sexta-feira, novembro 22, 2024
24.9 C
Vitória
sexta-feira, novembro 22, 2024
sexta-feira, novembro 22, 2024

Leia Também:

Passeios buscam conscientizar sobre preservação do manguezal

Em caiaques ou barcos, projeto de ecoturismo em Goiabeiras aponta problemas que afetam maior mangue urbano do Brasil

 “O que você encontrar vivo no mangue, deixa aí. O que encontrar morto, como esses galhos, deixa também”, diz Wallace Mendes, conhecido como “Chuveiro”, a uma criança que brinca em um caiaque no manguezal em Goiabeiras, Vitória. Desde pequeno, ele também tem o manguezal da região como espaço de lazer e aprendeu a entender esse rico ecossistema indo pescar com seu pai e tio. Na escola, começou a desenvolver a consciência ambiental, que se aprofundou ao longo dos anos. Atualmente, por meio da Inata Passeios Sustenaturais.

“Químico de formação e ecologista de coração”, ele alterna as aulas como professor de química com os passeios de barco ou caiaque pelo manguezal e outros locais como uma alternativa de ecoturismo, na qual busca conscientizar as pessoas e proporcionar momentos de lazer em contato com a natureza.

São várias possibilidades de passeio. O mais curto, em termos de percurso, é em torno da orla até Maria Oritz, em uma remada leve por cerca de 3h, onde pudemos apreciar o manguezal com sua beleza e problemas e ainda curtir o pôr do sol no monte Moxuara e a chegada da lua cheia. Não é todo dia que se pode fazer o passeio. Tudo depende da maré e do amplo conhecimento que Wallace tem do mangue e seus fluxos. 

Participantes de remada de lua cheia. Foto: Wallace Mendes

Fomos avisados desde o início: “pode ser que tenhamos que voltar e pisar um pouquinho na lama, porque a maré vai estar baixando”. Não deu outra. Foi necessário parar os caiaques antes do deck do Galpão das Paneleiras, de onde sai o passeio, e pisar um pouco no mangue, embora numa região que havia um pequeno aterro de britas que permitiu à maioria não afundar muito os pés na lama – o que não foi o meu caso, que saí com os pés enlameados. Inclusive, antes de subir aos caiaques, o guia deixa um momento para quem quiser visitar o galpão.

Todos precisam ir de coletes, por segurança e exigência das normativas, e “Chuveiro” passa uma série de recomendações para melhor conforto e proteção durante o passeio. O mangue, ecossistema de reprodução de várias espécies, considerado um grande berçário, é um ambiente de águas geralmente muito tranquilas. Quando não estão, claro, não é recomendável ir. Ainda com águas calmas, é preciso cuidar e proteger os pertences, que podem se molhar. Wallace, mais experiente, se encarrega em registrar fotos e vídeos em seu celular e depois encaminhar aos participantes por WhatsApp ou pelas redes.

O percurso passa por áreas mais abertas e também por canais menores e uma pequena ilha rochosa, por áreas cercadas por vegetação e outras em que é possível avistar comunidades do entorno.

A Inata ainda faz passeios como a volta à ilha de Vitória em caiaque, a descida ecológica do Rio Santa Maria, passeio de barco com almoço na Ilha das Caieiras, passeio de caiaque à Pedreira do Rio Doce (em Joana Darc), visita à praia da Jamaiquinha, em Camburi, e à bancada de areia na Ilha das Caieiras. Dependendo do passeio escolhido, o participante deve avaliar suas condições físicas, embora na maioria deles, especialmente no manguezal, não é necessário um esforço tão grande. Tudo muito tranquilo, claro, para Wallace Chuveiro, que já passou 18 dias remando de caiaque numa viagem de Vitória até o Rio de Janeiro, o que, claro, não conta mais do que seu conhecimento amplo sobre as águas da região em que realiza os passeios.

Viu o manguezal mudar ao longo das décadas. “A transformação que eu vejo é na qualidade da água, na quantidade de peixes que pulavam. Num passeio deste com três horas de duração, veríamos mais de 200 peixes pulando”, diz o guia. Confesso que vi dois ou três, um a centímetros de mim. “Não sei se a escassez de peixe é por poluição da água ou excesso de pesca”, considera o professor, que parou de comer caranguejo, camarão e mariscos do mangue, com intuito de manter a maior parte de animais no ecossistema.

Pôr do sol no mangue. Foto: Larissa Firme

Parece haver muitos indícios de que a poluição pode ser o maior dos problemas, afugentando ou matando a vida aquática. Quando há chuvas, a situação fica mais visível, com os rejeitos que descem pelo Rio Santa Maria, vindo de vários municípios de sua bacia, sujando mais as águas. Resíduos como plásticos, que durante os passeios “Chuveiro” sugere aos participantes coletarem e carregarem em seus caiaques até o final, para correta destinação. Também realiza alguns passeios ecológicos, com intuito de coletar o maior número possível de rejeitos, o que ajuda, mas não é suficiente para deter o fluxo total dessa destinação inadequada de materiais ultraduráveis. Porém, também há o lixo “invisível”, ainda mais difícil de combater.

No nosso trajeto, em alguns pontos, levanta um odor de esgoto. Com a propriedade de sua formação em química, ele critica o sistema de tratamento de esgoto do município, mantido pela Companhia Espírito-Santo de Saneamento (Cesan). Embora as campanhas divulguem Vitória como a primeira capital do Brasil com 100% de acesso à rede de esgoto, o que não significa que todos estejam conectados à rede de tratamento, ele enxerga que o problema é mais profundo do que aqueles que não se ligaram à rede e destinam seu esgoto para a rede pluvial, que acaba levando os rejeitos para o rio, o manguezal e logo o mar.

Como já denunciou em audiência pública na Assembleia Legislativa, Wallace considera que as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) estão defasadas. “Das ETEs do município, a maioria é dos anos 90, estão obsoletas e não dão conta de tratar as águas da população de Vitória, que cresceu demais. A única mais moderna é a de Mulembá, no bairro Joana Darc. As de Furnas, Jardim Camburi e Carapina, estão ultrapassadas. Não têm condições de tratar tanto fluxo, de ter um tratamento bacana, uma decantação ideal para os coliformes”. Com isso, sem tratamento adequado, boa parte da poluição termina indo para as águas.

Outra problemática está relacionada ao grande fluxo de veículos motorizados, especialmente nos fins de semana, com intuito de lazer. Aí não estamos falando de pescadores tradicionais e suas práticas de subsistência, mas de lanchas e jet skis de gente que tem muito dinheiro.

“A fiscalização é feita pela Capitania dos Portos, que passa vez ou outra. Quando encontram uma embarcação, reduzem a velocidade, checam documentos. Mas quando a fiscalização passa, a velocidade é novamente impressa”, conta o ecologista. “O motor dos jet skis, principalmente, é muito prejudicial à matéria orgânica que tem na água. Há muitas ovas de peixe, camarão e caranguejo. É uma turbina muito potente, a água entra e quando sai do outro lado tritura tudo”, considera Wallace Chuveiro.

A própria movimentação das águas com geração de ondas pela passagem dos veículos motorizados influem na forma normal do ecossistema tão frágil, por ser um berçário. Outros riscos que o guia aponta quando há exagero na velocidade é de atropelamento de crianças que se banham, ou colisões com pescadores ou até mesmo entre jet skis, quando em alta velocidade 

Caiaques em torno da vegetação aérea do manguezal. Foto: Vitor Taveira

Ele conta que, com o trabalho por meio da Inata, vem se conectando com várias outras experiências ligadas a manguezais pelo Brasil, obtendo mais informações, inclusive sobre locais onde as políticas de proteção e despoluição têm avançado de forma mais efetiva. “A questão do manguezal é deixada de lado pelo município. E se trata do maior manguezal urbano do Brasil. A gente tem tudo para ser o primeiro também em questão ambiental, no cuidado do manguezal. Mas falta vontade política”, reclama “Chuveiro”. Na atual gestão municipal, de Lorenzo Pazolini (Republicanos), ele questiona que nem as Paneleiras de Goiabeiras, cujo ofício, totalmente ligado ao mangue, foi o primeiro patrimônio imaterial tombado no Brasil, estão recebendo a atenção merecida.

“Geralmente, quando as pessoas vêm passear no manguezal, tomam um susto. Porque não imaginam a beleza que vão encontrar ali dentro”, afirma com o deslumbre de quem contempla desde criança o ecossistema.

Ele oferece descontos de 50% para moradores de Goiabeiras Velha, como forma de incentivar os locais a conhecerem melhor o mangue. Mas a maioria dos visitantes vem de outros bairros da região metropolitana e cada vez mais também de outros estados ou até do exterior, sejam visitantes ou residentes que querem conhecer melhor o novo lugar de moradia. Além de mobilizar pelas páginas da Inata nas redes sociais, os passeios agora figuram também no Airbnb Experience, muito acessado por viajantes do mundo inteiro.

Ele lembra do deslumbre de um guatemalteco, que desceu do caiaque no passeio e ficou pasmo contemplando o mangue do alto do tronco de uma árvore por longo tempo. Para os passeios, é permitido levar crianças a partir de 4 anos e até animais de estimação, como cachorros.

Wallace Chuveiro começou a fazer passeios de caiaque no mangue em 2005, quando comprou um caiaque que encontrou em promoção em Camburi. Logo comprou outros e chamava os amigos para passear neles ou em barcos. Fazia por prazer, mas cada vez mais os participantes o incentivavam a transformar numa atividade comercial, o que ocorreu a partir de 2018, quando criou a Inata no dia 1º de janeiro.

Hoje realiza os passeios principalmente nos fins de semanas e em alguns horários em que está livre do trabalho de professor em escolas que atua. Pensa em futuramente reduzir a carga horária em sala de aula, para se dedicar mais aos passeios.

Mais Lidas