro, enquanto o Ministério da Justiça adota outras medidas para resguardar os consumidores.