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‘Quero inspirar outros jovens a verem que sempre há outro caminho’

Morador de São Pedro, Lucas precisa de apoio para participar do campeonato anual do Conselho Brasileiro da Dança, no RJ

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Uma oportunidade única na vida de um jovem negro de periferia que assumiu a arte como seu talento natural e a abraçou como profissão, paixão e proteção para as armadilhas que normalmente cercam as juventudes pretas e pardas das comunidades mais vulnerabilizadas das cidades brasileiras. É como pode ser descrita sucintamente o momento atual na vida do bailarino e professor de dança Lucas dos Santos da Graça.

Morador de São Pedro, em Vitória, ele tem 18 anos e foi convidado a representar sua escola no campeonato anual do Conselho Brasileiro da Dança (CBDD), que ocorre no início de abril no Rio de Janeiro. “Com menos de dois meses na academia, ser escolhido para uma competição nacional é uma responsabilidade muito grande”, reconhece o jovem bailarino, que é bolsista integral na Pimenta Dance, estúdio em Jardim da Penha fundado e dirigido pela dançarina Liviane Pimenta, que rapidamente identificou o grande talento de Lucas e o merecimento para que ele tenha mais essa oportunidade de se desenvolver em sua arte.

“Nós participamos desde 2016 [do campeonato do CBDD]. Sempre ganhamos muitas medalhas, troféu e prêmios. A única dificuldade é patrocínio. Nós temos muitos talentos, mas não conseguimos muitos apoios do Estado e prefeitura para alavancar a carreira deles. A oportunidade na escola a Pimenta Dance já faz: identificamos alguns talentos, damos a bolsa, mas a competição a gente não consegue cobrir tudo. Falta uma parte do transporte, estadia, alimentação, porque é uma base de mil e poucos reais para cada um”, relata Liviane, que atualmente mantém 20 bolsas de estudo para jovens de periferia como Lucas.

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“Como um bailarino como o Lucas conseguiria esse dinheiro sem um patrocínio, um apoio? É uma oportunidade única para ele”, ressalta a diretora, feliz com a constatação de tantos outros jovens já apoiados pela escola e que tiveram suas vidas transformadas depois dessa experiência.

“Hoje ou são bailarinos profissionais no Brasil e na Europa, dançando e vivendo da arte, ou são pessoas que viram a diferença que essa oportunidade de estar na escola lhes trouxe, treinando todos os dias, de 14h às 20h, em vez de estar nas ruas, sem um objetivo maior. São fisioterapeutas, médicos e professores de educação física e de artes”.

Lucas tem consciência desse diferencial. “Dançar foi um tipo de superação tanto emocional quanto física. Ver que consigo avançar cada dia me faz realizado. E saber que posso avançar mais ainda! É minha meta, aperfeiçoar sempre. Ainda mais para mim, que moro na periferia e sou negro. É tanta pressão por ser negro, jovem de periferia…que você não vai ser nada nunca na vida, vai ser um advogado, um médico, um cantor, um dançarino”, pondera.

“Em casa, lavando louça, lavando roupa, cozinhando, eu faço tudo sempre dançando. É como se tivesse uma musiquinha na minha cabeça todo tempo e eu danço essa música o tempo todo na minha vida”, descreve Lucas. “Pirueta é minha paixão! Estou sempre dando piruetas”, sorri.

“Eu desconheço um bailarino da Pimenta, dos que ficaram e trabalharam, que tenha ido para o lado errado. Sempre depois fazem faculdade, coisa que nunca antes tinha pensado que poderiam. São todos trabalhadores. Porque a dança é muito rigorosa, precisa de muita disciplina. Trazendo isso para a vida, essa disciplina e foco, a pessoa deslancha e consegue alcançar seu objetivo, ser um cidadão que depois retorna para a sociedade tudo de bom que recebeu”, conta Liviane.

A dança, salienta, exige muito. “O bailarino tem que ser um atleta, ter condicionamento físico, se alimentar bem e se cuidar, tem que entender de música, cenário, figurino. E tem que conseguir, mesmo num passo mais difícil e complexo, mostrá-lo para a plateia com um sorriso. Isso ensina nossos alunos, principalmente os bolsistas, que por mais que seja difícil, ao enfrentar os obstáculos com um sorriso no rosto, eles conseguem atingir seus objetivos”.

Com menos de três anos de treinamento profissional, em escola de dança – ele havia recebido outra bolsa de estudo antes da Pimenta -, Lucas já dá aulas de dança em um projeto social em São Pedro. “É muito gratificante. Todo mundo no meu bairro sabe que eu danço, as criancinhas falam comigo o tempo todo, me chamam de artista. Eu me sinto um artista. As crianças do projeto são muitas fãs e eu me sinto o máximo”, festeja.

Liviane conta que Lucas está treinando para dançar no final do ano com Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus. Foi a grande bailarina Ana Botafogo, inclusive, ícone do balé nacional, bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que a inspirou a fazer o Quebra-nozes em Vitória em 2021, com entrada gratuita. Seu projeto trouxe o diferencial de acrescentar, ao clássico, elementos da identidade cultural capixaba, como Nossa Senhora da Penha, o congo, Augusto Ruschi, orquídeas e beija-flores.

Marcella Neitzel

“Foram 10 mil pessoas no Shopping Vitória!”, comemora. Em 2022,  sem apoio suficiente, ela quase não conseguiu repetir a dose. Em 2023, as expectativas estão renovadas. Os patrocínios ainda não chegaram, mas Liviane continua firme no sonho.

“Quero transformar esse quebra-nozes capixaba em tradição. Uma das coisas que reclamam do Espírito Santo é que aqui não tem público para grandes espetáculos. O Cirque du Soleil não vem para cá, grandes musicais não vêm para cá, porque dizem que não tem público. Eu faço questão de provar que temos sim. Temos que partir da base. Temos que primeiro dar acesos e oportunidade, formar públicos”, explica.

Lucas também acredita em evoluções positivas através da arte. “Eu sempre fui muito aberto a tudo e consigo entender que [o tráfico de drogas e a criminalidade] não é certo, mas que as pessoas estão ali muitas vezes porque não tiveram oportunidade. Poderiam ser jogadores de futebol, engenheiros, artistas…conheci muitas pessoas, amigos, que já morreram no crime e mais jovens do que eu. Meu Deus do céu! Eu sou um jovem, negro, de periferia, que é artista. Porque eu me considero artista já. Então eu quero servir de exemplo para outros jovens como eu, para que eles possam ver que sempre há um caminho diferente do que querem fazer a gente acreditar como único. Sempre há um não, um norte”.

Rifa

O festival do CBDD acontece nos dias 1 e 2 de abril na capital fluminense. Lucas lançou uma rifa eletrônica ao valor de R$ 8 o bilhete. Quem quiser colaborar pode comprar bilhetes ou fazer doações livres através do Pix dele, que é o CPF 136.176.027-38. Mais informações, no seu instagram

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