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Contando o vento

No tempo sem Google éramos analfabetos e não sabíamos

Exatamente 38 minutos escoam na redoma do tempo. Por que não 37 ou 36? O relógio antigo, do tempo do tic-tac – acho que nem fabricam mais, arrasta os ponteiros – um apressadinho, o outro preguiçoso. Quando chegam no 12, começam tudo outra vez. O tempo controla os ponteiros, um pulinho a cada segundo – tic-tac, tic-tac. O que se faz em 38 minutos? Lavo o cabelo ou devoro um sanduíche de pão e vento? Respondo todos os emails? Elogio todas as postagens no WhatsApp? Devo pagar as contas ou continuar assistindo à maratona dos ponteiros enclausurados nessa redoma de vidro? O tempo é relativo, revelou Einstein.

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Exatamente 38 ondas. O mar não se importa comigo, nem olha para mim. Eu olho o mar e conto as ondas. Por que não 28 ou 48 ondas deslizando macias na brancura da areia? A natureza é sábia, dizia o povo de antigamente. Hoje todo mundo diz que a Internet é sábia, e não é preciso ficar na praia contando ondas: pergunto ao Google e obtenho 3.640.000 resultados em 0,52 segundos, continuo sem saber a resposta. Essa moderna pitoniza virtual sabe todas as respostas, mesmo que não sejam o que perguntamos. No tempo sem Google éramos analfabetos e não sabíamos, disse o sábio.

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Exatamente 38 folhas. A árvore é antiga, já devia estar ali antes que Cabral a descobrisse. Se é que…em tempos de calmaria a árvore não desperdiça folhas, cuida apenas de sorver seu alimento pelos canudinhos da raiz, esticar seus galhos, coisa de árvore mesmo. Quando o vento sopra, porém, fico na janela contando as folhas que volteiam no ar como Nadia Comarella. Por que 38 e não 35 ou 39? O vento é que sabe, diria a árvore, sem pressa de filosofar sobre a curiosidade humana. Basta-lhe fabricar suas folhas, e são todas iguais, tanto as que caem como as que cairão também com a próxima ventania. Minha castanheira é sábia, disse o sabiá.

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Exatamente 38 nuvens. Enquanto resisto às pressões da pressa, 38 nuvens gorduchas passam pela moldura retangular da minha janela. Por que 38, e não 380? A natureza é caprichosa, diz o meteorologista rastreando o céu: tempestade, furacão ou ciclone? A namorada perguntou se vai dar praia no domingo. Talvez tempo bom, com brisa mansa e sol implacável. Os compromissos me chamam: o telefone toca, o trem lá fora apita, um carro buzina, uma criança chora, meu estômago ronca, o seriado começa…mesmo assim fico na janela olhando as nuvens escorrendo no campo azul do infinito, sem se preocuparem com o passar do tempo.

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Exatamente 38 formigas chegam toda tarde para visitar minha roseira. Esquálida, coitada, produz umas rosinhas miúdas de anêmica coloração rosada. Mesmo assim, as formigas não me respeitam – ignoram o jardim opulento da vizinha para depenar minha roseira, resistindo a inseticidas e fumigações letais. Por que não vem logo todo o formigueiro? 38 formigas enfileiradas nos galhos da roseira, que nem procissão pedindo chuva. Uma rosa é uma rosa, disse o poeta – no dia seguinte a roseira fabrica outra rosinha.

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