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Cultura popular

O povo é o verdadeiro berço da cultura

Foi estarrecedor assistir ao ataque contra a cultura que ocorreu em Vitória, por meio da proibição da saída dos blocos, no final de semana posterior ao Carnaval.

O povo, já tão sufocado por pandemia, isolamento, violência urbana e policial, acirramento das relações devido à polarização política dos últimos seis anos e tantas outras dificuldades, ainda precisar ir às ruas, lutar para ter seu direito à alegria, mesmo que “fugaz”, além de uma covardia, me parece um contrassenso para a autoridade pública, pois senão, vejamos: o que seria mesmo a função desta “autoridade” em relação ao povo, que não a de um “seu” servidor?

Alguma coisa, invertida na ordem natural das coisas, acaba produzindo um imaginário completamente distorcido nesta visão de autoridade. No caso do Carnaval de rua de Vitória, me estranha ainda mais a percepção de, exatamente a autoridade que o povo elegeu para representá-lo, estar sempre em pressão contra a cultura popular, vez que a repressão ao carnaval se soma às constantes investidas contra a efusão cultural que cresce a cada dia, principalmente no centro da cidade.

Desde sempre a pressão nas populações simples resultou em incremento na produção cultural, nem sei se devo lamentar ou celebrar este fato, mas talvez seja exatamente porque a cultura se torna a mais própria ferramenta de que esse povo dispõe para descarregar as tensões e manifestar suas vontades, gostos e contragostos, ou sua melhor voz.

Contudo, essa repressão se torna ainda mais estarrecedora, uma vez que as festas populares, além de uma oportunidade de “descarrego” de pressões, têm uma função social importantíssima no sentido da geração de renda para um contingente enorme de trabalhadoras e trabalhadores, que podem ser nomeados sem medo de errar como “os mais excluídos do mercado formal de trabalho”, pessoas simples e criativas, que inventam e se reinventam, fazendo de tudo para usufruírem da festa faturando um reforço nas finanças para uma já sobrevivência que vivem.

Trazendo para o diálogo o grande Nicolau Maquiavel, mestre no desvelamento da política e leitura do comportamento do político, que em sua obra emblemática, lá do século XVI, O Príncipe, deixa muito claro, a necessidade do governante “ter o povo a seu lado” para “não sucumbir”, eu fico pensando o que tem na cabeça um “príncipe” que ainda não absolveu uma lição tão antiga e funcional como essa e, ao contrário, aposta na medição de força com o povo?

Parece-me que esta postura vinda do príncipe, por ser ele o exemplo, tende a se popularizar no serviço público em várias ocasiões comuns do dia a dia. Tanto como vemos explicitamente nas políticas de segurança pública o tratamento diferenciado às populações dos territórios de periferia, como também a tergiversação da função de proteger a sociedade para a de vigiar e reprimi-la, ou ainda em muitas repartições, onde algum servidor, investido da autoridade do cargo que ocupa desde a chefia no atendimento ao público, ou até mesmo ao próprio servidor, em que ele ao invés de facilitar o funcionamento da máquina, muitas vezes, pelo contrário, busca nos regulamentos formas de entravar, cada vez mais o trânsito das questões.

Uma outra dimensão desta covardia na capital é o impedimento do trabalho de uma multidão de pessoas necessitadas que têm nas festas populares a possibilidade de geração de renda.

Espero que dos desastrosos fatos, as autoridades percebam a riqueza da cultura como manifestação do povo e aprendam a ouvir aqueles que são o verdadeiro berço da cultura.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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