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‘A faxina e o Serviço Social me ensinaram a ser mais humilde’

Andreia paga os estudos com faxina e comemora reajuste de bolsas de estudos e pesquisa pelo governo federal

Educação e ciência são dois setores estratégicos para o progresso pleno de qualquer nação, mas transformar essa prioridade em orçamento condizente é um desafio ainda não superado no Brasil. O reajuste das bolsas de pesquisa anunciado nesta quinta-feira (16) pelo presidente Lula (PT) – depois de até dez anos de congelamento – foi comemorado por centenas de milhares de estudantes e pesquisadores no país e, espera-se, seja replicado pelas instituições científicas dos estados, mas ainda está longe de garantir condições para que os bolsistas, pelo menos os de classes socioeconômicas mais humildes, tenham condições de fato de se dedicarem aos estudos com exclusividade.

Os novos valores federais agora são equivalentes aos praticados no Espírito Santo, que, segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), se tornou um dos estados mais bem colocados nesse quesito, após o reajuste decidido pelo governador Renato Casagrande (PSB) no ano passado, com base na inflação acumulada desde maio de 2020. As de mestrado, doutorado e pós-doutorado, por exemplo, são de R$ 2,1 mil; R$ 3,05 mil e R$ 5,2 mil.

A entidade afirma que, em 2022, investiu mais de R$ 140 milhões em fomento nas áreas de Ciência, Tecnologia, Inovação e Extensão por meio de 30 chamamentos públicos de incentivo “para que pesquisadores, pós-graduandos, startups, empresas e cidadãos capixabas pudessem desenvolver projetos de pesquisa e concluir estudos no Espírito Santo”.

O valor, infelizmente, é bem menor do que os R$ 600 milhões concedido durante a pandemia para apenas uma grande indústria poluidora, a Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose), dinheiro que ela já anunciou pretender usar para ampliar os monocultivos de eucalipto (deserto verde) e construir uma fábrica de papel tissue em Aracruz, no norte do Estado, com expectativa de gerar apenas 200 empregos diretos para sua operação.

Mesmo reafirmando o poder político-econômico dos grandes empreendimentos do agronegócio e da mineração sobre o orçamento público que deveria ser priorizado para de fato melhorar a vida dos capixabas, os valores ofertados pela Fapes estão fazendo a diferença na vida de milhares de pesquisadores e cientistas, principalmente os que estão iniciando nessa carreira.

A assistente social Andreia Gomes Matias, de Vila Velha, que o diga. Integrante de um projeto de pesquisa no edital inédito Mulheres na Ciência, a pequena bolsa é uma ajuda importante para complementar a renda obtida com faxinas.

Arquivo pessoal

O trabalho de faxineira começou em 2020, quando ela, sem qualquer renda, afirmou que toparia “qualquer coisa” para sair da dependência do marido, de quem estava se separando. Uma amiga da igreja deu a dica, ofereceu sua casa para Andreia começar e ela topou imediatamente.

Durante a pandemia, ela conseguiu receber o auxílio emergencial do governo federal e, depois, também do governo estadual. Quando ambos foram suspensos, ano passado, ela já tinha uma cartela maior de clientes e conseguiu se manter com dignidade. A chegada da bolsa da Fapes é mais um suporte financeiro, mas, principalmente, um motivo de grande alegria por poder, finalmente, estudar e trabalhar na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), um sonho antigo.

“Me sinto realizada poder estar dentro da Universidade Federal do Espírito Santo, entrar na sala, usar o computador, trabalhar com meus colegas. É onde eu sempre quis estar”, exulta. A faculdade de Serviço Social – iniciada em 2005, 22 anos depois de concluído o então segundo grau – foi feita no formato Ensino à Distância (EAD) em uma instituição privada e paga inicialmente com o salário de um emprego anterior que ela teve dentro de um hospital e finalizada com o rendimento com as faxinas. A pós-graduação, iniciada no final de 2022, também está custeada com esse trabalho.

Hoje sua agenda se divide entre as casas que limpa e o projeto científico. Quarta, quita e sexta é nas faxinas, bem como terça sim, terça não. Segundas e sábados são dedicados ao trabalho na Ufes. Ela diz que pretende se aposentar com as faxinas, daqui a uns vinte anos. “A não ser que não consiga mais trabalhar, por causa do problema no meu ombro. Enquanto em conseguir, vou continuar, porque estou juntando o útil ao agradável. Eu gosto de fazer, tenho prazer em deixar uma casa limpa. Não faço só pelo dinheiro. Chego, não tenho hora para sair, faço feliz. Gosto de ver meu serviço bem-feito”, descreve.

Há ainda um entendimento mais amplo de sua realidade atual. “A faxina e o Serviço Social me fizeram ser mais humilde”, afirma. Evangélica, ela acredita que “se o Senhor me permitiu a faxina é para eu ser humilde, começar de baixo e ser humilde em tudo. O Serviço Social também. Porque eu conheço gente que já foi muito mal tratada por assistente social e eu não quero ser essa assistente social arrogante, que trata mal as pessoas pobres”.

Sobre o reajuste das bolsas do governo federal, ela se solidariza dos beneficiados. “Incentiva todos nós estudantes a crescermos, aprender mais coisas, produzir conhecimento, principalmente as novas gerações”.

Arquivo pessoal

Uma de suas colegas de projeto é a mestranda no Programa de Saúde Coletiva da Ufes Ariane Silva Carvalho. Mulher, jovem, preta e da periferia de uma pequena cidade de Minas Gerais, Ariane sempre soube que teria que fazer um esforço grande para conquistar o sonho de infância de ser mestra. No seu caso, a bolsa de estudos é federal e o reajuste promovido pelo governo Lula também é motivo de alívio, pois a renda que a sustenta vem da bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC).

A jornada de trabalho de farmacêutica não a possibilitava os estudos em uma universidade federal, então ela fez uma reserva financeira durante um tempo e em 2021 conseguiu ser aprovada, saindo então do antigo trabalho. A bolsa conseguida na Capes era menos da metade do salário de farmacêutica, mas ela persistiu. “Alguns colegas de turma trabalham e optaram por não ter bolsa diante da alta exigência de dedicação e pouco valor da bolsa, mas infelizmente quem não é servidora pública não tem a possibilidade de reorganizar seus horários de trabalho, sendo a maioria das aulas no diurno”.

“Desde 2013 o valor da bolsa Capes não era ajustado, e todo ano tudo aumenta, alimentação, passagem, luz, água, energia. Vivenciamos anos de muitas incertezas, tínhamos um ‘presidente orquestrado’, que não apoiou as Universidades Públicas, os pobres, os negros, as mulheres, a população LGBTQIAPN+ e consequentemente cortou muitos incentivos a ciência, a tecnologias, as pesquisas, as extensões e muitos outros”, pondera.

“Diante do retrocesso político, social e econômico, principalmente nos últimos quatro anos, a bolsa que deveria ser utilizada para estudo, pesquisas e extensão, se transformou em bolsa alimentação, aluguel, transporte, xerox, compra de livro, custeios na pesquisa de campo, interferindo na garantia da dignidade ao estudante bolsista”, critica.

A partir de março

Os valores reajustados pelo governo federal variam de 25% a 200% entre bolsas de graduação, pós-graduação, iniciação científica e Bolsa Permanência, que passarão a vigorar a partir de março. Os novos valores valem tanto para as bolsas pagas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC), quanto aquelas pagas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Marcello Casal Jr/ABr

O governo também vai recompor a quantidade de bolsas oferecidas. No caso do mestrado, em 2015 havia 58,6 mil bolsas, número que caiu para 48,7 mil em 2022, redução de cerca 17%. Agora, a estimativa é de que sejam ofertadas 53,6 mil bolsas nessa modalidade.

Os alunos de iniciação científica do Ensino Médio terão reajuste em suas bolsas, que passarão de R$ 100 para R$ 300, correção de 200%. Ao todo, serão investidas 53 mil bolsas para estimular jovens estudantes a se dedicar à pesquisa e à produção de ciência.

Já as bolsas para formação de professores da educação básica terão reajuste entre 40% e 75%. Em 2023, haverá 125,7 mil bolsas para preparar os professores. Esta ação é considerada fundamental para a qualificação dos professores que se formam e vão para a sala de aula. Os valores dos benefícios variam de R$ 400 a R$ 1.500.

A Bolsa Permanência, criada em 2013, terá seu primeiro reajuste desde então. O auxílio financeiro é voltado a estudantes quilombolas, indígenas, integrantes do Programa Universidade para Todos (ProUni) e alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica matriculados em instituições federais de ensino superior. A intenção é contribuir para a permanência e diplomação dos beneficiários. Os percentuais de aumento vão variar de 55% a 75%. Atualmente, os valores vão de R$ 400 a R$ 900. No caso das bolsas para indígenas e quilombolas, o valor passa dos atuais R$ 900 para R$ 1.400.

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