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‘Ao Ticumbi, as nossas sinceras desculpas’

Seis dias depois, Imperatriz do Forte se retrata publicamente sobre desrespeito e não-desfile no Carnaval

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Seis dias depois do triste episódio de desrespeito ao Baile de Congo São Benedito de Conceição da Barra, registrado na última sexta-feira (10), a escola de samba Imperatriz do Forte publicou seu pedido de desculpas ao grupo e também aos quilombos urbanos e rurais do Espírito Santo, que solidariamente, se sentiram ofendidos.

A agremiação levou para o Carnaval 2023 de Vitória a história de Benedito Meia-Légua, herói do povo preto do Sapê do Norte, território quilombola tradicional localizado entre São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, formado por mais de 30 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares e que aguardam a titulação de suas terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A “cabeça” do desfile trazia uma homenagem aos festejos do Ticumbi, umas das mais emblemáticas manifestações folclóricas da região e da identidade cultural capixaba. Porém, os integrantes vivos, que sustentam a tradição, apesar de convidados a participar do espetáculo, foram ignorados pela diretoria da escola. Depois de mais de cinco horas de viagem, em ônibus cedido pela Prefeitura de Conceição da Barra, os brincantes – muitos deles idosos e com saúde frágil, incluindo Mestre Berto Florentino – não foram recepcionados pela diretoria da escola ao chegarem na Capital, não receberam a alimentação prometida e fantasias para acompanhantes que havia sido prometido. Não conseguiram entrar na avenida e voltaram para casa com um sentimento amargo de desrespeito e descaso.

No pedido de desculpas, publicado na manhã desta quarta-feira (15) em suas redes sociais, a Imperatriz assume: “Falhamos!” Depois de elencar alguns atropelos que a escola sofreu até minutos antes de entrar no sambódromo, e que, aponta, contribuíram para que o Ticumbi não tenha tido o tratamento merecido, e de ressaltar que “jamais o que aconteceu foi proposital”, a escola afirma que nenhum desses problemas minimiza o fato. “Estamos aqui para pedir desculpas, não só ao Ticumbi, mas à população negra. Reproduzimos aquilo que mais criticamos em diversos momentos quando uma escola de samba vai fazer uma apresentação: A falta de atenção, trato e boa vontade. Reproduzimos tudo que repudiamos, nas famosas ‘barcas furadas’ que somos convidados”.

Num segundo momento, a nota critica as más condições de trabalho a que as escolas de samba de Vitória são submetidas ao longo do tempo pelo poder público, destacando o trabalho dos voluntários, “que ficam em situações desumanas e insalubres, em meio ao cansaço físico e mental, confeccionando os carros alegóricos e fantasias, que juntam moedas para comprar uma comida para que os trabalhos nos barracões não parem” e também “de pessoas pretas que, assim como no Ticumbi, resistem para que essa manifestação cultural do carnaval não morra, diante do mundo cada vez mais conservador e que ataca o carnaval e não o vê como uma fonte de renda e oportunidades de caminhos diferentes da violência, que tanto assola regiões periféricas”.

Ao final, pede para que “parem de nos atacar sem ouvir/ler realmente os dois lados da história”, alegando que “não demoramos no pronunciamento, estávamos estudando a melhor forma de fazer isso, assim como o Ticumbi, a escola parte de um coletivo, que precisa analisar e educar os envolvidos, entendemos que erramos e acreditamos que hoje seria o melhor dia para conversarmos com vocês”.

Classificando como “lamentável” o ocorrido com o Ticumbi, a Imperatriz encerra a nota levantando “vários questionamentos e autocríticas”, direcionados a todas as agremiações capixabas: “Fazer carnaval no Espírito Santo é desgastante, precisamos parar de romantizar o precário, de achar que na dificuldade fazemos arte. Estamos realmente crescendo a cada ano? O carnaval capixaba realmente está profissionalizando? Quais são as condições dos trabalhadores no Tancredão? Como pode uma agremiação não conseguir fornecer o mínimo para seus homenageados?”

O apelo final afirma que “a arte precisa ser viabilizada nas condições humanas, sanitárias e financeiras possíveis, as manifestações culturais do Espírito Santo precisam ter a mesma visibilidade, andarem juntas, para que assim fiquem fortalecidas em todos os aspectos. Quilombos não podem atacar outros Quilombos, estes precisam ser constantemente fortalecidos. Ao Ticumbi, as nossas sinceras desculpas”.

Repúdios

O pedido de desculpas da Imperatriz do Forte é publicado após os repúdios de pelo menos três associações folclóricas do Estado. O próprio Baile de Congo de São Benedito de Conceição da Barra, se manifestou na terça-feira (14) nesse sentido, lamentando a postura do presidente da escola, Artur Kadratz, que “lavou as mãos”, sublinha o Baile de Congo, pois “simplesmente não respondeu mais às mensagens do grupo, que aguardava com fome na avenida”.

As associações também criticaram não só o ocorrido no dia do desfile, mas a falta de retratação pública até aquele momento. “Alô Imperatriz do Forte! Com dignidade queremos uma retratação digna, não se brinca com a cultura popular”, provocou a Associação de Folclore de Conceição da Barra, que também apontou a incoerência entre o samba-enredo e a postura da escola.

“Benedito é santo cozinheiro e suas festas são de fartura e boa comida. Em nada combina com a mesquinhez de negar água e alimento a quem viajou sete horas apenas para ajudar a contar, na avenida, uma história que o Ticumbi mantém viva há vários séculos”, expõe. “Os foliões da Imperatriz cantavam alto na avenida o samba enredo que dizia ‘Então abre a praça pra ver Ticumbi’, enquanto a diretoria, destratava e humilhava os integrantes do grupo na zona de concentração do desfile”.

A Comissão Espirito-Santense de Folclore também abordou essas questões e conclamou o poder público a agir, rogando “pelo cumprimento e fiscalização de políticas de reconhecimento, proteção, fomento e valorização das comunidades tradicionais e que estejam atentas às investidas de pessoas, entidades e organizações que praticam o descaso, o abandono e a coerção das tradições e a exploração das manifestações folclóricas capixabas em detrimento da dignidade de seus legítimos donos!! Percebemos um verdadeiro desrespeito à cultura popular nesse caso e como conceituava o Mestre Armojo sobre Folclore ‘É uma astúcia do povo’ e merece respeito total”.

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